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Parto e coronavírus: decisão não deve se basear no medo

Imagem em preto e branco de um bebê que acabou de nascer. Ele está nas mãos de sua mãe

Diante da pandemia do coronavírus, doulas, enfermeiras obstetras e parteiras pelo Brasil têm relatado o crescimento da procura de gestantes pelo parto domiciliar. Entre os motivos que levam famílias a considerarem essa possibilidade está o medo: de contágio, do grande volume de doentes nos hospitais, da falta de equipamentos e leitos em unidades de saúde, ou das notícias recentes sobre casos de restrição à entrada de acompanhantes em maternidades.

O parto em tempos de coronavírus

No entanto, na opinião da enfermeira obstetra Adelita Gonzalez, que há vinte anos acompanha Partos Domiciliares Planejados (PDP), em Curitiba, Paraná, essa decisão, principalmente nesses tempos de pandemia, deve ser construída pela mulher a partir da avaliação dos riscos e benefícios, em parceria com a família e profissionais especializados na assistência humanizada ao parto.

A decisão por parto domiciliar não deve se basear no medo.

“Quando mulheres não estão seguras da escolha, podem haver dificuldades na hora do parto, como o próprio limite emocional ou da dor, fazendo com que a gestante deseje ser transferida para o hospital, para receber uma analgesia ou mesmo submeter-se a uma cesariana”, aponta a enfermeira obstetra. A transferência a um hospital pode ainda estar relacionada a não evolução do trabalho de parto ou intercorrências no pré ou pós-parto imediato, como, por exemplo, sangramento uterino não controlado ou dificuldade respiratória do bebê. Apesar disso, Gonzalez sugere que o momento atual seja uma oportunidade para buscar informações e tirar dúvidas, desmistificando o assunto.

Gonzalez aponta três pontos que devem ser considerados no planejamento de um parto domiciliar. O primeiro é o desejo materno, que envolve autonomia e responsabilidade diante da escolha. Segundo, os aspectos de saúde: baixo risco gestacional, gestação acima de 37 semanas, bebê cefálico e estar em acompanhamento pré-natal regular. “Depois disso, cada caso será avaliado e triado pela própria equipe de atendimento ao PDP ”, afirma. Não é uma opção, por exemplo, para gestantes diabéticas ou hipertensas, pois o risco de ocorrer uma complicação é alto.

No Brasil, os partos domiciliares não são oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), exceto no hospital Sophia Feldman, em Belo Horizonte (MG). Também não é uma modalidade paga pelas operadoras de saúde, embora em alguns casos possa haver reembolso. O terceiro ponto, portanto, é a condição financeira. Segundo Gonzalez, o custo médio desse serviço privado varia entre R$ 5 mil e R$10 mil. A alternativa de ter um filho em casa, amparada pela segurança de uma equipe especializada, acaba sendo inacessível para a maioria das mulheres.

Parto hospitalar humanizado garante segurança

Em meio à pandemia ou em qualquer outro tempo e condição de nascer, a humanização do parto diz respeito a práticas e procedimentos mais acolhedores voltados às gestantes e aos bebês, respeitando o protagonismo das mulheres e evitando cesárias de rotina, intervenções desnecessárias ou qualquer tipo de violência obstétrica.

Em nota publicada no dia 29 de março, a Confederação Internacional de Parteiras (ICM) afirmou que muitas intervenções hospitalares desnecessárias podem aumentar o risco de complicação para mães e bebês, estendendo o tempo de permanência e recuperação em hospitais. Aliadas ao atual cenário, “podem aumentar a sobrecarga sobre os profissionais, consequentemente, acrescentando risco de exposição à Covid-19”, alerta o documento.

