Você considera sua cidade amigável para crianças? Já pensou sobre como o olhar infantil pode melhorar cidades, do trânsito aos outdoors, das escolas às calçadas, visto que tudo interfere no bem-viver dos pequenos em seus municípios? Com 84,72% da população brasileira vivendo em áreas urbanas, é urgente repensar o modelo de urbanização, considerando a primeira infância como base para a construção de ambientes que favoreçam o movimento, a descoberta do novo e o encontro.
Em um estudo de base canadense, os pesquisadores Swathika Anandan e Malaka Ackaoui, da Universidade McGill, investigaram uma comunidade de imigrantes no bairro Saint Raymond, em Montreal, para entender como incentivar o olhar infantil no planejamento urbano. Acompanhando um passeio das crianças pela vizinhança e entrevistando algumas delas, perceberam descaso na administração de parques e playgrounds, trânsito perigoso e ruas danificadas devido às condições climáticas, medo de brincar nas ruas após o anoitecer e ansiedade causada pelo excesso de sons e movimentação, além de entender como os pequenos observam o ambiente em que vivem e o que eles gostariam de mudar no bairro.
Um estudo de base é uma análise da situação atual para identificar os pontos de partida de um programa ou projeto. O foco principal da publicação foi compreender as impressões infantis sobre o ambiente urbano, e como desejavam transformá-lo. Depois, essas informações foram repassadas às autoridades da cidade.
O estudo serve como inspiração para uma aplicação semelhante no Brasil, e destaca a importância que as crianças podem desempenhar no planejamento de bairros e cidades mais seguras, com espaços mais limpos e agradáveis. Os pesquisadores acreditam que este experimento seja útil para que as necessidades das crianças em relação ao planejamento urbano sejam respeitadas.
Para Paula Mendonça, assessora pedagógica do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, o essencial na construção de uma cidade saudável é simples: “ter a natureza e a criança como eixo norteador das políticas públicas”. Se uma criança pode usufruir de ruas e caminhos que o município oferece com a devida segurança viária, significa que houve planejamento voltado às calçadas e à velocidade dos carros.
“Crianças acessando a cidade de maneira adequada significam esforços intersetoriais para planejamento urbano voltado às infâncias”
Paula reforça que o contato direto das crianças com áreas verdes possibilita que tenham desenvolvimento integral nas áreas da cognição, emoção e imaginação, além de fatores como a atenção à permeabilidade do solo, conforto térmico e microclimas locais tornarem a vida melhor para todo mundo que vive no local. É urgente pensar em formas de desenvolvimento urbano que respeitem a natureza e mantenham sua presença, desde os pequenos detalhes.
O que já está sendo feito?
Em Jundiaí (SP), políticas públicas voltadas às infâncias têm sido implementadas na cidade desde 2017. Com o objetivo de orientar o planejamento urbano, a Política Municipal da Criança favorece a ocupação dos espaços públicos com segurança, contato com a natureza, mobilidade, acessibilidade e entretenimento, por meio de projetos e ações de diferentes áreas que prezam desenvolvimento saudável infantil.
A cidade também tem o “Comitê das crianças”, que realiza escuta ativa das crianças para a criação de políticas públicas sob a ótica infantil; Plano Diretor do Município (2019) aprovado com um capítulo exclusivo às políticas voltadas às crianças; e preservação da Represa do Parque da Cidade com o “Mundo das crianças”, parque que incentiva o contato e a interação com a natureza e o brincar em 170 mil m². As crianças e seus pais também foram consultados para o planejamento do parque naturalizado e da Fábrica das Infâncias Japy, espaço voltado para a experimentação artística, formativa, criativa e reflexiva sobre brincadeiras e infâncias.
Com 22 textos e artigos de pesquisadores, especialistas e profissionais que trabalham no campo das infâncias, gênero e território, o livro “Cidade, gênero e infância” reúne pesquisas acadêmicas sobre violência, espaço público e segregação territorial, pesquisas e experimentações práticas na transformação do território, experiências de incentivo à brincadeira no espaço público, envolvimento da comunidade, entre outros assuntos que trazem novas lentes à prática de arquitetos e urbanistas.
* Esta reportagem foi publicada originalmente no Portal Lunetas, em 2017. Para sua adaptação e atualização, colaborou Eduarda Ramos.
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Segundo o estudo, as ruas principais de Saint-Raymond não são propícias a pedestres. Caminhar por elas é uma atividade desagradável devido ao trânsito, a calçadas sem manutenção, e à poluição sonora e do ar. Os fatores dificultam a capacidade de interação com o ambiente fora de suas casas, não só das crianças, mas também dos adultos.