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Como falar sobre política com as crianças?

Como falar de política com as crianças: na imagem, um grupo multiétnico de crianças está em uma biblioteca. Todos seguram livros. A imagem possui intervenções de rabiscos coloridos.

Em ano eleitoral, é muito comum que as pessoas estejam conversando sobre política a todo o momento. Seja nos debates sobre corrupção, no estudo sobre as leis do país ou em explicações sobre o desmatamento da Amazônia, a política está presente nas ideias, atitudes e experiências cotidianas. Com notícias pipocando nos jornais e os ânimos exaltados nas conversas entre familiares e amigos, não há dúvidas de que as crianças também querem saber o que está acontecendo e participar com suas opiniões.

“Política é a varinha mágica que transforma o mundo naquilo que sonhamos”

Essa é a definição de política escolhida pelo hacker e ativista por transparência Pedro Markun, uma forma de mostrar às filhas Teresa e Maria que política não precisa ser algo ruim. “Se ninguém sentar e explicar isso às crianças, elas irão receber influência de outros lugares e reproduzir discursos que colocam a política num espaço negativo, com conotação pejorativa”, afirma.

Evitando detalhes e conceitos abstratos, Pedro busca falar sobre política de forma mais lúdica e acessível. Ele sugere que os fatos sejam apresentados para as crianças sem muita adjetivação e com abertura para que elas possam dizer o que sentem e pensam. Para ele, é mais importante estimular um pensamento que surja da própria criança do que entregar verdades prontas. “Essa pode ser uma forma para elas entenderem que têm direito a pensar por si próprias, considerando a quantidade de informação a que são expostas diariamente”, diz.

7 dicas para falar sobre política com as crianças

Em entrevista ao Lunetas, Pedro Markun, um dos autores do livro infantil “Quem manda aqui”, sugere como falar sobre política com as crianças em casa. Confira:

1. Evite tentar explicar termos complexos, como “liberdade” ou “democracia”. Prefira exemplos práticos.

2. Simplifique as explicações, mas não subestime. Confie no potencial das crianças.

3. Quanto menos adjetivos a explicação tiver, mais concreto será para a criança.

4. Fale de valores, fale de corrupção, mas sem matar a capacidade crítica da criança.

5. Discutir política não é só falar de impeachment, vereador e de Prefeitura. Fale sobre as relações políticas na escola, em casa e nos espaços de convívio da criança.

6. Desmistifique a ideia de que política é chato ou sujo.

7. Fortaleça a ideia de que política é transformação.

Respeito e tolerância

As atitudes de pais, mães e cuidadores no dia a dia ajudam naquele papo de “como se comportar na frente dos outros lá fora”. Por isso, a socióloga e professora Andressa Ignácio, mãe da Lauryn e do Wesley, propõe que nada que os filhos falem seja desconsiderado ou ridicularizado. A família não tem televisão em casa e a mediação parental na internet é pensada para evitar o contato com os discursos de ódio e incentivar o respeito às diferenças.

Para Andressa, o diálogo que parte dos questionamentos das crianças é um exercício constante de paciência e tolerância. Esse é o jeitinho dela de fazer com que os filhos se sintam à vontade para falar sobre qualquer assunto e entendam que opiniões e pensamentos importam, podendo ser críticos quando necessário, assim como respeitar e acolher opiniões alheias, mesmo quando são diferentes das suas.

“Viver é político”

Por isso, durante as conversas diárias entre mães e filhos sobre a rotina, sempre aparecem oportunidades de falar sobre valores, princípios e também desconstruir ideias. “Trato com naturalidade, nada de sentar com eles e dizer ‘agora vamos falar de política’, pois isso é chato”, defende Andressa.

Se os filhos aparecem com alguma opinião que possa ser reformulada junto dos pais, o contrário também é verdadeiro. Andressa conta que sempre se referia ao colega de sala do filho como “o seu amigo especial”, por ser cadeirante. Até que um dia o filho insistiu: “Mãe, o nome dele é Vitor, todos nós somos especiais”. Repensar as atitudes pode ser um caminho para garantir às crianças que elas têm o poder de proporcionar aprendizados aos adultos.

