“Uma história infantil que pode ser apreciada só por crianças não é uma boa história infantil”. Quem fez essa afirmação foi o escritor C.S. Lewis, autor de “O leão, a feiticeira e o guarda-roupa”, clássico pretensamente “infantil” que atravessa gerações. Se as músicas também podem contar histórias, o que dizer das aproximações entre aquelas ditas “para adultos” e as rotuladas “para crianças”? Garatujas sonoras que são lugares onde tudo pode acontecer: jacaré que come milho, peixe que fica em pé, sapo que fica careca e lua que anda de bicicleta.
Feito um pai que observa a cena de um bebê brincando com a caixa de papelão, e não com o que veio dentro dela, não cansamos de nos surpreender com o que parece óbvio: a criança tem interesse naquelas coisas que não seriam, a princípio, um brinquedo, mas tornam-se um. A música é uma delas.
Para expandir o horizonte musical de crianças de todas as idades, o Lunetas preparou uma playlist com canções que não foram originalmente produzidas para o público infantil, mas que se aproximam do universo da infância por diversas razões. Afinal, há obras que transcendem os limites etários da audiência para percorrer caminhos imprevistos.
Além de passearem pela multiplicidade temática das composições – da elaboração de questões emocionais (luto, melancolia, medo) e físicas (desenvolvimento da fala, hora de dormir, primeiros passos) -, as crianças são seduzidas pela descoberta de novas palavras e sons inéditos a partir de rimas, vocalizações, circularidade da melodia, repetições, onomatopeias. Mas também há canções que oferecem às crianças experiências que não servem para nada – exatamente como se espera da arte: fruição e arrebatamento que não precisam fazer sentido, mas produzir sentidos.
MPB: música popular para bebês?
As canções e os bebês têm milhares de afinidades. A audição é um dos primeiros sentidos desenvolvidos pelo feto ainda na barriga da mãe, como conta a psicóloga Silvia de Ambrosis Pinheiro Machado, em entrevista ao Lunetas. Ela dá dois exemplos do cancioneiro brasileiro – incluídos nesta seleção – que apresentam “o efeito hipnótico das canções de ninar”, resultado de recursos musicais como brevidade, repetição, monotonia e lentidão.
A música “Tudo tudo tudo”, de Caetano Veloso, que também tem uma versão da dupla Palavra Cantada, traz repetições comuns às canções de ninar, geralmente para imitar os sons com os quais o bebê já está familiarizado, como as batidas do coração e o ruído que ele ouve de dentro do útero. “Tudo comer / Tudo dormir / Tudo no fundo do mar”. Já “Acalanto”, de Dorival Caymmi, feita para sua filha Nana Caymmi, interpretada por Roberto Carlos e Adriana Calcanhoto, também traz a repetição, que reproduz uma toada de relaxamento a partir da terminação “em”. “É tão tarde / A manhã já vem / Todos dormem / A noite também / Só eu velo por você, meu bem”.
Experimentação musical e infantil
Nesta playlist também constam canções dos “malditos da MPB” (um rótulo controverso, já que foi cunhado pela indústria fonográfica nos anos 1970 para se referir àqueles músicos que não se dobravam ao gosto popular, nem abriam mão do experimentalismo radical, como Jorge Mautner, Sérgio Sampaio, Jards Macalé, Luiz Melodia, Itamar Assumpção). Ressignificados pelo tempo, os “malditos” têm muitas compatibilidades com as crianças, principalmente por tocarem nesse lugar imponderável da experimentação, típico do universo infantil.
Trazemos a canção “Quero-quero”, que emula os pios do pequeno pássaro também conhecido como “tetéu” ou “téu-téu”. A faixa faz parte do disco “Birds”, de Tetê Espíndola, em parceria com Humberto Espíndola e Marta Catunda, lançado em 1991. Fruto de experimentações musicais pela Amazônia, o álbum é todo dedicado a brincar com o canto dos pássaros.
