Com nove anos de idade, vítima de racismo e passando por um doloroso processo de luto devido à perda do pai, Rita de Cássia foi a responsável por fazer com que a escola fosse um ambiente mais acolhedor para o pequeno Leandro Roque de Oliveira. Na época, as histórias em quadrinhos foram o caminho para que Leandro não se tornasse mais um jovem negro entre as estatísticas de evasão escolar. Hoje, conhecido pela maioria do público como Emicida, o artista fala que a dedicação de Rita com os gibis no seu processo de aprendizado permitiu que sua trajetória como estudante não fosse interrompida tão cedo.
“Quando você tem a oportunidade de oferecer uma educação que está de fato comprometida com o antirracismo, é uma maneira de a gente chegar antes do trauma na vida das pessoas e fazer com que elas se descubram como força, não como feridas”, Emicida no Festival LED, em julho.
No Brasil, o Dia do Professor é celebrado em 15 de outubro, data que se tornou um feriado escolar e que homenageia os mais de 2,5 milhões de educadores do país. A maioria atua na educação básica: são 2,2 milhões de profissionais, segundo o Censo Escolar 2020. Os professores são profissionais que nos acompanham desde a primeira infância, e alguns marcam para sempre a vida dos estudantes, assim como Rita marcou a história de Emicida.
Para celebrar este dia, o Lunetas selecionou sete ações, projetos e iniciativas inspiradoras realizadas por educadores ao redor do Brasil, mostrando que a educação pode ser emancipadora, criativa, afetuosa, respeitosa e alinhada à construção de um país melhor.
Dia do Professor: educadores que inspiram
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1. Amazônia: um laboratório natural
Quando se fala em “desemparedamento”, qual a primeira coisa que vem à cabeça? Descentralizar a educação das quatro paredes e realizar atividades educativas ao ar livre é uma ideia que ganha cada vez mais adeptos. Mas, e se esse desemparedamento acontecesse no “quintal” dos alunos de Barreirinha (AM): as árvores e rios da Floresta Amazônica?
Devido à falta de laboratório na Escola Professora Maria Belém, o biólogo Jonailson Jordão Xisto começou a levar os alunos para o meio da floresta a fim de desenvolver atividades e experiências em campo, aumentando a conscientização sobre a necessidade de cuidar da biodiversidade e usar metodologias de ensino criativas e que fazem sentido para o território dos alunos
Além do laboratório, o professor também coordena o projeto “Reutilizar para conservar”, realizado na Escola Estadual Antônio Belchior Cabral, também em Barreirinha. O projeto é voltado à conscientização ambiental sobre o lixo descartado em lugares inapropriados: os estudantes confeccionaram lixeiras de garrafa PET e colocaram em pontos estratégicos para que a comunidade e os turistas façam o descarte correto do lixo, com ênfase na região da Praia da Freguesia, local bastante visado pelo turismo.
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2. Clube de leitura ‘Black Girls’
Estudantes pretas e pardas são a maioria na Escola Estadual Luiz Campo Dall’Orto Sobrinho, em Sumaré (SP). Com poucas referências positivas de mulheres negras durante a trajetória escolar, muitas não continuam os estudos após o ensino médio, se casam precocemente ou partem direto para o mercado de trabalho. Para apresentar um mundo rico de referências positivas e outras possibilidades de estar no mundo, o Clube de Leitura “Black Girls” nasceu para empoderar e estimular a construção de futuros para meninas e adolescentes negras a partir da literatura.
Com orientação da professora Eliana Cristo, o clube realiza rodas de leitura, oficinas de escrita, produção audiovisual, eventos virtuais e conversas com escritoras negras, como Bianca Santana e Cidinha da Silva. A iniciativa também premia mensalmente os três alunos que mais leram livros de escritoras e escritores negros.
“A literatura tem esse papel importante: pode ser uma ferramenta para incentivar meninas negras a continuarem estudando, buscando referências no universo da leitura, escrita e usar a própria voz como ferramenta de libertação”
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3. Afroativos
Os corredores da Escola Municipal de Ensino Fundamental Saint’Hilaire, no bairro Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre (RS), ganharam novos rostos e informações: quem passa por eles descobre quando o jornalista Luís Gama nasceu, conhece artesãs negras produtoras de bonecas e acessa lugares dedicados à memória afro-brasileira e africana nas ruas de Porto Alegre. O calendário Afroativos é um dos projetos da educadora Larisse Moraes para “afrobetizar” as crianças e manter a memória negra viva no cotidiano dos estudantes.
“Afrobetizem, descolonizem e libertem-se”
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4. Um novo olhar para a história da África
“O que você associa à África?” foi o primeiro questionamento que o educador Dionysius Mattos fez para os alunos no início de uma aula de história, em uma escola estadual de Porto Alegre. Em dois meses, as percepções negativas ou que mostravam desconhecimento sobre o continente deram espaço para que palavras como “orixás”, “iorubá’, “Magreb”, “ouro” e “bantu” passassem a ser associadas à África com naturalidade. Como o educador diz, “professor não faz milagre”, e é um dever de todos se comprometer com uma educação antirracista, que vá além dos estereótipos preconceituosos destilados sobre o continente africano e do perigo de uma história única.
“É papel de todas as pessoas que querem ver essa transformação buscar aprender sobre o tema”
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5. Máquina de Raio X da Igualdade
Com uma série de atividades iniciadas para falar sobre Nelson Mandela, os alunos começaram a se questionar sobre o porquê do “Vovô Madiba”, como foi apelidado pelos pequenos, ter lutado por igualdade e liberdade. Para mostrar que nós somos todos iguais, a educadora Marina Gomes Bittencourt desenvolveu a “máquina de raio-x da igualdade”, em que os alunos de quatro a seis anos podem ver que, mesmo sendo diferentes por fora, por dentro compartilham muitas semelhanças no esqueleto.
“Que elas levem essa aprendizagem para a vida toda e repassem às demais pessoas do seu convívio”
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6. Música para o desfralde
Abandonar as fraldas não é um processo fácil para todas as crianças: a transição para os penicos e vasos sanitários deve ser feita com paciência e respeito ao tempo de cada um. Para auxiliar os pequenos nesse momento de transição, o educador Eliton Rufino Seára criou a música “Bye bye fralda”, em que um violão embala frases encorajadoras para o processo de desfralde.
“Eu aprendi, no banheiro vou fazer cocô e xixi!”
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7. Trabalhando as emoções com monstros
Falar sobre sentimentos pode ser uma tarefa difícil para pessoas de todas as idades, mas a literatura é uma grande aliada no processo. Após conhecer o livro “Tenho monstros na barriga”, de Tonia Casarin, a educadora Izabel Soares de Souza passou a desenvolver atividades para incentivar as crianças a falarem sobre suas emoções, apresentando a cada semana dois monstrinhos do livro para cada tipo de sentimento.
“Eles perceberam que alguém se interessava pelos problemas deles”
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