Agência Brasil

Após seis anos da tragédia de Brumadinho (MG), que despejou 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mineração em área natural da cidade, crianças apresentam metais pesados nos exames de urina.

Arquivo Projeto Bruminha

O Projeto Bruminha, parte do Projeto Saúde Brumadinho, do Ministério da Saúde, monitora os impactos da tragédia na primeira infância. Profissionais acompanham os índices de desenvolvimento das crianças da região após o acidente.

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Crianças são as mais afetadas seis anos após tragédia de Brumadinho

Imagem mostra uma família atingida pela tragédia de Brumadinho. Em close, uma mulher e duas crianças, dois meninos negros olhando para a câmera.

Para as crianças de Brumadinho (MG), explorar o mundo com os sentidos do toque, cheiro e sabores pode representar um risco. Tudo porque a água, o solo e até a poeira da cidade ainda têm traços de contaminação após seis anos do rompimento da barragem na mina Córrego do Feijão. O acidente despejou 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos com metais pesados na região.

Cercada pela mineração, Brumadinho ainda sofre impactos diretos dessa tragédia, que deixou 270 pessoas mortas e contaminou a maior parte da vegetação nativa. Nesse cenário, meninos e meninas que nasceram depois do acidente tiveram uma primeira infância inteira comprometida.

Conforme um relatório divulgado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 100% das crianças de 0 a 6 anos da região apresentaram taxa de detecção de metais pesados na urina, entre eles, arsênio, chumbo e mercúrio. O estudo faz parte do Projeto Saúde Brumadinho, encomendado pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde. A Vale, empresa responsabilizada pela manutenção da barragem, afirmou que ainda “irá avaliar, detalhadamente, os resultados desta pesquisa.”

Enquanto isso, as famílias levaram um susto com os resultados. “Apareceu muito metal pesado no exame dela (…) demais mesmo (…) e depois disso ela não fez tratamento nenhum”, relembra Valdeci de Freitas Rodrigues, avó de Kimberly, que participou do estudo quando tinha cinco anos.

Para Carmen Asmus, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Projeto Bruminha, que monitora os impactos dessas tragédias na primeira infância, a presença desses metais no corpo das crianças só pode vir “de fora”, pois eles não são produzidos pelo corpo humano.

“Uma coisa que a gente já aprendeu sobre os desastres é que eles têm um efeito imediato, mas também têm um efeito a médio e longo prazo”, explica. Neste caso, a preocupação maior é com as crianças pequenas (de dois a seis anos), que apresentam taxas de absorção de metais maiores por conta de seu volume corporal.

Quais os riscos do contato com metais pesados?

O estudo monitorou as taxas de cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo e manganês em crianças, adolescentes e adultos para entender de que forma isso pode comprometer a saúde local. O manganês, por exemplo, foi um metal de alta incidência no solo nos dias após o desastre.

“Ao contrário dos outros quatro metais, o manganês é necessário no organismo, mas é lesivo quando está em excesso”, explica Carmen Asmur. De acordo com os estudos toxicológicos, o excesso desse metal está ligado à incidência de Parkinson e outras doenças neurodegenerativas.

O relatório do Ministério da Saúde de 2024 intitulado: “Metais Pesados, Câncer e os Riscos Ambientais”, classifica o  cádmio, arsênio, mercúrio e chumbo como prejudiciais para o corpo humano, podendo causar doenças, como diabete, aterosclerose, doenças neurológicas ou cardiovasculares e até câncer.

Outra queixa frequente das famílias expostas são os problemas respiratórios. “Vira e mexe ela [Kimberly] reclama que o nariz tá sangrando, de dor de cabeça e muita dor nas pernas”, conta Valdeci.

Carmen explica que esse tipo de relato é comum em áreas nas quais a poeira do ar contém toxicidades. Além disso, o relatório indica que as queixas relacionadas a problemas respiratórios têm relação com a atividade de mineração.

“As crianças que vivem na área mais exposta à poeira, naquelas três localidades próximas da atividade de mineração e do desastre, têm uma chance até três vezes maior de desenvolver um problema respiratório.”

Todas as crianças tinham também, nas amostras de urina, chumbo e mercúrio. Na visão dos pesquisadores, mesmo que apenas 6,8% delas estejam com a dosagem de chumbo acima dos valores de referência, isso já é um alerta.

Contudo, a pesquisadora explica que a detecção é diferente da intoxicação. Ou seja,seguindo os parâmetros de desenvolvimento infantil, não é possível concluir que essas crianças estão intoxicadas porque isso depende de uma avaliação a longo prazo. Do mesmo modo, depende do acompanhamento de uma equipe de saúde multidisciplinar, capacitada no contexto de atividades de mineração.

Famílias percebem os efeitos no desenvolvimento das crianças

Para a avó de Kimberly, hoje com 9 anos, as queixas da neta não são normais. “Se ela anda de bicicleta, dá umas três voltinhas e vai sentar. Então, bebe uma água e fica sentada até melhorar as pernas”, relata. A avó percebeu que a menina apresentou mudanças de comportamento, como, por exemplo, cansaço excessivo, dor nas pernas, dores na cabeça e indisposição para as tarefas diárias.

