Escolas têm sofrido com a escalada do ódio “num fenômeno complexo para o qual contribuem diferentes fatores, mas que reflete a violência que estrutura e permeia a nossa sociedade como um todo. O ambiente escolar pode terminar por reproduzir essas violências, mas pode também ser o alvo”, afirma Gustavo Paiva, analista de relações governamentais no Instituto Alana. Nem sempre a violência no ambiente escolar é física, como o aumento expressivo de ataques a escolas – são sete ocorrências desde o começo de 2023. Existe também uma violência que vem em atos de racismo, sexismo e/ou LGBTfobia, dentro e fora da sala de aula.
Para a psicóloga Patrícia Santos, “alguns tipos de violência, como o racismo, são estruturais e vão muito além dos muros da escola”. Segundo ela, construir uma escola colaborativa envolve mostrar aos pais e responsáveis que eles também são agentes importantes para possíveis transformações.
“Todos devem ser parceiros na construção não só de um ambiente de aprendizagem mais saudável, mas na elaboração de uma sociedade melhor para seus filhos e que seus filhos sejam pessoas melhores para o mundo.”
“A escola não é uma ilha. Permeada pelo racismo, muitas vezes ela contribui para sua perpetuação ao adotar currículos e práticas pedagógicas que não se propõem a educar para as relações étnico-raciais”, acrescenta Paiva. Além disso, “crianças e adolescentes, dado o seu desenvolvimento psíquico e social, podem ser mais suscetíveis a cair nas armadilhas dos discursos extremistas e de violência”.
Como pais e responsáveis podem participar do dia a dia da escola?
“É fundamental que mães, pais e responsáveis sejam envolvidos em projetos que visem fortalecer o vínculo com a escola. Cada território apresenta desafios específicos e as soluções devem ser construídas a partir de recursos e possibilidades daquela própria comunidade”, traz Gabriel Maia Salgado, coordenador de educação no Instituto Alana.
Para Paiva, o primeiro passo para essa troca é “conhecer o currículo, saber quem são os professores e demais profissionais da escola, acompanhar e supervisionar tarefas e outras atividades desenvolvidas fora da escola, conversar com a criança sobre como foi o dia de aula etc.”.
Mari Borga, mãe de dois alunos da escola e presidente do conselho da Emei Monteiro Lobato, concorda que o caminho seja “se organizar mais como comunidade quando esses ataques acontecem na nossa e em outras escolas em vez de ficar com medo. A escola é mais segura quando a comunidade é mais ativa”, diz. Para ela, a motivação das pichações está relacionada ao fato de a escola ser “pública, diversa, com pessoas pretas, e estar num espaço que, em teoria, é reservado para uma elite branca e higienista”. Isso porque colégios particulares na região fazem barulho, mas não sofrem ameaças.
O que está sendo feito nas escolas?
“Toda escola precisa ter um projeto político-pedagógico, que é o documento orientador da gestão às rotinas pedagógicas, e que é refeito a cada ano. No caso das escolas públicas, essa construção deveria ser participativa, envolvendo pais e estudantes”, conta Paiva. Ele também cita as associações de pais e mestres, que permitem às famílias “terem uma atuação mais próxima da gestão escolar e colaborarem para um diálogo permanente”.
Cláudia Rosa de Oliveira, assistente de direção da Emei, conta que a escola trabalha com um projeto político-pedagógico antirracista que prevê “práticas de musicalidade e corporalidade, relacionadas à questão da brasilidade”. Lá, os alunos usam tambores, tocam músicas de ritmos africanos e indígenas em atividades do dia a dia.
Ela compartilha que a escola tomou providências legais, como registrar um boletim de ocorrência, acionar a diretoria regional da educação e o comitê de combate à violência escolar. Além disso, solicitaram à delegacia as imagens do prédio da frente da escola para abertura de inquérito. Um ato de repúdio foi realizado nesta quinta-feira (22) na escola, com pais e pessoas da comunidade escolar.
“Com as investigações em curso, ainda não sabemos se as pichações são de autoria de integrantes da comunidade escolar ou não. De toda forma, elas são mais uma das muitas manifestações do racismo, que é uma violência fundante e constitutiva da sociedade brasileira e atravessa todas as nossas instituições e o nosso cotidiano”, acrescenta Paiva.
Como combater a violência dentro e fora da sala de aula?
Salgado dá alguns exemplos:
- Promoção de práticas de primeiros-socorros psicológicos e construção coletiva de protocolos de reação a riscos;
- Projetos de justiça restaurativa e de fortalecimento curricular para educar para a solidariedadeor uma educação solidária;
- Fortalecimento de políticas de combate à violência e promoção da gestão democrática e participação jovem;
- Fortalecer a participação e o protagonismo dos estudantes para que o direito à educação se efetive de forma integral, inclusiva e democrática;
- Contar com uma coordenação federal e o compromisso de toda a sociedade com essas demandas.
Paiva lembra que “a apuração criminal do fato cabe às autoridades policiais, mas o autor das pichações possivelmente cometeu crime de racismo”. O especialista reforça que, independentemente de quem for o autor das pichações, “é fundamental que esta escola não se exima dessa responsabilidade e assuma o papel da mediação pedagógica, propondo conteúdos relevantes sobre o tema, e promovendo a reflexão crítica e o debate junto a toda a comunidade escolar. Afinal, todos foram expostos a essa violência, mesmo que ela tenha acontecido fora dos muros da escola”.
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Uma série de pichações racistas foram pintadas em postes ao redor da Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Monteiro Lobato, em Higienópolis, no centro da capital paulista. Com desenhos de alto-falantes com indicações de “proibido”, havia frases como “pedagogia da violência”, “escola sem educação, escola sem respeito, escola sem noção” e “macaco”.