Mesmo sem ainda saber ler ou escrever a palavra, a escritora baiana Bárbara Carine percebia o racismo em seus primeiros anos na escola. Essas recordações e a conquista de, mais tarde, entrar em uma faculdade viraram escritos nas páginas de seu novo livro, “Querido estudante negro”. “As histórias da vida dela [da protagonista] são também da minha vida, desde a educação infantil até as vivências e os atravessamentos do racismo no meu pós-doutorado”, conta a autora, em entrevista ao Lunetas.
“Antes mesmo de eu ler, já me liam”
Trata-se de uma troca de cartas entre a protagonista e o amigo, que recebe a saudação do título do livro. Ambos atravessam episódios de racismo estrutural e recreativo, que deixam marcas na vida escolar. Enquanto a menina vive uma realidade da periferia, com privações econômicas e precisa provar que é capaz de estudar o que quiser, o querido estudante negro é um menino de classe média alta. Ele acessa escolas particulares e ambientes diferentes da amiga. Mesmo assim, as experiências se cruzam à medida que ambos se reconhecem como pessoas negras em desenvolvimento.
“A ideia é abrir espaço para que qualquer estudante negro brasileiro se identifique, porque pode ser a narrativa de muitos”, diz Carine. Para ampliar essa identificação, os personagens principais não têm nomes e a narrativa não aponta um tempo determinado.
Em uma troca de cartas, a protagonista narra os episódios na escola, as brincadeiras na rua, a relação com a família e as descobertas dos sentimentos que fazem parte do crescer. Embora apresente um tom autobiográfico, Bárbara Carine, que também escreveu “Como ser um educador antirracista”, e é pós-doutora em química, mãe e idealizadora de uma escola antirracista, enfatiza que o livro não quer passar a mensagem de vitória, e sim de identidade. “Este não é um texto sobre superação, mas sobre diferentes percepções do que é ser negro neste país. É um livro voltado para o estudante negro, para que sinta acolhido e menos solitário no mundo.”
Livro não é só para leitores negros
Alisar o cabelo, não ser escolhida a miss da turma e não se enxergar nos espaços de poder são algumas situações que aproximam a trajetória da autora e a da menina do livro. Assim, “a narrativa pode ajudar na construção de uma consciência de identidade dos adolescentes. Além de jovens negros e negras, principalmente nesse sentido do autorreconhecimento”, conta Bárbara Carine.
A questão principal, além do acolhimento, é fazer o leitor negro compreender que essas dores fazem parte de uma estrutura racista e que o problema não é sobre ele. “Que um jovem negro se olhe no espelho e saiba que não veio de escravos, mas sim dos primeiros povos humanos”, diz. “Então, o livro traz essa perspectiva de reconciliação consigo e com a sua própria história.”
Por outro lado, a autora ressalta que a leitura também é importante para pessoas brancas, principalmente para colegas e professores. “Muitas pessoas brancas não têm noção de como é desesperador para um jovem acordar e ir para a escola sabendo que vai viver aqueles massacres, ouvir piadas e se deparar com a ausência de positivação da sua existência naquele espaço”. Por isso, ela defende a leitura de histórias negras por todos. Não somente para entender as potências dessas pessoas, mas para “acessar o entendimento do outro, de como contribui para essa dor e entender isso com empatia”.
“Onde a gente não se vê, a gente não se pensa”
O lançamento de “Querido estudante negro”, em São Paulo, será nesta terça-feira, 19, no Sesc Pinheiros, às 19 horas. O evento terá a presença da autora e um bate-papo com a poeta Maria Vilani, mãe do rapper Criolo. No dia 20, o lançamento será às 19 horas, na Drummond Livraria, também em São Paulo. O livro já foi lançado em Salvador e no Rio de Janeiro, em fevereiro.