O ator e palhaço Richard Riguetti, fundador do grupo Off-Sina do Rio de Janeiro, está em cartaz desde março deste ano com a peça “Paulo Freire – O andarilho da utopia”. Nesta matéria, ele conta para o Lunetas como tem sido encarnar um dos nomes mais conhecidos da educação brasileira no mundo.
O espetáculo estreou em Vitória (ES), depois seguiu para o Rio Grande do Norte – onde foi apresentado em Angicos, cidade em que Paulo Freire implantou, nos anos 60, um projeto de alfabetização para mais de 380 trabalhadores, episódio que ficou conhecido como “Quarenta horas de Angicos“- e depois para o Rio de Janeiro. Desde então, já passou por praças públicas, teatros e, claro, a rua, palco principal do teatro popular e de rua.
Com dramaturgia de Junio Santos, encenação de Luiz Antônio Rocha e classificação livre, o espetáculo traz para o palco muito da vida e da obra do patrono da educação brasileira, o professor, pedagogo e filósofo Paulo Freire, indicado ao prêmio Nobel da Paz em 1993. Na plateia – nos conta o ator – muitos professores, interessados em educação e arte, mas também muitas crianças e bebês. “Em toda apresentação, recebemos muitos bebês de colo e crianças, elas ficam muito entusiasmadas”, diz Richard.
“A criança é sempre muito bem-vinda porque ela é a própria simbologia do afeto”
“O andarilho da utopia”: Paulo Freire no teatro
Segundo o ator, “O andarilho da utopia” é um espetáculo sobretudo sobre os afetos possíveis que podemos cultivar para acreditar no mundo, e uma obra coletiva que propõe conversa e corresponsabilização.
“O palco agora mais do que nunca é um espaço de diálogo e reflexão”
A idealizado projeto surgiu há oito anos, passou algum tempo engavetada, e ganhou vida em uma parceria dos três profissionais, após um encontro com Nita Freire (Ana Maria Araújo Freire), viúva de Paulo Freire e vencedora do Prêmio Jabuti com a biografia “Paulo Freire: uma história de vida” (editora Paz & Terra, 2007).
“Apresentamos para Nita o projeto da peça – e ela se encantou com a nossa proposta. Esse encontro nos alimentou durante todo o processo, para que a gente organizasse o nosso ato cenopoético no sentido da afetuosidade”, conta Richard.
“Eu carrego nos olhos o brilho do menino”, dizia Paulo Freire.
Por meio de uma montagem que mistura elementos da palhaçaria e do teatro de rua, a peça narra as transformações da sociedade do ponto de vista freireano. Em sua essência, o espetáculo tem a intenção de promover um processo de ressensibilização no espectador, não só em relação à educação, mas à dimensão humana da vida.
“Podemos vivenciar a amorosidade de Paulo Freire em relação ao mundo, às pessoas, aos seres vivos, e o seu profundo respeito ao diálogo, à compreensão e à aceitação dos diferentes” defende o ator.
Preparação para viver Paulo Freire
Para viver Paulo Freire nos palcos, Richard Riguetti passou por um longo preparo corporal e intelectual. Para condicionar o corpo, ganhar fôlego e expressividade, ele fez pilates e adotou a bicicleta como prática diária. “Michel Robin foi a praticamente a todos os ensaios e além de ser o Diretor de Movimento, dava um aquecimento corporal de manhã, e Aline Bernardi foi fundamental para unir o corpo a palavra”, conta Richard.
Do lado racional, o palhaço, que já era familiarizado com o pensamento do educador, se debruçou mais de perto sobre seus livros, em um trabalho constante de revisita.
“Eu comecei a ler o máximo que foi possível da sua obra enorme e fomos selecionando o que achava mais pertinente. Assim, fui construindo uma dramaturgia cenopoética. Conseguimos criar um fluxo que passa pelos aspectos mais importantes da obra de Paulo Freire: amorosidade, curiosidade e a educação formal e informal (defendendo que a criança está sempre aprendendo), e o gesto de esperançar. Minha percepção sobre o Paulo Freire muda muito, todo dia. Cada fala dele, eu coloco em reflexão e análise. O tempo todo é um diálogo intenso, caloroso, profundo”, afirma o ator.
“Assim como a criança, o palhaço olha tudo como se fosse a primeira vez”
Linguagem do palhaço
Para o dramaturgo, Junio Santos, era essencial para a obra produzir, na forma, a mistura de elementos que o conteúdo sugere. “Ler a vasta obra de Paulo Freire é necessário e prazeroso. Complicado é – entre tantas palavras e textos significativos – extrair o conteúdo da dramaturgia. Por isso, criamos roteiros temperados com cantigas, poemas, com cheiros de vida e cheiros de gente, para propagar a esperança que não cansa na voz, no corpo, na força que desejamos imprimir com o espetáculo”, explica.
“O palhaço tem como função social reconstituir o tecido emocional da população”
“O Vianinha [Oduvaldo Vianna Filho, dramaturgo, ator e diretor de teatro] dizia ‘o homem ri porque crê. Porque acredita no futuro, vislumbra um futuro melhor’. Durante o processo de criação, percebemos que Paulo Freire também tem essa linha de pensamento, especialmente quando ele diz ‘eu carrego nos olhos o brilho do menino’” defende Richard.
Em todas as apresentações, assim que a peça acaba, o artista conduz uma roda de conversa com o público presente. “Sentamos e falamos sobre a vida, as críticas e reflexões diante do que viram. Todos saem muito felizes e entusiasmados”, conta o palhaço.
Quando questionado sobre seu maior aprendizado após encarnar no teatro a maior personalidade da educação brasileira, ele compartilha que foram muitas, principalmente o reforço da importância da dimensão humana da vida.
“[A peça] me trouxe a importância de ser artista hoje no Brasil, e o quanto Paulo Freire tem propostas de humanização, de diálogo, das possibilidades do fortalecimento da democracia e fundamentalmente de apelo à vida”, diz.
O espetáculo estreia nova temporada no dia 7 de junho (sexta-feira), às 20h, no Teatro Glaucio Gill, em Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ). Os ingressos custam R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia-entrada). A classificação etária é livre, adequada para crianças e toda a família. Depois, a previsão é que siga para ganhar novos palcos, com diversos convites pendentes de confirmação de data. Acompanhe a trajetória da peça na página do artista.
Leia mais