É dessa fonte que bebe o artista Ciro Lubliner, que acaba de lançar o primeiro álbum de seu projeto mevoi, “Seja lá o que isso seja”. Para ele, a distinção entre arte para crianças ou adultos não faz sentido. “Eu acho que todo gênero ou rótulo acaba sendo uma forma de ilusão na criação artística”, defende o compositor, que também é pesquisador em Estudos da Tradução pela USP. “Claro que um artista pode ter o objetivo de compor dentro de um gênero, como o da música ‘infantil’ ou qualquer outro, mas toda obra é um corpo vivo, e esse corpo vivo vai encontrando conexões inesperadas que vão para além da origem, de onde pretensamente partiu a criação.
A arte para adultos e crianças
O uso das repetições e das onomatopeias – papararapá, tchu-tchu-tchu – tem algo de um ‘devir-criança’. Como diz um amigo meu, Alessandro Sales, são ‘garatujas sonoras’. Pra mim, não é algo premeditado essa brincadeira, surge enquanto estou compondo, vou brincando com as sonoridades e o sentido só aparece em um momento posterior”, conta Ciro, que aparece na playlist com as canções “O mundo que ri” e “Errei”.
“A própria obra é que vai dizer quais são os encontros possíveis. Ela pode se encontrar mais com adultos ou sentar para brincar com as crianças. Existe uma zona de instabilidade na arte. Para além do artista, a obra compõe, ela própria, suas relações.” – Ciro Lubliner
Alguns “malditos”, como Tom Zé, seguem benditos e pulsantes, inclusive compondo deliberadamente para os pequenos. Em 2017, ele gravou o álbum infantil “Sem você não A”, a partir do qual conta a história de uma letra, de uma palavra, de um fonema e de outros signos da linguagem. Embora seja o álbum mais intencionalmente “para crianças” do compositor baiano, suas músicas ditas adultas são repletas de conexões com a infância, o que pode ser percebido, por exemplo, em “Nave Maria”, de 1984, que simula a dinâmica de um nascimento.
Sem mais delongas, como diria a letra de “Alunte”, cantada por Baby Consuelo e os Novos Baianos, “não temos tempo pra esses papos pensados / estamos na linguagem do alunte / palavra nova que dispensa explicação”. Então, chame as crianças, dê o play e aproveite!
Garatujas sonoras para crianças
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1. ‘Samba dos animais’ (Jorge Mautner)
“O homem antigamente falava
Com quem? com quem? com quem?
Com a cobra, o jabuti e o leão
Olha o macaco na selva
Aonde? aonde? ali no coqueiro!
Mas não é macaco baby, é meu irmão!
Porém durou pouquíssimo tempo
Essa incrível curtição
Pois o homem, rei do planeta
Logo fez sua careta
E começou a sua civilização
Agora já é tarde
Ninguém nunca volta jamais
O jeito é tomar um foguete
É comer desse banquete
Para obter a paz – aquela paz
Que a gente tinha quando falava com os animais
Quém, quém, quém
Miau, miau
Au, au, au, au
Bom dia, dona Cabrita, como é que vai?”
Ouça “Samba dos animais”, de Jorge Mautner.
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2. ‘Linguagem do alunte’ (Novos Baianos)
“Be-o-bó-le-a-la, bola
Te-é-té-le-a-la, tela
A-te-é-té-le-a-la, a te lá
Te-Lê-a-la-le-e-lê-li, lua
Re-a-rá-rê-e-ré-rê-e-ri, rua
Aí já é alunte
Semelhante dela ouvir
Porque não temos tempo
Pra esses papos pensados
Estamos na linguagem do alunte
Palavra nova que dispensa explicação
Pra lá, muito pra lá de alucinação
Ter quer dizer nada
Ande, tememos
Acompanhe o dia
Chegue a extrema
Luz solar do meio-dia”
Ouça “Linguagem do alunte”, dos Novos Baianos.
