Por todo o mundo, em diferentes culturas, muitas mulheres encontram formas de guardar uma recordação de sua placenta. Umas usam o órgão como adubo para uma planta, outras fazem o quadro da “árvore da vida” por meio do “carimbo” de placenta (feito com sangue logo após o parto ou com tintas depois de congelada). Muitas ingerem um pedaço em forma de comida ou bebida, e tantas outras a consomem em cápsulas, fazem tinturas ou produzem remédios naturais.
Não existem regras do que é certo ou errado fazer com a placenta: cada alternativa é uma escolha individual das famílias e deve ser respeitada. O que iguala todas elas é o laço afetivo que existe entre mãe e bebê, simbolizado pelo órgão que nutriu o feto durante a gestação.
O que é a placenta?
Para falar de todos estes costumes, vistos por tantas pessoas como, no mínimo, diferentes, é necessário entender o que é a placenta e para que ela serve. A placenta é um órgão de função vital na gestação, presente na maior parte dos mamíferos, pela qual ocorrem as trocas entre mãe e filho. Ela é chamada por muitos de “árvore da vida”, por ser através dela que o bebê troca oxigênio e gás carbônico com a mãe. Também recebe nutrientes por difusão do sangue materno e excreta produtos de seu metabolismo.
Logo após o nascimento do bebê, a placenta é expelida pela mulher naturalmente, com direito até a contrações. Em partos feitos por cesárea, elas são retiradas pelos médicos do corpo da mulher. O cordão umbilical só é cortado após o bebê não precisar mais da placenta, ou seja, após ele já respirar sozinho, ter circulação regular, e rins em pleno funcionamento, por exemplo.
Durante a gestação, a placenta faz todas as funções de um metabolismo humano e é a fonte de vida para o bebê, sendo parte integrante de seu corpo.
Logo após o parto, o mais comum, principalmente em hospitais, é que este órgão seja descartado.
Guardar, enterrar, carimbar ou ingerir?
Uma das maneiras mais conhecidas de utilizar a placenta é enterrá-la juntamente com alguma planta ou usá-la como carimbo para fazer a “árvore da vida”. Feito com sangue logo após o parto ou com tinta, depois da placenta congelada, a técnica do carimbo resulta em verdadeiras obras de arte.
Itaiana Battoni, de 34 anos, trabalha com arte gestacional em Araraquara (SP), onde reside com a família. Mãe de Raul, de dois anos, ela conta que resolveu guardar a placenta congelada para depois plantá-la no quintal de sua casa. “Fiz o carimbo no papel com sangue depois do meu parto domiciliar e congelei. Depois de um ano resolvi enterrar, mas antes fiz carimbos com tinta da árvore da vida. Hoje ela se transformou em uma Rosa do Deserto”, relata.
Debates sobre a placentofagia
Apesar de a placentofagia – termo usado para o ato de se comer a placenta após o parto – estar em constante divulgação, principalmente após personalidades públicas compartilharem a pretensão de comer a placenta após o nascimento de seus filhos, ela ainda provoca dúvidas em grande parte da população. No Brasil, o assunto ainda não é muito divulgado e é pouco conhecido.
Comer a placenta logo após o parto é uma prática comum entre muitos animais. Com exceção dos humanos e dos mamíferos marinhos e de alguns domesticados, todos os outros mamíferos consomem este órgão depois do nascimento de seus filhotes. E, de acordo com crenças de vários países, principalmente os orientais, a placenta possui propriedades curativas e nutrientes. Na China, por exemplo, ela desidratada é usada em alguns remédios tradicionais populares.
Entre os efeitos benéficos relatados por mulheres que já consumiram placenta está uma melhor recuperação pós-parto, menor sangramento, melhor reposição hormonal.
Além disso, a ingestão da placenta pode reduzir as chances de sofrer depressão pós-parto e melhorar acentuadamente a produção de leite.
Segundo os placentofagistas, a placenta é rica em nutrientes e hormônios como ferro, vitamina B12, prolactina, oxitocina, prostaglandinas e endorfinas
Por isso, tantos relatos se referem ao órgão como responsável benéfico no pós-parto.
Consumo de outras formas
Algumas mulheres optam por não comer um pedaço da placenta e sim beber uma vitamina feita com o órgão, leite e frutas após o parto. É o caso da paranaense Fabíola Benetti, de 27 anos, que decidiu ingerir sua placenta após dar à luz à filha em forma de vitamina. “Havia congelado muitos morangos e resolvi fazer um shake com leite, placenta e as frutas. O gosto era bom, não percebi nenhum sabor diferente, senti mais o gosto dos morangos”, disse.
A doula, mãe de Joaquim, de três anos, e de Clara, de sete meses, explicou que somente usou cerca de um centímetro da placenta para fazer a vitamina. Fabíola relata que percebeu muita diferença entre os seus dois pós-partos, já que no do primeiro filho não ingeriu sua placenta.
“Este órgão ajuda a repor todas as energias e vitaminas que a mulher gastou durante o parto e a gestação. Percebi que meu sangramento parou bem antes do normal e meu leite desceu rápido”, conta Fabíola.
O carimbo da ‘árvore da vida’
Ainda com sua placenta, Fabíola fez o carimbo chamado “árvore da vida” e enterrou o órgão com uma muda de pinheiro, perto de pés de Araucárias, a árvore símbolo do Paraná.
