Você já ouviu uma criança hoje? Você já parou para verdadeiramente escutar, com atenção e dedicação, o que a criança com qual convive tem para dizer ou contar?
Vivemos tempos turbulentos, nos quais temos maltratado as comunicações cotidianas, pressionadas pelos tempos corridos ou pelas palavras cortantes, estamos desacostumados de uma importante e milenar arte, base para qualquer relação ou comunicação dialógica: a arte da escuta.
E as crianças tem sofrido igualmente por isso. Ao invés de perguntas sobre suas opiniões e percepções acerca dos acontecimentos dos mundos, interiores e exteriores, entregamos esse tempo de encontro ao monólogo silencioso das máquinas e telas, que apesar de tentarem emular uma conversa, falta-lhes a qualidade das emoções e sentimentos.
Pesquisas recentes da neurociência expõem a necessidade do vínculo sócio-afetivo constante e interativo para o desenvolvimento amplo e sadio do cérebro durante a primeira infância, base para a aquisição de inúmeras habilidades cognitivas e emocionais, inclusive a própria linguagem.
Uma pesquisa impressionante da Universidade de Washington apontou que a aprendizagem da linguagem necessita de um contexto de interação social, apontando que bebês não aprendem os fonemas de uma língua quando expostas a um mesmo conteúdo transmitido por telas.
Ou seja, não há como desenvolver linguagem, sem a interação dialógica com outro ser humano; e não há diálogo se não há escuta!
Ouvir uma criança, mais do que um ato humano essencial e necessário, é um direito dela para que possa se desenvolver de forma plena e integral e, ainda, para que possa emitir suas opiniões de maneira livre e autônoma sobre qualquer decisão que lhe diga respeito, seja dentro da família ou nas mais complexas políticas públicas de um Estado.
Não é por acaso que esse direito está expresso no artigo 12 da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU –
(Organização das Nações Unidas), o tratado internacional mais assinado em todo o mundo.
Contudo, escutar uma criança não é algo trivial ou procedimental; exige práticas e exercícios diários para reconhecer, dentre os emaranhados de sons, os timbres mais vívidos e singulares que habitam em cada criança. Somente os ouvidos mecânicos que temos, mostram-se insuficientes.
Fazem-se necessários novos, que ouçam verdadeira e poeticamente. Ouvidos sensíveis para falas igualmente sensíveis; frágeis cristais que ao menor dos toques podem romper o encanto das falas criativas e pensamentos aventurosos.
Assim, que possamos praticar essa arte esquecida e dar espaço e tempo para as múltiplas falas infantis, superando esse entendimento adultocêntrico equivocado de que crianças não possuem voz, são in-fantes.
Escutar crianças e considerar suas vozes é talvez um dos exercícios mais democráticos ao permitir o encontro com o diverso no sentir, no pensar e no falar, como nos lembra Janusz Korczak, que certa vez iluminou que alguém:
“Não deve se abaixar até a criança, mas elevar-se a ela, e ao seu modo de ver e compreender as coisas”
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Artigo 12
1. Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e maturidade da criança.