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3. ‘Peixe’ (Jards Macalé e Juçara Marçal)
“Peixe subiu das entranhas verdes do mar
Viu o que viu, inventou as patas, sumiu
Dia seguiu, conquistou as matas de rio
Quis descansar, aprendeu andar
Olhou pro céu, se ajoelhou, se orientou, ficou de pé
Amanheceu, voltou pro mar, quando entendeu o que a morte é
[…]
Vamo chamar o vento
Vamo chamar o vento, camarada”
Ouça “Peixe”, de Jards Macalé e Juçara Marçal.
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4. ‘Mundo que ri’, mevoi (Ciro Lubliner)
“Você já teve a impressão,
de que o mundo tirava co’a tua cara?
E tudo que necessitavas,
era evitar cair em desgraça
E ainda bem que eu lá não estava,
quando ela se moveu em slow motion,
porque eu não aguentaria
intensidades correndo em sua trilha
Preciso olhar mais nos olhos dos outros,
pra enxergar o que eles não querem ver.
Mas quanto mais eu me empolgo,
mais me confundo com você
E ainda bem que eu já saíra,
enquanto ela se sacudia,
porque eu não suportaria
sua presença em purpurina”
Ouça “O mundo que ri”, mevoi, de Ciro Lubliner.
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5. ‘Sapo cururu’ (Jorge Mautner)
“Este sapo cururu não anda de bicicleta
Mas ele anda dizendo que a lua é careca
Ah, se a lua fosse careca
Ela usava cabeleira
Ah, como é bonita a bandeira brasileira!
Ah, como é bonita a bandeira brasileira!”
Ouça “Sapo cururu”, de Jorge Mautner.
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6. ‘Bat macumba’ (Gilberto Gil e Caetano Veloso)
“Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá
Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá
Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá
Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá
Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá
Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá
Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá
Bat Macumba ê ê, Bat Macumba oh
Bat Macumba ê ê, Bat Macumba
Bat Macumba ê ê, Bat Macum
Bat Macumba ê ê, Batman
Bat Macumba ê ê, Bat
Bat Macumba ê ê, Ba
Bat Macumba ê ê
Bat Macumba ê
Bat Macumba
Bat Macum
Batman
Bat
Ba
Bat
Bat Ma
Bat Macum
Bat Macumba
Bat Macumba ê
Bat Macumba ê ê
Bat Macumba ê ê, Ba
Bat Macumba ê ê, Bat
Bat Macumba ê ê, Batman
Bat Macumba ê ê, Bat Macum
Bat Macumba ê ê, Bat Macumba
Bat Macumba ê ê, Bat Macumba oh
Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá
Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá
Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá
Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá
Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá
Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá!”
Ouça “Bat macumba”, de Gilberto Gil e Caetano Veloso.
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7. ‘Terra chamando mamãe’ (Marcelo Callado e Cora Becker)
“Terra chamando mamãe
A mamãe está numa viagem no cosmos da sua cabeça
deixemos tudo quieto, num climão, pra que ela não se aborreça
Está numa história em dois tons, uma cor branca e outra preta
Será que o arco-íris vai voltar a colorir esse planeta?
Hey, mamãe! Eu também quero entrar nessa viagem
Olha só pra isso, já tô penteada e fiz minha bagagem
Vem aqui mamãe, se liga nessa liberdade
Andar comigo é bem melhor pro coração, e dá coragem
Terra chamando mamãe”
Ouça “Terra chamando mamãe”, de Marcelo Callado e Cora Becker.
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8. ‘Vira pó’ (Karina Buhr)
“Seu suor
Vira sofá
Cadeira
Mesa de centro
Ou não vira nada
Vale nada
Vira vento
A todo momento
Alguém vira pó
Se vira pó só
Se vira pó só
Em todo mundo dá cupim,
Vira pó só
Tanto faz se é bom
Ou é ruim
Vira pó só
Vira pó só
Vira pó
O pé da mesa
E o dono da mesa
Vira pó só
Tanto faz se é bom ou é ruim
Dá cupim
Vira pó só
Seu suor
Solidifica
Vira pó”
Ouça “Vira pó”, de Karina Buhr.