Agora, a avó não sabe o que fazer e como agir com tantas informações e avaliações soltas, sem um diagnóstico ou tratamento. Ao mesmo tempo, Carmen Asmus explica que só um acompanhamento multidisciplinar das equipes do SUS conseguiria diagnosticar o caso e apontar os próximos passos para as famílias.

A pesquisadora confirma que há distorções consistentes nas avaliações de neurodesenvolvimento das crianças atingidas. Embora no período de 2021 a 2023 apareça uma melhora em função do retorno das aulas presenciais pós-pandemia, o índice foi mais avançado entre as crianças que vivem distantes das áreas afetadas.

“Esse resultado não significa que haja um atraso, mas que tem maior número de falhas”, alerta Carmen. Ela sugere que essa diferença acontece porque a rotina de insegurança ainda ronda a vida dessas crianças.

Qual a hipótese para a contaminação? 

Conforme as pesquisas, a maior chance de contaminação é justamente na hora de brincar, quando as crianças exploram o ambiente. “A criança (…) tem que descobrir o mundo, ela põe a mão em tudo e põe a mão na boca”, diz Carmen Asmus. 
Apesar disso, o relatório indica a necessidade de saber a origem da contaminação e de ter orientações para a prevenção. “Você tem que investigar qual a fonte de exposição. É a água? A poeira?”, questiona a pesquisadora. Ela ressalta que não é possível afirmar que a contaminação teve, necessariamente, origem na tragédia de Brumadinho. Isso porque, no Brasil, não há um índice de base para medir esses metais no corpo e referências de quanto eram as taxas antes do ocorrido. “Nós não conseguimos estabelecer uma associação com o desastre, pois não sabemos quais eram essas concentrações e taxas antes disso. Ninguém nunca avaliou”, explica. Por isso, segundo ela, a importância de monitorar a detecção desses metais preventivamente. 
Mesmo assim, os números apontam a relação entre os altos índices de metais pesados nas crianças e o retorno da mineração em Brumadinho. O arsênio, por exemplo, aparece desde a primeira medição. Entretanto, a concentração aumentou 15% entre 2021 e 2023. O fato coincidiu com a volta dos trabalhos nas minas da região.

Mais vigilância e protocolos para cuidar da saúde das crianças

Para Guilherme Camponez, liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), “os resultados [do estudo da Fiocruz] são chocantes, mas não surpreendem”. Ele diz que a pesquisa confirma a denúncia que famílias têm feito ao movimento sobre o contato com rejeitos da barragem desde o rompimento.

Por isso, o MAB defende que haja um protocolo de saúde que atenda as demandas da população atingida. Essas ações precisam envolver órgãos como o Ministério Público e a Secretaria Estadual de Saúde, para exigir equipes especializadas e equipamentos públicos adequados. “Hoje, o SUS não está preparado para receber essa população”, declara Guilherme.

Além dos protocolos de saúde, é necessário um protocolo de monitoramento, como defende o engenheiro geotécnico e capitão da reserva do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, Léo Farah. Ele atuou nas operações de resgate em Brumadinho e explica que essas estratégias podem minimizar a contaminação durante desastres como este. “Todos precisam passar por um corredor de descontaminação”, diz.

Uma das ações de monitoramento inclui exames de sangue antes, durante e nos anos seguintes, para detectar os níveis de metais. “Para as equipes de resgate, o que sei é que foram feitos somente dois testes de sangue – pelo menos comigo -, e eu nunca recebi os resultados”, conta o capitão.

Na mesma linha, Carmen Asmus defende que haja investimentos em ações intersetoriais, como entre as secretarias de saúde e do meio ambiente, nas esferas municipais, estaduais e federais. Segundo a pesquisadora, os diálogos sistematizados possibilitariam a criação de um sistema de atendimento integrado, “que pense em todo o contexto do desenvolvimento dessas crianças”. Ela aponta, ainda, ações para aumentar a vigilância no ambiente, com amostragens da poeira e da água.

O que está sendo feito?

Segundo o Governo de Minas Gerais, dos quase 200 projetos para reparação da região atingida, que envolvem 23 municípios, 139 já iniciaram. No fim de janeiro, o governo lançou uma cartilha com detalhes do que já foi entregue nesses seis anos.

No entanto, o Movimento dos Atingidos por Barragens ressalta que a Vale precisa cumprir o que foi prometido no acordo de reparação, realizado em 2021. Entre as ações, o movimento espera a entrega da primeira etapa de um estudo com cinco fases, que indicará os riscos ecológicos e à saúde humana para os afetados. “A Vale não terminou nem o processo de limpeza do rio”, enfatiza Guilherme Camponez, liderança do MAB.

Em nota, a Vale afirmou que “realizou uma extensa investigação nos sedimentos e solos na Bacia do Paraopeba, para avaliar possíveis impactos por conta do rompimento da Barragem B1 em 2019, em Brumadinho”. Segundo a nota, a empresa afirma que “os resultados de mais de 400 amostras e 6 mil análises não apresentaram concentrações de elementos potencialmente tóxicos acima dos limites estabelecidos.”

*Colaborou com esta reportagem Camilla Hoshino

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