Depoimentos recentes de políticos brasileiros levantaram uma série de discussões sobre violência e exploração sexual de crianças e adolescentes. Com 35.735 casos de estupro de vulnerável praticados contra meninas brasileiras menores de 13 anos registrados em 2021 pelo Fórum de Segurança Pública, frases como “meninas arrumadas pra ganhar a vida”, “que linda, já dá pra casar” ou relatar de maneira inadequada e sem provas que crianças passam por métodos de tortura para facilitar abusos sexuais promovem “uma cultura de permissividade e espetacularização da violência no país associada à exploração sexual de crianças e adolescentes”, explica Pedro Hartung, diretor de Políticas e Direitos no Instituto Alana.
“Não é à toa que, no Brasil, a cada hora, quatro meninas são vítimas de estupro”
Em um podcast, o presidente Jair Bolsonaro disse que “pintou um clima” ao encontrar meninas venezuelanas de 14 e 15 anos, insinuando exploração sexual de crianças e adolescentes ao falar que elas estavam “arrumadas para ganhar a vida” quando apenas realizavam um curso de estética, como apurou o UOL. O fato acontece pouco mais de uma semana depois da ex-ministra e senadora eleita Damares Alves discursar em uma igreja em Goiânia (GO), na presença de adultos e crianças, sobre supostas violências sofridas por crianças na Ilha do Marajó; e pouco mais de um mês após o presidente endossar um coro falando ser “imbrochável”, em discurso realizado no feriado de independência, também na presença de crianças.
“Infelizmente, temos visto no Brasil lideranças políticas utilizando crianças e adolescentes em situação de violência como palanque e instrumento de retórica para convencimento eleitoral”, diz Hartung. A exploração sexual de crianças e adolescentes são problemas que devem ser combatidos pela sociedade, mas “nunca se deve expor os envolvidos ou inventar narrativas apelativas que gerem choque ou indignação para atrair votos, especialmente quando envolvem descrição de violência na frente de crianças”, explica o diretor. No caso de Damares, se os relatos não forem mentiras, podem configurar omissão e até mesmo crime de prevaricação – quando funcionário público deixa de agir de acordo com o dever legal.
“O que importa mais: narrar de forma apelativa um caso ou agir efetivamente para proteger as crianças supostamente envolvidas?”, questiona Pedro Hartung.
Já Marco Aurélio de Carvalho, advogado e coordenador do Grupo Prerrogativas, reforça que “não podemos permitir que relatos sem provas que os sustentem possam provocar pânico na população ou serem explorados à luz dos interesses eleitorais de 2022”.
Além disso, lembra Hartung, quando esses discursos são proferidos na presença de menores de idade, há desrespeito em relação ao processo peculiar de desenvolvimento das crianças que não deveriam ter contato com conteúdos de violência e pornográficos, conforme estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), inclusive pela política de Classificação Indicativa.
Segundo Hartung, uma estratégia eficiente para combater fake news e não dar palanque a candidatos e lideranças políticas que usam crianças de forma violenta na conquista de votos ao longo de uma batalha eleitoral pautada no campo dos costumes e da moral, é importante haver pressão social e que autoridades competentes, como o TSE, investiguem se essas crianças exploradas em falas e vídeos eleitorais estão sendo respeitadas, tiveram autorização judicial para o uso de suas imagens e não foram identificadas em situações de vulnerabilidade e estigmatização. “É um dever de todos nós, inclusive nas eleições, garantir que crianças sejam efetivamente protegidas, pelas denúncias e responsabilização de seus violentadores e daqueles que omitiram socorro”, pontua.
O que deve ser feito para proteger as crianças?
Hartung explica que não existe “prostituição infantil” ou “meninas bonitas de 14 e 15 anos” que “se arrumam para ganhar a vida”: o que existe é a exploração sexual de crianças e adolescentes, pois não têm consciência e discernimento de escolha. O diretor também diz que o ato sexual com pessoas menores de 14 anos é considerado estupro presumido, ou seja, “sempre é um estupro e independe da manifestação de vontade por parte da criança ou adolescente”.
Ana Claudia Cifali, coordenadora jurídica do Instituto Alana, também lembra o ECA, que diz que todos nós temos obrigação de denunciar quando tomamos conhecimento de violação de direitos da criança, sendo uma responsabilidade ainda maior quando falamos de uma autoridade pública.
Nesse sentido, a educação sexual, além do papel na prevenção de abusos enquanto “educação para autoproteção de crianças e adolescentes, ensinando ferramentas psicológicas de cuidado, de denúncia e de proteção que podem ser utilizadas para pedir ajuda e socorro e buscar responsabilização dos perpetradores de violência”, também promove “uma cultura, desde cedo, de respeito e não violência, impedindo comportamentos culturais advindos do machismo e da cultura do desrespeito ao consentimento”, finaliza Hartung.
No documentário “Um crime entre nós” (2020) – filme dirigido por Adriana Yañez, com idealização e produção da Maria Farinha Filmes e dos Institutos Liberta e Alana – são investigados os motivos que colocam o Brasil em segundo lugar entre os países com maior número de ocorrências de exploração sexual infantil, segundo a organização internacional The Freedom Fund, e como questões de gênero, classe e raça marcam a realidade da violência sexual contra crianças e adolescentes em nosso país. Caso você suspeite que alguma criança ou adolescente esteja sofrendo violência física, moral ou sexual, é possível denunciar anonimamente pelo Disque 100.
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