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9. ‘Tudo tudo tudo’ (Caetano Veloso)
“Tudo comer
Tudo dormir
Tudo no fundo do mar”
Ouça “Tudo tudo tudo”, de Caetano Veloso.
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10. “Acalanto”, Dorival Caymmi
“É tão tarde
A manhã já vem,
Todos dormem
A noite também,
Só eu velo
Por você, meu bem
Dorme anjo
O boi pega neném;
Lá no céu
Deixam de cantar,
Os anjinhos
Foram se deitar,
Mamãezinha
Precisa descansar
Dorme, anjo
Papai vai lhe ninar:
“Boi, boi, boi,
Boi da cara preta
Pega essa menina
Que tem medo de careta”
Ouça “Acalanto”, de Dorival Caymmi.
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11. ‘Geraldinos e arquibaldos’ (Gonzaguinha)
“Mamãe não quer, não faça
Papai diz não, não fale
Vovó ralhou, se cale
Vovô gritou, não ande
Placas de rua, não corra
Placas no verde, não pise
No luminoso: não fume
Olha o hospital, silêncio
Sinal vermelho, não siga
Setas de mão, não vire
Vá sempre em frente nem pense
É contramão
Olha cama de gato
Olha a garra dele
É cama de gato
Melhor se cuidar
No campo do adversário
É bom jogar com muita calma
Procurando pela brecha
Pra poder ganhar
Acalma a bola, rola a bola, trata a bola
Limpa a bola que é preciso faturar
E esse jogo tá um osso
É um angu que tem caroço
É preciso desembolar
E se por baixo não tá dando
É melhor tentar por cima
Oi com a cabeça dá
Você me diz que esse goleiro
É titular da seleção
Só vou saber mas é quando eu chutar
Matilda, Matilda
No campo do adversário
É bom jogar com muita calma
Procurando pela brecha”
Ouça “Geraldinos e arquibaldos”, de Gonzaguinha.
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12. ‘Tutano’ (Walter Franco)
“Quem tem tutano, tutano tem.
Quem não tem tutano, tutano não tem.”
Ouça “Tutano”, de Walter Franco.
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13. ‘Jacaré coruja’ (Moreno Veloso)
“Jacaré coruja
De dia come milho
À noite bebe chuva
Mas desapareceu
Desapareceu
Comprou um telefone para a dona coisa
De quem gostava tanto desde quando conheceu
Saiu pela janela atravessou o parque
Pra se encontrar com um pequeno grande amigo seu
Jacaré coruja, por que você não sai dessa água suja?
Jacaré coruja, por que você não sai dessa água suja?
Jacaré coruja
Mora em cima da árvore no meio da lagoa”
Ouça “Jacaré coruja”, de Moreno Veloso.
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14. ‘Nave Maria’ (Tom Zé)
“Dudu, bidu, bidu, bidu, bi
mama água
Dudu, bidu, bidu,
papá, dá, dá-á
Quando eu cheguei das estrelas
entrei na terra
por uma caverna
chamada Nascer
E eu era uma nave
uma ave
da ave-maria
e como uma fera
que berra
entrei
na atmosfera
E cuspido, espremido,
petisco de visgo,
forçando a passagem
pela barreira,
sangrando, rasgando,
subindo a ladeira,
orgasmo invertido,
gritei quando vi:
já estava respirando”
Ouça “Nave Maria”, de Tom Zé.
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15. ‘A clausura da rima’ (Lulina)
“A clausura da rima
Pegou Juliana pelo pé
E não sai de cima da menina
Rimar é sua sina
Tangerina
Margarina
Carolina
Serpentina
Vivarina
Vaselina
Pequenina
Hiroshima
Sempre tem uma forçada
Abracadabra
Hakuna matata
Purê de batata
Pra não confundir
E da rima sair
Açaí
Macarrão
Eu errei
No feijão
Rima rica
Rima rica é bacana
Rima pobre é sacana
Não me venha seu banana
Querer rimar na minha cama
O lugar não é legal
Eu não vou pegar no seu
Olho
No seu olho
Indochina
Conchinchina
Na clausura da rima
Vou fazer uma faxina”
Ouça “A clausura da rima”, de Lulina.
