Dividir igualmente entre homens e mulheres as atividades relacionadas à educação dos filhos e da casa parece ser um desafio global. O relatório anual “Situação da Paternidade no Mundo 2019”, publicado recentemente pela organização sem fins lucrativos Promundo, aponta que, por mais que 85% dos pais afirmem estar dispostos a se envolverem de forma mais ativa nas primeiras semanas e meses de cuidado de uma criança recém-nascida ou adotada, a maior parte da responsabilidade ainda recai sobre as mulheres. Entre as barreiras que impedem o equilíbrio está a desvalorização do cuidado e do trabalho doméstico não remunerados.
Além dos estereótipos construídos socialmente e que reforçam a ideia de que as mulheres são “mais capazes” do que os homens de cuidar das crianças, o documento sinaliza ausência de suporte governamental suficiente e de políticas públicas que garantam segurança financeira nas famílias para enfrentar essa realidade. Globalmente, as mulheres passam mais tempo (até dez vezes mais) em trabalho não remunerado, voluntário e doméstico. Também são as mulheres que somam mais horas em trabalho não remunerado e remunerado juntos.
Até o momento, nenhum país do mundo conseguiu atingir a igualdade no trabalho de cuidado não remunerado entre homens e mulheres. A análise de uso de tempo a partir de dados coletados em mais 40 países pelo relatório indica que esta balança poderia ser mais justa se os homens se dedicassem pelo menos 50 minutos a mais por dia nos cuidados, e as mulheres 50 minutos a menos.
“O fato de que mulheres e meninas em todo o mundo realizam a grande maioria deste trabalho está no cerne da desigualdade de gênero”, alerta o relatório.
Licença-paternidade no mundo
Mudar esse cenário exige mais do que boa vontade por parte de homens e mulheres. Outra barreira na promoção de igualdade é a falta de licença-paternidade adequada, junto com o baixo uso da licença quando disponível.
Nos sete países de renda média e alta, em que a pesquisa foi realizada, mais de 65% das mulheres afirmam que as mães teriam melhor saúde física e mais de 72% afirmam que teriam melhor saúde mental se os pais tirassem pelo menos duas semanas de licença-paternidade. Apesar disso, menos da metade (48%) dos países no mundo oferece licença-paternidade paga. Quando a política é garantida, ela é geralmente inferior a três semanas ou de apenas alguns dias.
A insegurança financeira das famílias também influencia o envolvimento dos homens no cuidado, o que acaba se tornando uma razão para não usufruir da licença parental, conforme garante até 76% das mães (Reino Unido) e 59% dos pais (Canadá) dos sete países de renda média e alta pesquisados. Fatores como conflitos, guerras e instabilidade política também se apresentam como grandes desafios para o cuidado.
No Brasil, todos os pais empregados com carteira assinada têm o direito à licença-paternidade de cinco dias. Essa licença pode ser estendida para 20 dias nos casos em que a empresa está inscrita no Programa Empresa Cidadã. O Lunetas esclarece dez dúvidas em relação à licença-paternidade no país, em entrevista com a advogada e professora de Direito do Trabalho, Paula Cozero.
Alimentar, trocar fralda e dar banho nas crianças ainda são tarefas de cuidado associadas às mulheres por parte significativa dos participantes das pesquisas realizadas pela Promundo e parceiros, em todas as regiões do mundo. A ideia de “competência” também assombra a realidade parental: no Canadá, Holanda, Japão e Reino Unida, o homens confiam muito mais em suas parceiras do que o contrário.
“Quando os pais assumirem uma parte igualitária do trabalho de cuidado, isso acelerará o progresso para esta geração e para a próxima, ajudando suas/seus filhas/os a apoiarem a equidade de gênero e a quebrarem estereótipos”, garante o estudo.
Recomendações
O relatório “Situação da Paternidade no Mundo 2019” convida todos os países e a sociedade civil a se comprometer com ações que apoiem a participação ampliada dos homens no trabalho de cuidado não remunerado. Garantias de extrema importância e urgência são: educação e creches acessíveis, salários dignos e licença-parental igualitária, totalmente paga e intransferível. Ao todo, o documento apresenta cinco recomendações para preencher a lacuna do cuidado não remunerado:
- Melhorar leis e políticas;
- Transformar normas sociais de gênero;
- Construir segurança física e econômica para famílias;
- Ajudar casais e cuidadores a prosperar coletivamente;
- Colocar o cuidado individual dos pais em ação.
Além do documento, a campanha Mencare lança o Compromisso Homens Cuidam, com o objetivo de orientar os pais e facilitar a construção de um cenário em que homens possam assumir 50% dessas funções até 2030. As pessoas podem se engajar nas discussões online sobre o tema usando #WorldsFathers.
“Não estamos apenas convocando pais a exercerem pequenos gestos que demonstram igualdade. Também não se trata de celebrar algumas poucas conquistas que os homens já deveriam estar fazendo. Estamos buscando igualdade plena. É preciso transformar o mundo ao redor dos indivíduos para que se acredite que o cuidado importa e que ele precisa ser igualmente compartilhado” (tradução nossa), diz o texto do relatório.
Por isso, tanto governos quanto empregadores têm papel na criação de políticas que apoiem pais e mães, cuidadores e famílias, em toda a sua diversidade, a prosperarem. Valorizar o trabalho não remunerado é uma tarefa coletiva.
“É preciso transformar o mundo ao redor dos indivíduos para que se acredite que o cuidado importa e que ele precisa ser igualmente compartilhado”
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“Situação da Paternidade no Mundo 2019”
O State of the World’s Fathers, produzido pela ONG Promundo, é um relatório e uma plataforma de advocacy mundialmente reconhecidos e que visam mudar as estruturas de poder, políticas e normas sociais em torno do trabalho de cuidado e promover a igualdade de gênero. O documento foi lançado no dia 05 de junho na Conferência Women Deliver 2019, em Vancouver, Canadá, em um evento coorganizado pela Promundo e pela Dove Men+Care.
O relatório revela novos dados de pesquisas realizadas pela Dove Men+Care, da Unilever, em sete países (Argentina, Brasil, Canadá, Japão, Holanda, Reino Unido e EUA) e com a ONG Plan International Canadá, em quatro países, a partir de entrevistas e questionários conduzidos com cerca de 12.000 pessoas. “Situação da Paternidade no Mundo 2019” também inclui uma análise de dados da Pesquisa Internacional sobre Homens e Equidade de Gênero entre mais de 30 países.