Coletividade que ensina

Aline Alves Soares dos Santos é mãe solo e acredita que a criação compartilhada e a vivência em espaços que proporcionam a diversidade são capazes de trazer novas perspectivas para a criança sobre o mundo, já que nem sempre se sente com tempo para longas conversas. Essa postura tem dado à filha Sofia, 6, a oportunidade de olhar com mais cuidado para as relações humanas e, mais do que compreender por que o mundo é como ele é, saber que é possível transformá-lo naquilo que se quer.

Para ela, conviver entre pessoas que defendem direitos sociais pode estimular nas crianças um pensamento crítico e autônomo. “Os espaços que a criança frequenta ajudam em seu desenvolvimento, porque mesmo que ela esteja apenas brincando, ela está observando e sentindo as coisas que estão acontecendo ao seu redor”, relata. Ou seja, não adianta apenas defender uma causa, é preciso colocar a criança em contato direto com esse ideal e expressá-lo nas próprias atitudes. Em sua comunidade, esse tem sido o caminho para educar as crianças para o respeito, longe de discursos de ódio.

Nas escolas

Se engana quem acredita que a política se resume a sua face partidária. Ela está por trás da gestão das instituições, da grade curricular e da própria escolha dos livros usados em sala de aula. Por isso, o professor de sociologia da rede pública de São Paulo, Raphael Gimenes, defende que os problemas vividos pelos estudantes são oportunidades de falar sobre política. “Podemos conversar sobre desigualdade social entendendo por que nossa comunidade é pobre enquanto existem espaços ricos e mais acessíveis na cidade”, diz. Dessa forma, as crianças podem entender que a política, em seu sentido mais amplo e participativo, está costurada em cada ação, seja em como os impostos saem da família e retornam para as escolas públicas ou na origem dos alimentos da merenda escolar, por exemplo.

Uma das estratégias do professor tem sido ajudar na formação dos grêmios estudantis, um espaço que também ensina sobre processos eleitorais em disputa: é preciso ter um projeto, fazer campanha, organizar as urnas e eleger um grupo de representantes. “Os questionamentos que aparecem na formação dos grêmios são oportunidades de fazer um paralelo com o contexto mais amplo das eleições no Brasil”, explica Raphael. Em 2017, o professor orientou o projeto “Visão do rap”, no Etec Jaraguá, em São Paulo, premiado pelo programa Criativos da Escola, do Instituto Alana. Seu engajamento profissional também o levou ao Missão Pedagógica no Parlamento, em 2019, iniciativa da Câmara dos Deputados para a capacitação em educação para a democracia.

Em sala de aula, outras oportunidades surgem a partir da leitura: falar de política com as crianças também significa trazer um olhar contemporâneo e antirracista para obras da literatura, em vez de optar pelo silêncio. “Toda explicação traz uma série de elementos sobre nossa posição no mundo”, defende o professor. Apesar disso, ele reforça que as crianças estão sempre expostas às informações que recebem das famílias, comunidades religiosas, ruas, televisão e internet, sendo a escola apenas mais um dos espaços formadores de opinião.

Construir o novo

Conciliar a teoria e a prática, de acordo com Pedro Markun, é o ideal para que se desenvolva a educação política das crianças. “Trazer uma experiência real é dar concretude a um debate político ainda muito abstrato para elas. Não adianta só falar um monte de coisas sobre desigualdade, injustiça e outros assuntos sem dar caminhos concretos para tangibilizar aquilo que as palavras representam”, afirma.

Ao mesmo tempo, é possível pensar que todas as ideias estão em construção e questionamentos de crianças também podem ajudar os adultos a crescer e reformular conceitos. Para que elas cresçam com vontade de construir algo diferente daquilo que já estamos cansados, é necessário que todos os adultos envolvidos nos espaços de convivência das crianças estejam dispostos e empenhados no diálogo além da palavra. Não a partir de um ponto de vista específico, verdades prontas ou imposições, mas fornecendo elementos para que elas possam chegar às suas próprias conclusões.

Afinal, quem melhor do que as crianças para idealizar o novo e surgir com possibilidades de mundos? Estando abertos para o que elas têm a dizer, também poderemos, quem sabe, sonhar com uma transformação que tenha o mesmo tamanho da imaginação das crianças.

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