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16. Um milhão de pequenos raios’ (Jorge Mautner)
“Um menino brinca chutando lentamente a sua bola
Tendo atrás de si a velha escola
Onde a professora ensina
E ele gama naquela menina
Cujo pai trabalha num posto de gasolina
Esse menino é um inventor
Que empina papagaio
Fez um que parece um céu azul
Como um milhão de pequenos raios
Como um milhão de pequenos raios
Um milhão de pequenos raios”
Ouça “Um milhão de pequenos raios”, de Jorge Mautner.
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17. ‘Sonhei que viajava com você’ (Itamar Assumpção)
“Sonhei que viajava com você num galeão
Que navegava pelo mar sem medo de tubarão
Para o oriente sempre em frente íamos então
Longe da nossa casa longe do nosso sertão
A sós a bordo pelos mares destino Japão
Um baú com samba caipirinha com quentão
Pra trocarmos com kung fu karatê meditação
Pra trocarmos com ninja tatame com precisão
Sonhei que viajava com você em um balão
Que flutuava muito acima de um vulcão em erupção
Para o oriente vento quente pés longe do chão
Voava sem ter asas como a imaginação
Nós dois bem alto sãos e salvos rumo ao Japão
Numa sacola mel laranja manjericão
Pra trocarmos com saquê com shoyu dedicação
Pra trocarmos com judô ofurô com decisão
Sonhei que viajava com você num avião
Que deslocava-se quebrando a barreira do som
Para o oriente velozmente ia o avião
Batia suas asas a nave total perfeição
Pra ser exatos voávamos indo para o Japão
Na mala cuia carne seca farinha e feijão
Pra trocarmos com sushi com banchá com devoção
Pra trocarmos com hai-kai samurai com vídeo som”
Ouça “Sonhei que viajava com você”, de Itamar Assumpção.
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18. ‘Nasça’ (Walter Franco)
“Nasça o que nasce
que passe o que passa
Nasça o que nasce
e que passe o que passa
Mesa cadeira
televisor
sol geladeira
lençol cobertor
árvore telha
vento vapor
pássaro abelha
despertador
leite cigarro
gelo café
plástico ferro
pão chaminé
chave moeda
página pé
fósforo pedra
sangue chiclé”
Ouça “Nasça”, de Walter Franco.
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19. ‘Lenda do Pégaso’ (Moraes Moreira)
“Era uma vez, vejam vocês, um passarinho feio
Que não sabia o que era, nem de onde veio
Então vivia, vivia a sonhar em ser o que não era
Voando, voando com as asas, asas da quimera
Sonhava ser uma gaivota porque ela é linda e todo mundo nota
E naquela de pretensão queria ser um gavião
E quando estava feliz, feliz, ser a misteriosa perdiz
E vejam, então, que vergonha quando quis ser a sagrada cegonha
E com a vontade esparsa sonhava ser uma linda garça
E num instante de desengano queria apenas ser um tucano
E foi aquele, aquele ti-ti-ti quando quis ser um colibri
Por isso lhe pisaram o calo e aí então cantou de galo
Sonhava com a casa de barro, a do joão-de-barro, e ficava triste
Tão triste assim como tu, querendo ser o sinistro urubu
E quando queria causar estorvo então imitava o sombrio corvo
E até hoje ainda se discute se é mesmo verdade que virou abutre
E quando já estava querendo aquela paz dos sabiás
Cansado de viver na sombra, voar, revoar feito a linda pomba
E ao sentir a falta de um grande carinho
Então cantava feito um canarinho
E assim o passarinho feio quis ser até pombo-correio
Aí então Deus chegou e disse: Pegue as mágoas
Pegue as mágoas e apague-as, tenha o orgulho das águias
Deus disse ainda: É tudo azul, e o passarinho feio
Virou o cavalo voador, esse tal de Pégaso
Pégaso
Pega o Azul”
Ouça “Lenda do Pégaso”, de Moraes Moreira.