Nitiananda Fuganti, doula, educadora perinatal, professora de yoga pré e pós-parto e diretora da Casa Mãe, em Curitiba (PR), também relatou a alegria por ter feito o carimbo da “árvore da vida” com as placentas dos três filhos.
A paranaense de 26 anos disse que a placenta de sua primeira gravidez foi enterrada após um ano do parto junto a uma muda de araçá e que a segunda placenta serviu como ingrediente de uma vitamina com leite vegetal e frutas, como também para fazer uma tintura que, segundo ela, ajuda a sanar problemas físicos e emocionais.
“Deliciosa, nutritiva e com sabor de frutas! Me senti mais forte uns dias após o parto”
E, com a terceira placenta, Nitiananda também fez uma vitamina, além de clampeá-la com fogo em um ritual de bênçãos para o bebê. “A placenta é o órgão mais completo que existe e ela morre para deixar o bebê nascer, é um símbolo muito forte do amor incondicional”, afirmou.
Placenta em cápsulas e em tinturas
Devido ao fato de a prática de consumo da placenta ter sido adotada por muitas famílias, já há empresas no exterior que oferecem serviços para encapsular a placenta ou transformá-las em tinturas medicinais (consumidas em gotas como os Florais de Bach). Laura Curtis, proprietária da PlacentaWise – maior empresa de encapsulamento de placenta em Utah, nos Estados Unidos – disse em entrevista ao The Salt Lake Tribune que consumir a placenta em cápsulas tem resultado positivo, assim como tantas outras coisas que as pessoas fazem pela saúde e que não foram estudadas ou comprovadas pela ciência médica. Na empresa de Laura, um pote de cápsulas de placenta custa aproximadamente 200 dólares.
No Brasil, estas técnicas ainda não são regulamentadas, porém podem ser encontradas realizadas de forma artesanal por parteiras, doulas ou casas de parto humanizado. As amigas Iara Silveira e Ana Cyntia, ambas enfermeiras obstétricas e neonatologistas, criaram juntas a Luz de Candeeiro, em Brasília (DF), que realiza partos domiciliares, hospitalares e presta atendimento humanizado às gestantes e familiares. As duas realizam a técnica de desidratar e encapsular placentas, aprendida em um treinamento em Nevada, nos Estados Unidos.
Em três anos de existência, a Luz de Candeeiro já encapsulou cerca de cem placentas. Ana Cyntia disse ao Lunetas que o processo realizado por elas dura aproximadamente 48 horas e que somente fornecem as cápsulas para as mulheres “donas” das placentas. “Não vendemos e nem divulgamos cápsula de placenta para pessoas, somente desidratamos e devolvemos a placenta em cápsulas para mulheres que atendemos, mesmo porque nelas há o sangue da mãe e do bebê”, explicou.
Ingerir a placenta após o parto faz bem ou mal à saúde?
A prática de consumir placenta ainda não faz parte da cultura brasileira, mas em países como os Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, por exemplo, muitas mulheres têm acesso às cápsulas e tinturas feitas com o órgão. Segundo Ana Cyntia, na Inglaterra já até é possível encomendar um kit de desidratação e encapsulação de placenta para ser usado pela mãe e depois devolvido ao fornecedor.
É importante ressaltar que ainda não há evidências científicas sobre benefícios ou malefícios de se consumir placenta. As opiniões de médicos sobre o assunto são divergentes pelo mundo afora. Alguns acreditam que a prática realmente é benéfica, embora ainda não haja nenhuma comprovação da ciência.
Algumas universidades estrangeiras estudam o tema e a Faculdade de Medicina de Nothwestern, em Chicago, Nos Estados Unidos, concluiu que comer placenta não oferece nenhum benefício à mulher, alegando que os relatos positivos são subjetivos e alertando para riscos à saúde da mãe, devido ao fato de o órgão ser rico em fluxo sanguíneo. Já a Universidade de Nevada, em Reno, também nos Estados Unidos, entrevistou mulheres que comeram suas placentas, sendo que muitas relataram benefícios.
A placenta transformada em arte
Este assunto chama a atenção de muitas pessoas, não somente de doulas, parteiras ou profissionais ligados a partos e à saúde. É o caso da fotógrafa Márcia Kohatsu, fotógrafa que resolveu trabalhar com partos humanizados em 2014, ano que engravidou e buscou informações sobre o universo do nascimento de bebês.
“Percebi o quanto o tema parto está cheio de informações equivocadas, de tabus, de preconceitos, de má conduta médica e de violência”
Segundo a fotógrafa, as mulheres devem se informar e se empoderar para conseguirem ter um parto respeitoso. Com vontade de colaborar com a mudança de paradigmas, Márcia decidiu doar seu tempo e talento para o projeto “À Luz do Parto”, que retrata através de suas imagens “as dores e as delícias do parir”.
“Cada mulher escolhe sua forma de honrar e agradecer sua placenta”
A fotógrafa disse que em seu projeto a placenta tem um lugar especial, pois ela é considerada por muitos como “árvore da vida, a primeira mãe”. Para a curitibana, a placenta é da mulher, de direito da mãe e, por isso, cabe somente a ela resolver qual destino dar.
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