Manaus, a quente e úmida capital do Amazonas, apesar de estar no meio da floresta, é cercada por concreto, com prédios e indústrias espalhados em suas cinco zonas. Muito diferente do imaginário popular e do senso comum, que pensa que por aqui há verde por todos os lados, a cidade com mais de 2 milhões de habitantes tem apenas 22% da área urbana arborizada.
A natureza ainda se faz presente em alguns parques (como a Reserva Florestal Adolpho Ducke, o Parque do Mindu e o Bosque da Ciência), nos lagos e igarapés ao redor da cidade (onde estão localizados os restaurantes flutuantes) e em volta de alguns condomínios residenciais de classe média alta, onde o verde foi preservado. Infelizmente, Manaus é a cidade onde não há árvores em suas ruas.
Para as crianças, essa realidade é vivida, desde cedo, mas de maneiras variadas. Seja sem perceber, de forma natural ou incentivadas pelos pais, são elas que parecem ter maior consciência da preservação ambiental, da crise climática, do perigo das queimadas na Amazônia e se preocupam em manter contato com a natureza, mesmo em uma cidade sem verde.
Quando as crianças encontram a Amazônia
O pequeno Bento, 9, é o típico “curumim urbano” manauara. Ele mora com sua família em um condomínio de Manaus, com pouco acesso à área verde, mas vive o sentimento de pertencimento à Amazônia e a vontade de protegê-la. Não raro, passa os finais de semana em Novo Airão (localizado na área metropolitana de Manaus), onde nada nos rios, vê os botos, macacos, onças e diz “gostar desse ambiente bonito, legal e relaxante”.
Antenado, lamenta sobre as queimadas e o desmatamento, e avalia que a ganância trará o fim da floresta. Bento, do alto de sua experiência de vida (de menos de uma década), revela que quer plantar árvores para, no futuro, a floresta não morrer.
“Não joguem lixo nas ruas e plantem porque é legal ter mais árvores!”
Maria Izabel, 6, mora em Manaus, em um condomínio residencial cercado por uma vasta área verde. Quando questionada se conhece a floresta e onde ela fica, a resposta é direta: “Aqui ao lado”. Simples. Para preservar a floresta, a pequena lança a solução perfeita, mas tão negligenciada pelos adultos.
“Basta não desmatar e não queimar!”
Moradora do bairro Mauazinho, localizado no extremo leste de Manaus, Mayane, 10, vê o Rio Amazonas de sua janela. A tal floresta, que a maioria das crianças de Manaus apenas conhece pela mídia ou por um passeio no entorno da cidade, ela tem como quintal. “Pela manhã, vejo da minha janela os passarinhos cantando. Vejo também o encontro das águas, com sua beleza natural”, diz. A menina, falante por natureza, aconselha as pessoas a preservar a natureza, não jogar lixo nos rios e lagoas, não promover queimadas e não matar as árvores.
“Temos que preservar a Amazônia, é cheia de belezas. É o lugar da gente, moramos nela e não devemos machucá-la”
Desmatamento acelerado e impacto às infâncias
A floresta com a qual essas crianças urbanas têm contato está localizada em um Estado onde os índices de desmatamento são alarmantes. O Amazonas ocupa o 3º lugar no ranking de alertas de desmatamento por quilômetro quadrado, com 2.955 km² atingidos. Em primeiro lugar está o Pará (9.364,00 km² de áreas desmatadas), seguido pelo Mato Grosso (3.469,00 km²).
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre julho de 2019 e julho de 2020, o desmatamento da Amazônia aumentou 34,5%. Ao todo, foram 9.205 km² desmatados, o equivalente a uma área de 1,1 milhão de campos de futebol.
O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), responsável pela região metropolitana de Manaus, aponta que somente no ano passado foram aplicados pouco mais de R$ 585 mil em autos de infração e embargados 15.085 hectares de áreas urbanas.
Em Manaus, a especulação imobiliária se apossa de terras públicas a preços irrisórios para depois lucrar em condomínios de alto padrão. A invasão urbana reflete a total ausência de uma política estatal para construção de moradias populares com mais áreas verdes.
Segundo o geógrafo e ambientalista, Carlos Durigan, conselheiro da agência Amazônia Real e diretor da WCS Brasil, o que falta na gestão urbana de Manaus é a construção de espaços de participação da sociedade nos processos decisórios que envolvem o planejamento urbano, para que a cidade não seja gerida somente sob a influência de grupos com interesses econômicos restritos, mas para todas as classes sociais. “Temos ótimas universidades e centros de pesquisa, além de uma sociedade civil qualificada em muitos aspectos socioambientais, então por que não usarmos nosso potencial para de fato construir uma cidade em bases sustentáveis?”, questiona.
O geógrafo avalia que Manaus, apesar de poucas árvores na área urbana, é uma cidade com localização privilegiada por estar em uma das mais conservadas regiões da Amazônia. Entretanto, pondera que a cidade tem sofrido um abalo na última década. Para ele, quando Manaus “atravessou o rio” com a construção da ponte sobre Rio Negro, facilitou o acesso a áreas que antes eram apenas ocupadas por comunidades locais, mas hoje tornaram-se extensões da cidade.
