Experenciar o racismo nem sempre está atrelado a uma vivência concreta. Parece complexo, mas na verdade esta lógica está mais integrada ao nosso dia a dia do que imaginamos. Isso porque o preconceito está tão enraizado na sociedade que, para uma pessoa negra, a discriminação social e racial chega mesmo quando o agressor não verbaliza ou concretiza a intolerância.
O paulista Helio Gomes é negro e pai de uma menina branca, de cabelos claros e olhos azuis, e vive essa questão na pele. Em um texto publicado no site Paizinho, vírgula, intitulado “Preto, pai de branca“, ele conta como se sente naturalmente discriminado quando circula em público com a filha, pelo simples fato de os dois terem a cor da pele diferente.
Segundo ele, o preconceito é intrínseco à mentalidade das pessoas, e fica visível quando ouve que sua filha linda, e que não entendem como ele pode ser o pai.
O relato parte de uma situação banal: um pai passeando com a filha em uma livraria. Tudo muda quando a pequena começa a chamar pela mãe, que não está ali. Até aí, nada extraordinário, apenas uma criança verbalizando o que sabe.
Porém, pelo fato de o pai em questão ser negro, o racismo se concretiza pelos olhares receosos que Helio recebe dos que estão em volta.
“O pai, cujo sling está pendurado no corpo e mochila do bebê, com seu documento de identificação, está em seus ombros, só sabe pensar em uma coisa: Dirão que estou sequestrando essa criança branca de olhos azuis.”
O texto acende diversos pontos fundamentais quando o assunto é refletir sobre o racismo e como ele se materializa em situações cotidianas. E, principalmente, reforça um ponto crucial na reflexão sobre o preconceito: se queremos uma sociedade igualitária, o racismo é, sim, problema das famílias brancas também, como afirmou a ativista Luciana Bento em entrevista ao Lunetas.
Leia alguns trechos:
“Poderíamos falar aqui sobre as dificuldades de um pai, que tenta derrubar o pensamento machista de que só mulheres devem cuidar das crias. Mas, temos que exponenciar essa questão. Somar a esta dificuldade o medo de sair com a sua própria filha apenas por ela ter a cor de sua pele diferente da dele.”
“Quando estamos apenas minha filha e eu, corro o risco de ser abordado, julgado (antes de qualquer tentativa de explicação) e condenado (pelo mesmo júri popular que mata um preto que roubou algum celular na praia de Copacabana)”
“Como você agiria vendo uma criança ser sequestrada na sua frente? Agora me diz qual a chance de que não me confundam com um sequestrador de crianças, sendo o cara que está estereotipado no inconsciente popular como a figura do delinquente marginal, carregando uma “linda menina, com cara de boneca”, chamando pela mãe por simplesmente estar testando suas novas skills de comunicação?”
“Muitos dos que pregam diversidade têm seus filhos fechados em uma escola, que mesmo que tenha uma orientação pedagógica dita humanizada, não possuem alunos negros ou pobres. Isso não é mostrar e/ou vivenciar a diversidade. Precisamos urgentemente entender isso. Precisamos entender que para dialogar com a diversidade é necessário primeiro retirar o debate de círculos elitizados.
Para ler o depoimento completo, acesse o Paizinho, vírgula.