“Parem de falar e façam alguma coisa!”, pede a menina Laila, de Barbados. Ela, junto de crianças de mais 12 países, contam como suas vidas mudaram por causa de eventos climáticos. Os depoimentos fazem parte do filme “O que importa”, que está sendo apresentado na COP28. A Conferência do Clima da ONU é a principal reunião entre líderes mundiais para discutir ações de combate à crise climática, e, este ano, acontece em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (de 30 de novembro a 12 de dezembro).
Entre enchentes, ondas de calor e queimadas, todos sofrem os impactos. No entanto, as crianças são as mais afetadas, segundo dados do Unicef. São 1 bilhão de meninas e meninos, quase metade da população infantil do mundo, que vivem hoje em locais expostos a riscos climáticos intensos, especialmente no Sul Global. O menino Raoni, do povo Borari, de Alter do Chão (PA), que representa o Brasil no filme, diz: “Se vocês continuarem queimando, a gente vai morrer nesse calor.” De acordo com uma pesquisa do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), 7 em cada 10 brasileiros já foram atingidos por algum evento climático.
Embora sejam a população mais vulnerável à crise do clima, as crianças não participam de agendas nem das negociações da COP. Portanto, o que fazer para que suas vozes ecoem? E como levar em conta as ideias de quem ainda tem uma vida inteira pela frente, mas herdou uma crise pela qual não é responsável?
“Façam algo enquanto podem” – Yehansa, Austrália
Por isso, crianças, jovens e adultos se organizaram para um ato nesta terça-feira, 5, em Dubai, para sensibilizar os líderes globais para as suas demandas e pedir por uma COP mais centrada nas crianças.
Nesse dia, Francisco Vera, 14, ativista colombiano nomeado pelo Unicef como o primeiro jovem defensor do meio ambiente e da ação climática para a América Latina e o Caribe, lembrou como “a emergência climática é uma crise dos direitos das crianças e dos adolescentes”. Assim, ele, que esteve à frente o movimento, leu o “Manifesto por uma COP das crianças em 2025”, que será no Brasil. Entre as propostas do documento estão:
- Incluir as necessidades das crianças diante da crise climática
- Escuta, participação e liderança de crianças na COP
- Formação, geração de conhecimento e comunicação
- Educação climática baseada na natureza
- Justiça intergeracional na ambição climática
Além disso, no manifesto, as crianças reforçam o pedido de estarem nos espaços de decisões. “Chegou o momento de reconhecer e incluir as vozes das crianças na COP, respondendo a suas dores, principalmente às dos mais vulnerabilizados: meninas, crianças pretas, quilombolas, ribeirinhas, periféricas e crianças com deficiências”, diz o texto.
“Já somos pobres e, se as alterações climáticas continuarem, estaremos realmente em apuros” – Lova, Madagascar
Com 13 anos, a ativista climática de Madagascar, Lova, também participou do ato na COP28. Foi a primeira vez que ela esteve em uma conferência com líderes mundiais. Em um dos vídeos do projeto “O que importa”, a menina dá o recado. “Precisamos unir nossas forças paraproteger a Terra, porque só assim vamos conseguir nos salvar.”
Nos vídeos, as crianças cobram ações efetivas e soluções imediatas. Além disso, propõem questionamentos aos adultos que conduzem as principais decisões ambientais do mundo, e que afetam diretamente a vida dessa geração. “Se a gente tivesse começado muito tempo atrás não precisaríamos de tanto dinheiro agora”, diz Albaraa, do Egito. Já Alima, dos Estados Unidos, faz um importante desabafo. “Eu tenho uma vida inteira pela frente e quero vivê-la sem efeitos colaterais”.
“As crianças deveriam ter o direito de falar e formar suas próprias ideias” – Serene, Malásia
Nesse sentido, ativistas e ambientalistas defendem que a conferência amplie os lugares para a nova geração. “Uma COP das Crianças seria uma resposta importante do mundo para garantir os direitos delas frente à crise climática, com reflexo nos compromissos de países, especialmente do Brasil,rumo à COP30”, diz JP Amaral, gerente de Natureza do Instituto Alana. Para ele, “crianças e adolescentes já contribuem ativamente em ações climáticas e precisamos ouvi-las e incluí-las nas decisões globais”.
Por isso, está em construção um Plano de Ação para as Crianças, que traça objetivos em áreas prioritárias e promove o conhecimento para uma “ação climática sensível a meninas e meninos”, como explica Amaral. Esse plano leva em conta os direitos das crianças e suas vozes por meio da participação igualitária na COP. “A ideia é alinhar a busca de soluções para a crise climática ao trabalho do Comitê dos Direitos da Criança da ONU, com base no Comentário Geral 26, que trata sobre os direitos da criança e o meio ambiente, com foco especial nas mudanças climáticas”, diz.
Outros objetivos do Plano de Ação para as Crianças são:
- Participação e liderança das crianças em todos os processos
- Espaços adequados para as crianças na COP
- Ações climáticas sensíveis às crianças, priorizando a defesa de seus direitos
- Criação e monitoramento de medidas concretas para as crianças afetadas
Rumo à #COPdasCrianças em 2025
Ano passado, a COP27, no Egito, teve resultados significativos com a campanha #KidsFirst. Isso porque as crianças foram citadas de forma expressiva nas negociações e também na decisão central da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), que discute a emergência climática e fecha acordos para frear o aumento da temperatura do planeta. Contudo, segundo alerta o Instituto Alana, em mais de 30 anos de UNFCCC, nunca houve uma decisão no âmbito da COP ligada diretamente à proteção de crianças e adolescentes. Além disso, atualmente, apenas 2,4% dos principais fundos climáticos apoiam programas que contemplam meninas e meninos. Por isso, a proposta do Alana e outras organizações parceiras para a COP28 é mudar essa realidade e começar a construção de uma COP que seja inclusiva para as crianças.
* “Você acha que os adultos estão fazendo o suficiente para ajudar a resolver os problemas das mudanças climáticas”? A partir dessa pergunta, crianças e adolescentes ao redor do mundo expressam “O que importa” (“The Important Stuff”, em inglês), numa série de filmes produzidos pelo Unicef e Instituto Alana, em parceria com Fundação Bernard van Leer e Fbiz. Os depoimentos foram captados em 12 países – Austrália, Barbados, Cazaquistão, Egito, Emirados Árabes, Estados Unidos, Kiribati, Madagascar, Malásia, Paquistão, Sérvia e Somália. No Brasil, houve filmagens no Jardim Pantanal, bairro do extremo leste de São Paulo, e em Alter do Chão, no Pará.