Quando crianças colocam a vida em risco, em alguns casos com desfechos trágicos, por causa de desafios na internet, ficam algumas perguntas no ar. Quem está influenciando essas atitudes? Em quem estão se espelhando para desenvolver comportamentos tão violentos e abusivos? Será que esses comunicadores têm consciência da responsabilidade que carregam ao falar com um público especialmente vulnerável? Influenciadores digitais estão preparados para essa missão? Que valores eles transmitem?
No Brasil, onde 95% das pessoas entre 9 e 17 anos acessam a internet todos os dias, podemos imaginar que parte da educação de crianças e adolescentes fica a cargo de influenciadores digitais, produtores e distribuidores de conteúdo que, de forma espontânea, movem tendências, temas e públicos no ecossistema informacional.
Além de ser perigoso depositar desejos e necessidades em pessoas que não estão necessariamente preparadas para lidar com desinformação e fake news, nessa nossa “onlife”, neologismo cunhado pelo filósofo italiano Luciano Floridi para marcar uma nova era em que virtual e digital se (con)fundem, o influenciador deixa pegadas digitais que serão seguidas por milhares de crianças e jovens.
Contudo, nessa fase, a identidade ainda está em construção e uma das maneiras pelas quais descobrimos quem somos é quando nos comparamos com os outros. Isso tem impacto em como o público vê e compreende o mundo em que vive, on ou off-line. Pode, inclusive, afetar inclusive decisões no futuro: econômicas, sociais, ambientais.
Modelos inspiradores e diversos para um retrato de si e do mundo
“Um bom influenciador é alguém que está compartilhando bons valores e garantindo que todos se sintam bem depois de terminar de assistir seu conteúdo.” A afirmação é da professora Elizabeth Milovidov, especialista em direitos da criança e do adolescente.
Como as crianças podem, portanto, desenvolver senso crítico para discernir a boa da má influência? Identificar os influenciadores que fazem com que se sintam bem consigo mesmas daqueles que as diminuem e desconsideram? Essa musculatura crítica deve estar presente principalmente entre as meninas pré-adolescentes. Isso porque os índices de depressão em decorrência do excesso de uso de redes sociais são significativamente mais altos do que aqueles encontrados em meninos.
Ao observar com atenção esse fenômeno dos influencers, uma educação midiática direcionada a crianças e jovens pode favorecer a construção de competências e habilidades para que possam acessar as mídias com um olhar crítico e consciente. O objetivo é aprender a se perguntar se as mensagens que recebem promovem conhecimento, tolerância, empatia e a convivência pacífica consigo e com os demais.
Proteger na internet, e não da internet
Nesse sentido, uma vez que as mídias fazem parte do cotidiano de crianças e jovens, é importante supervisionar o acesso. Mas sem proibir seu uso ou demonizá-las. Sem esse contato, perde-se uma oportunidade de aprendizado e uma série de possibilidades para a sua formação integral.
“Cada vez que você dá um like, compartilha alguma coisa ou usa uma hashtag, você está contribuindo para a construção de uma memória coletiva. Esta é uma responsabilidade que nós temos e que vocês devem levar a sério. […] a melhor coisa que nós podemos fazer é educar as pessoas desde muito jovens a serem responsáveis individualmente nessa nova rede de comunicação e ensiná-las a pensar criticamente”, diz o filósofo Pierre Lèvy. Por isso, crianças e adolescentes devem crescer sabendo que são donos de suas escolhas e podem se expressar verdadeiramente, de maneira ética e cidadã. Sem filtros.
Para refletir não só sobre o conteúdo que geram, mas também o legado que querem deixar, o #guiainfluencerdigitalnareal, disponível gratuitamente, traz dicas para criadores de conteúdo que falam diretamente com crianças e adolescentes. Além de uma lista de boas práticas e referências para ampliar os seus conhecimentos, uma “caixa de ferramentas” mostra como acessar os recursos que as plataformas digitais disponibilizam, para que a comunicação seja mais ética e eficaz.
Na outra ponta, é também fundamental capacitar e regulamentar a atuação de quem ocupa o espaço de novos modelos de inspiração para o público infantojuvenil. Isso porque os influenciadores digitais serão eternamente responsáveis não apenas por aquilo que cativam, como o pequeno príncipe de Saint-Exupéry, mas também por tudo aquilo que compartilham.
* Clara Becker é jornalista especializada em combate à desinformação e cofundadora do Redes Cordiais. É também formada em Letras pela UFRJ e coautora dos livros “The Football Crónicas” e “Los Malos”. Januária Cristina Alves é mestre em Comunicação Social pela ECA/USP, educomunicadora, autora de mais de 50 livros infantojuvenis e duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira. É colunista do Nexo Jornal e membro da Mil Alliance, a Aliança Global para Parcerias em Alfabetização Midiática e Informacional da Unesco.
** Este texto é de exclusiva responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do Lunetas.
Segundo a revista americana Entrepreneur, 80% do tráfego on-line está ligado a algum tipo de influenciador. Pesquisas como a Creators Connect revelam que, para jovens, influenciadores nas redes sociais são mais relevantes que jornalistas ou veículos oficiais de comunicação. Outro estudo, do Survey Monkey e da Common Sense Media, mostrou que 60% dos adolescentes consomem notícias via redes sociais. Apesar de 75% deles afirmarem que é importante manter-se bem informado e a maioria admitir que a imprensa é uma fonte mais confiável do que as redes sociais, eles acreditam que influenciadores digitais “geralmente acertam os fatos”.