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‘Uma educação para que e pra quem?’

Imagem de uma professora loira usando óculos mostra uma prancheta em frente ao celular que grava uma aula online

Enquanto governantes, secretários de educação e suas equipes decidem quando será o retorno às aulas presenciais, a falta de acesso à educação de qualidade é evidenciada de maneira ainda mais preocupante em meio à pandemia. Além do perigo de contaminação por Covid-19, lidamos, de norte a sul do país, com a não compreensão do que é ciência e do que é boato. Vivemos um tempo de compartilhamento desenfreado de notícias falsas que também impactam o debate sobre qual é a educação que queremos.

A princípio, todos defendem a educação. Porém, de qual educação estamos falando? Qual é seu sentido para cada brasileiro ou brasileira? Estudar para passar em uma prova? Ter o conhecimento técnico para exercer alguma atividade? Ou será que educação é pensar caminhos para uma sociedade plena no exercício de seus direitos fundamentais? 

Nós, educadores do Rio Grande do Norte e de São Paulo, convidamos cada leitor e leitora a pensarmos juntos, de maneira complexa e corajosa, sobre estas perguntas. 

Uma educação transformadora pode e deve provocar estudantes a refletirem sobre sua identidade e seu lugar no mundo.

Em uma sociedade que teve mais de 300 anos de escravização e com índices de desigualdade gritantes, crianças, jovens e adultos educandos precisam se reconhecer em diálogo com as histórias e os territórios em que vivem para, assim, poder transformá-los, seja num contexto de pandemia, seja na volta à suposta normalidade.

Dados de uma recente pesquisa da Central Única das Favelas (Cufa) em parceria com o Instituto Locomotiva e a Unesco Brasil ressaltam a importância de uma reflexão educacional em permanente conexão com a história e com as condições sociais presentes. O levantamento revelou que, neste período de pandemia, faltou dinheiro para comprar alimentos para 40% das pessoas negras brasileiras e que apenas 30% da população negra tinham algum tipo de reserva financeira antes do isolamento social. Então, como debater os desafios do processo de ensino e aprendizagem sem levar em consideração que milhões de pessoas não estão conseguindo se alimentar?  

A pesquisa traz, também, que 94% dos entrevistados afirmaram que negros têm mais chance de serem violentados ou mortos pela polícia. Como discutir uma educação com sentido se o direito à vida não é assegurado para a maior parcela da população brasileira, composta de pretos e pardos?

Somado a isso, é necessário também superar desafios que atravessam o trabalho docente em todo o Brasil. Professores e professoras, como nós, têm sido limitados e até mesmo perseguidos por proporem debates críticos como este a seus estudantes. Em nome de uma suposta neutralidade, o debate educativo dentro das escolas tem sido restrito direta e indiretamente.

Além da coerção direta, a precarização do trabalho dos professores impõe uma visão simplista e tecnicista, promovendo a desvalorização não só de disciplinas que estimulam o pensamento crítico, mas também aquelas que discutem o pensamento humano em si. Trabalhamos em duas ou três escolas ao mesmo tempo. Somos consumidos por burocracias mesmo em meio à pandemia e buscamos, individualmente, atender da melhor maneira possível cerca de 700 estudantes.

Vemos colegas profissionais da educação expressando desilusão, angústia e doenças psicológicas como depressão. Se, por um lado, economizamos tempo de deslocamento na pandemia, por outro, vemos o acirramento das desigualdades com a falta de condições e direitos básicos para muitos educadores e estudantes, além de jornadas exaustivas de aulas, reuniões e atividades extracurriculares. Nos reconhecemos no desespero de nossos colegas professores e professoras e acreditamos na importância de uma educação transformadora a ser construída com nossos estudantes. 

Pensar os sentidos para esta educação envolve defender a importância da experiência de ensino e aprendizagem além das aulas diárias e que possam efetivar uma educação integral aos alunos e alunas. 

Lutamos por uma educação em que o estudante saia da escola ao final de suas aulas, mas que a escola não saia do estudante.

Que a escola siga durante o restante do dia fazendo sentido para a sua vida, suas relações, suas atividades de lazer e seu estar no mundo. 

É necessário aprofundar o trabalho educativo – principalmente em contexto de pandemia e de crise sanitária -, sobre o mundo que vivemos e sobre as relações humanas. Será que a educação proposta hoje é efetiva e alcança o objetivo de transformar a sociedade em um lugar melhor? Para educar e sermos educados precisamos, obviamente, estar vivos. E viver plenamente pressupõe o acesso aos direitos sociais garantidos pela nossa Constituição. Para isso, acreditamos em uma educação que estimule estudantes e suas famílias a construírem conosco uma sociedade próspera, consciente e igualitária.

*Wesley Pedroza, de São Gonçalo Amarante (RN), e Raphael Gimenes, de São Paulo (SP), são professores do ensino público e premiados em edições do Desafio Criativos da Escola, com o projetos Missão Galo e Visão do Rap, respectivamente.

**Este texto é de exclusiva responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Lunetas.

Criativos da Escola

Movimento que encoraja crianças e jovens a transformarem suas realidades, reconhecendo-os como protagonistas de suas próprias histórias de mudança. Programa do Instituto Alana, a iniciativa faz parte do Design for Change, movimento global presente em 65 países, inspirando mais de 2,2 milhões de crianças e jovens ao redor do mundo.

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