“Esse processo de metropolização é duro. Destrói a floresta e o modo de vida”, lamenta.
Carlos constata que no lugar dos moradores terem orgulho de viver em uma região tão conservada, impera o sentimento de uma cidade que cresceu e se expandiu por bolsões e, num período entre 40 e 50 anos, cresceu quase dez vezes em termos de população.
“Manaus é insalubre do ponto de vista da falta de vegetação, apesar de ainda ter grandes fragmentos florestais”, analisa.
Essa insalubridade, segundo o pesquisador, acontece por uma junção de fatores: poluição do ar e das águas, redução da cobertura vegetal nos limites da cidade e as queimadas. Crianças estão entre as mais afetadas pelos quadros de seca e poluição causadas pelas queimadas e pela intensa industrialização, principalmente durante o desenvolvimento fetal e os primeiros anos de vida, agravando o risco de morte fetal e mortalidade infantil. “Crianças com alergias respiratórias, rinite alérgica, asma ou bronquite, quando respiram ar poluído com fumaça, têm seus sintomas agravados e muitas vezes precisam recorrer a serviços de saúde para inalação e tratamento”, explica.
Ele completa que, além das reações à fumaça, existem substâncias tóxicas provenientes da queima de combustíveis, como carvão, dióxido de enxofre (que pode causar problemas cardiovasculares) e monóxido de carbono (em altas concentrações, pode intoxicar gravemente levando uma pessoa a óbito).
“A cobertura vegetal saudável e a redução de emissões poderiam ajudar a reduzir o quadro grave em que nos encontramos”, constata.
O caminho para consciência ambiental passa pela educação
O professor e historiador Otoni Mesquita, que tem inúmeros trabalhos voltados à arquitetura de Manaus, avalia que a prioridade em construir condomínios parte de um sistema frágil que se mantém perante algumas políticas do Brasil atual, mas passam também pela ausência de sensibilidade da população e falta de educação ambiental. “Falta abordar o assunto nas escolas, e falta às famílias o vínculo com a natureza. Precisamos destacar a Amazônia como patrimônio fundamental. Às vezes, [a questão da preservação] está em um programa específico a ser discutido, em uma lição de casa, mas as pessoas não circulam, não vivem e não assimilam a importância do assunto. Falam sobre o verde, mas de maneira alienada”, defende.
A educação ambiental, uma abordagem mais afetuosa em relação ao meio ambiente, e a sensibilização sobre a importância da natureza são primordiais para mudar esse quadro, de acordo com Carlos Durigan. “Sou otimista em achar que nem tudo está perdido e, apesar da crise da pandemia, da crise climática e do desmatamento, isso ainda pode ser revertido com trabalho coordenado”, avalia.
O especialista destaca que para a educação ambiental ser efetiva é necessário interagir tanto com crianças quanto com adultos. Ele explica que, em geral, as crianças são mais propensas a naturalmente aceitarem argumentos sobre a necessidade de cuidarmos da natureza mas, sem a educação ambiental necessária e sob a influência de adultos insensíveis a estas questões, tendem a assimilar novas posturas.
“Por isso, é muito importante buscar formas de sensibilizar todas as gerações, mesmo que muitas vezes isso pareça tão difícil”, lamenta. “Por um lado, vemos novas gerações surgindo com uma consciência forte e com um espírito mais engajado em causas sociais e ambientais, por outro, convivemos ainda com um pensamento comum bastante retrógrado e negacionista, que minimiza os problemas que vivemos simplesmente dando as costas a eles. Entendo que este problema não acontece somente em Manaus, mas em todo o mundo.”
“O modo de vida das grandes cidades baseado no individualismo e no consumismo nos têm levado ao cenário em que estamos hoje”, conclui.
A educação ambiental é trabalhada nos ensinos fundamental e médio, por meio da sensibilização dos estudantes, nas escolas da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), no Amazonas. Thelma de Oliveira, responsável pela Coordenação de Educação Ambiental da Seduc-AM, explica que a educação ambiental é abordada no dia a dia dos alunos e também por meio de projetos e ações entre parceiros, proporcionando aos estudantes a conexão com temas socioambientais e que os levem para dentro de casa, atuando de forma direta na sensibilização de toda a comunidade escolar e buscando minimizar os impactos ambientais identificados nas proximidades da escola.
Um estudo realizado pelo Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em 2013, fez um levantamento por imagens de satélite, considerando toda cobertura vegetal da cidade. Os pesquisadores afirmam que o índice de 22% é considerado baixo e o volume insuficiente de árvores pode trazer consequências para a saúde da população. Pela capital ser quente e úmida, os pesquisadores apontam que o índice ideal de arborização da área urbana de Manaus seria entre 35% e 40%, além de haver necessidade de um planejamento urbano para plantio que gerasse maior distribuição das áreas com árvores na capital.