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20. ‘Mestre Jonas’ (Sá, Rodrix e Guarabyra)
“Dentro da baleia mora mestre Jonas
Desde que completou a maioridade
A baleia é sua casa, sua cidade
Dentro dela guarda suas gravatas, seus ternos de linho
E ele diz que se chama Jonas
E ele diz que é um santo homem
E ele diz que mora dentro da baleia por vontade própria
E ele diz que está comprometido
E ele diz que assinou papel
Que vai mantê-lo dentro da baleia
Até o fim da vida
Até o fim da vida
Dentro da baleia a vida é tão mais fácil
Nada incomoda o silêncio e a paz de Jonas
Quando o tempo é mal, a tempestade fica de fora
A baleia é mais segura que um grande navio
E ele diz que se chama Jonas
E ele diz que é um santo homem
E ele diz que mora dentro da baleia por vontade própria
E ele diz que está comprometido
E ele diz que assinou papel
Que vai mantê-lo dentro da baleia
Até o fim da vida
Até o fim da vida
Até subir pro céu”
Ouça “Mestre Jonas”, de Sá, Rodrix e Guarabyra.
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21. ‘Errei’ (Ciro Lubliner)
“Por que você não
sai desse lugar?
dá uma volta
deixa o arredor de si
Bora circular
pelas beiradas
que nunca ousou ir
vai, larga pra trás
tudo o que fez de ti um poste
Posto que eu errei,
no bom sentido, eu sei,
errei
tal como pensei,
errei
Por que sempre ficar
no mesmo local?
roda que
gira em torno de um fim
Cai e deixa rolar
as linhas de um vetor escape
que tal, observar
o tempo que agora se desculpe
Desculpe eu errei,
no bom sentido, eu sei,
errei
no jeito que pesei,
errei.
Já que eu errei,
no bom sentido, eu sei,
errei
me permitirei,
errei”
Ouça “Errei”, de Ciro Lubliner.
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22. ‘Conto de fraldas’ (Tom Zé)
“Penso: que pena
que seja pouco
só penso pensamento
que possa te procurar,
de cá, de lá, menina
baile beijinho
beijo beijoca
o b da brincadeira
brinquedo balbuciar, ciar
ciar, menina
tim-tirim-tirim-tim
tirim-tirim-tim
tirim
my love lua da lenda longe me leva lá
no dia em que te conheci
eu ainda molhava a cama
mo-lha-va-a-cama-á-á-á”
Ouça “Conto de fraldas”, de Tom Zé.
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23. ‘Lenda’ (Arrigo Barnabé)
“Onde mora o sonho
E a lua é o lustre de cristal.
Tem um rei risonho que aboliu
O bem e o mal.
Pôs em seu lugar mil pássaros de cor.
Que num gorjear
Secam qualquer lágrima de dor.
Um rei popular, rei da poesia e das canções.
E seu terno olhar são dois pequenos corações.
Como fui chegar nesse incrível país.
Sei que precisava de estar um pouco só feliz.
Era uma tormenta a atormentar em vão.
Um desespero cheirando à paixão.
Quarto de espelhos que queriam me tragar.
Então qual claridade que põe-se a vazar.
De uma janela num amanhecer.
Pude ler essa lenda em você”
Ouça “Lenda”, de Arrigo Barnabé.
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24. ‘O teto da minha casa’ (Sérgio Sampaio)
“O teto da minha casa
Caiu e não levantou
O sol quebrou a vidraça
Da televisão a cor
As feras do seriado
Tinham fome de calor
Entraram fogão a dentro
Comeram meu cobertor
O teto da minha casa
Criou asa e decolou
O resto da minha casa
Ventou e o vento levou”
Ouça “O teto da minha casa”, de Sérgio Sampaio.
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25. ‘Quero-quero’ (Tetê Espíndola)
[instrumental]
Ouça “Quero-quero”, de Tetê Espíndola.
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