“Jogos que estimulam a competitividade e a luta contra o tempo roubam da criança o espaço para pensar, fantasiar e criar suas próprias histórias”, defende o pediatra Tadeu Fernando Fernandes, coordenador da Sociedade Brasileira de Pediatria, referindo-se ao hiperestímulo dos brinquedos ‘prontos’, que não possibilitam à criança nenhuma forma de interação ou criação, impondo ao ato de brincar uma fórmula unilateral, que mais exclui a criança do que a convida para ativar a imaginação e participar.
Porém, é inegável que, mesmo expostas a recursos que não incentivam seu potencial inventivo, as crianças são insuperáveis no quesito de imaginar coisas que ainda não existem, combiná-las como a realidade e assim ampliar o mundo muito além do que permitiria a razão sozinha. Com essa ideia em mente, a Faber-Castell acaba de lançar o aplicativo “Floresta sem Fim”, que transforma a realidade aumentada em uma brincadeira para as crianças, transformando o lápis de cor dos pequenos em um animal que ‘ganha vida’ nas telas. O projeto reforça o valor da imaginação como um modo de dar vida e movimento às ideias e aproximar os pequenos da reflexão sobre consciência ambiental e preservação das espécies.
É com a imaginação que os pequenos atribuem sentido às coisas que aprendem, sentem e observam. Todo e qualquer estímulo recebido pelas crianças passa pelo crivo dessa ferramenta tão frágil à passagem do tempo, e da qual nos desvencilhamos enquanto crescemos, quase imperceptivelmente.
Mas, afinal, se a imaginação é tão imprescindível quanto passageira, como prolongar ao máximo a experiência que os pequenos terão com ela? E, mais importante ainda, como fazer com que ela seja compreendida na sociedade em todo o seu valor?
Diante de todas essas potenciais ameaças da pós-modernidade para o crescimento sensível da criança, nada melhor do que entender quais os benefícios que o ato de imaginar, fantasiar e inventar outros mundos podem trazer para o desenvolvimento infantil. O hiperestímulo da sociedade pós-moderna afeta a imaginação dos pequenos? A criatividade e a fantasia são espécies em extinção? Chegar mais perto das possíveis respostas a esses questionamentos pode levar a uma infância mais leve e conectada com sua essência.
Por isso, o Lunetas, junto com a Faber-Castell, conversou com o pediatra Tadeu Fernando Fernandes, coordenador da Sociedade Brasileira de Pediatria, para saber quais os parâmetros médicos para mensurar o impacto do contato com a fantasia para a criança. Para ele, a imaginação impacta diretamente da qualidade da criatividade, e contribui para o desenvolvimento cognitivo, principalmente no que diz respeito à capacidade de resolver problemas. Confira a entrevista:
- Lunetas – De que forma o ato de imaginar, usar a criatividade e libertar a fantasia pode beneficiar a criança?
Tadeu Fernandes – Está cientificamente comprovado que crianças que praticam a fantasia da imaginação, desenvolvendo situações com seus brinquedos lúdicos, possuem maior criatividade, documentado por um melhor desempenho quando solicitadas a criar uma história – seja no modo escrito ou falado. As crianças precisam dividir o espaço, já que não podemos ir contra a onda eletrônica, tendo tempo para sua atividades virtuais/eletrônicas, mas também precisam de um período sem estímulos externos, para que possam usar sua imaginação e criatividade.
- Lunetas – Pode parecer redundante querer estimular algo que é inerente à criança. Mas como podemos incentivar a criança a se conectar com o mundo da fantasia?
Tadeu Fernandes – A imaginação estimula a criatividade, influencia o desenvolvimento cognitivo, e contribui principalmente para a resolução de problemas. O mundo da fantasia é inato da criança, mas nos tempos modernos os formatos prontos predominam. Estudos mostram que aquelas que dedicam maior tempo ao mundo da fantasia se destacam principalmente no quesito criatividade.
- Lunetas -Brinquedos prontos e os estímulos demasiadamente complexos que as crianças recebem diariamente influenciam nesse processo?
Tadeu Fernandes – Sim, os formatos prontos e jogos que estimulam a competitividade e a luta contra o tempo roubam da criança o espaço para pensar, fantasiar e criar suas próprias histórias.
- Lunetas – Há pais que preenchem quase 100% do tempo livre dos filhos com atividades extracurriculares, como cursos de idioma, por exemplo. Como o hiperestímulo prejudica o desenvolvimento da infância?
Tadeu Fernandes – É o tema do ócio criativo, as crianças estão sem tempo ocioso para se encontrar. Esse é um dos fatores que lota os consultórios de psicólogos e psiquiatras infantis. Ansiedade e depressão – doenças de adultos – agora estão presentes na vida das crianças pela luta contra o tempo, objetivos e metas, a disputa por ser o melhor. Obviamente, teremos um vencedor e um monte de perdedores, que evoluirão para ansiedade e depressão.
- Lunetas – O estímulo à imaginação requer um cenário específico, certo? Ou seja, tempo livre, liberdade de ser, silêncio, espaço?
Tadeu Fernandes – Sim, não basta falarmos para criança ‘vá para o seu quarto e fique lá criando, imaginando e pensando’. O ambiente precisa ser lúdico e precisa dos pais para participar desse aprendizado, não dando receitas prontas, mas dicas, caminhos e atalhos para o ócio criativo.
*Este conteúdo foi produzido pelo extinto Catraquinha em fevereiro de 2017, em parceria com a Faber Castell. Em maio de 2018, o Catraquinha migrou para o Lunetas.