Para mulheres que não podem optar pelo parto domiciliar por questões financeiras ou porque não se sentem seguras, Gonzalez sugere três passos para buscar a atenção humanizada nos hospitais. O primeiro deles é decidir procurar um hospital que esteja alinhado com a proposta da humanização. Depois, vem a busca por informações, conhecer direitos, entender as fases do parto, compreender riscos e benefícios em relação às escolhas e fazer um Plano de Parto. Por último, vem a de preparo emocional: participar de grupos de apoio ao parto normal e à maternidade e se aproximar de pessoas otimistas colaboram para esta fase.

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Uma cesária não desejada, mas necessária, pode ser humanizada? “Sim, se considerarmos que humanizar um nascimento é, além de trabalhar com evidências científicas, atendê-lo de acordo com os desejos maternos, respeitando suas crenças, valores e individualidade. Um ponto fundamental a ser considerado é preparar-se já no pré-natal para todas as possibilidades do desfecho de um nascimento.” (Adelita Gonzales, enfermeira obstetra)

Direito a acompanhante em tempos de pandemia

Se há necessidade de preparo e empoderamento para garantir o parto humanizado em condições normais de funcionamento do sistema hospitalar, o momento atual coloca ainda mais desafios para as mulheres. Hospitais pelo Brasil, inclusive aqueles que são referência em parto humanizado estão impedindo a entrada de doulas e, em alguns casos, dos próprios acompanhantes. No Paraná, por exemplo, integrantes da Associação de Doulas de Curitiba e Região Metropolitana (ADOUC) chegaram a relatar casos de parceiros de gestantes que chamaram a polícia ou tiveram que “imprimir a lei” para que pudessem entrar nas maternidades.

“Acompanhante não é um luxo, é um direito assistencial básico, por questões psicológicas e emocionais”, defende a advogada goianense Valéria Machado, diretora executiva do Nascer Direito, um coletivo dedicado ao enfrentamento da violência obstétrica. Além disso, ela ressalta o fato de que a presença do acompanhante diminui o risco de intervenções indesejadas na hora do parto e deve ser mantida normalmente.

Acompanhante não é um luxo, é um direito assistencial básico, por questões psicológicas e emocionais.

Ainda no contexto da pandemia de Covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o direito ao acompanhante, que garante segurança e cuidado às parturientes, seja cumprido, inclusive para mulheres sintomáticas. Isso difere da proibição de visitas hospitalares durante a pandemia, por exemplo, decisão que vem sendo tomada por alguns hospitais no Brasil, com o objetivo de diminuir os riscos de contaminação e disseminação do coronavírus.

No dia 27 de março, o Ministério da Saúde recomendou, em regra, a manutenção da presença do acompanhante, no caso de pessoas assintomáticas ou que não tenham tido contato com casos de infecção comprovada pelo novo coronavírus. “A restrição pode acontecer, eventualmente, se o paciente ou o acompanhante apresentarem sintomas e tenham prescrição de isolamento. Ainda assim, ela deve ser justificada em prontuário”, explica a advogada.

O que fazer para garantir o direito ao acompanhante?
No Brasil, o direito da gestante a um acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde e particular, é assegurado pela Lei Federal nº 11.108, de 7 de abril de 2005. Três outros dispositivos legais garantem esse direito: Art. 8º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, RDC nº 36/2008, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a Resolução normativa nº 428/2017, da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Em casos de direitos violados, as mulheres devem buscar um advogado particular ou a Defensoria Pública para medidas judiciais.

(Fonte: Informativo sobre Direito ao Acompanhante, produzido por Valéria Machado.)

Já no caso das doulas, há prerrogativas de atuação em alguns estados e outros não, o que tem dificultado a entrada dessas mulheres nos hospitais diante das medidas de contenção da pandemia.

“Se as doulas estão cumprindo o resguardo, não vejo por que não entrar na maternidade. A gestação é um momento de potência, mas também de vulnerabilidade”, afirma a doula e pedagoga Laura Daltro Dias, do coletivo Doulas Pretas, de Salvador. “Se a mulher está insegura, com medo diante da pandemia, então temos ainda mais motivos para a presença de uma doula no parto, que possa tranquilizá-la e garantir um nascimento saudável.”

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