Você sabia que a governança climática é um conceito fundamental para compreender nosso passado, presente e futuro? Ela nos desafia a estender nosso olhar, sobretudo, das próximas gerações. O mergulho nesse tema nos ajuda a aterrissar na discussão e desvendar uma série de outros assuntos interligados como educação, democracia e cidadania climática.
Para isso, é crucial saber o que realmente significa a governança climática – na teoria e na prática. Segundo um dos episódios da série de podcasts “Revoar”, a governança climática é indispensável “para entendermos a política climática na vida real e como as decisões são tomadas na prática”. Para ilustrar, o programa exemplificou o sistema de governança climática que existe há alguns anos, mas que infelizmente está distante de funcionar bem.
As principais razões são a falta de transparência, baixa participação social e centralização da tomada de decisão. É justamente na interconexão desses pontos que localizamos um nó: há um verdadeiro desequilíbrio entre quem participa e quem deveria participar das principais decisões. Não é nenhuma surpresa que as nossas crianças e adolescentes sejam historicamente invisibilizados nesse tabuleiro de poder.
Para esclarecer essa “teia” tão importante quando pensamos em caminhos e soluções para privilegiar uma educação que promova a preservação do meio ambiente, o Lunetas convidou o Paulo Moutinho, ecologista e cofundador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM Amazônia), para uma conversa sobre governança climática. Associado ao Woodwell Climate Research Center, nos Estados Unidos, Moutinho é um dos poucos cientistas do Brasil que traz ativamente a pauta da participação da infância e juventude como peça-chave para alavancar a governança climática.
Confira a entrevista com Paulo Moutinho!
Lunetas – Por que a governança climática é fundamental para entendermos a cidadania climática, ambos conceitos ainda um pouco nebulosos até para ambientalistas?
Paulo Moutinho – Há uma fragmentação de informações e há também informações desencontradas sobre o debate histórico em volta da mudança do clima, em que houve uma evolução de acordos e convergências políticas acompanhadas de um aumento de informação, principalmente científica sobre o problema. Ao longo da história esses acordos, decisões e arranjos de governança vêm sendo feitos com parte de informações científicas do processo. Isso é uma característica muito específica da Convenção do Clima da ONU, por exemplo. Você tem o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), grupo de cientistas que monitora as mudanças climáticas, suas implicações e riscos, e tem o pessoal tomando as decisões. Esse caminhar paralelo entre política e ciência é um dos grandes problemas, pois, as informações e os resultados dessas decisões chegam na sociedade de uma maneira muito confusa. E, além de confusa, muito dinâmica também, porque é uma coisa que vai mudando rapidamente e você não consegue acompanhar.
A governança climática nos provoca a pensar transparência e participação social nas decisões. Nesse sentido, você sempre traz a pauta da inclusão de crianças e adolescentes para o protagonismo decisório. Como essa inclusão pode se dar?
PM – Inclusão é fundamental, especialmente de crianças e adolescentes. Mas essa participação tem sido conseguida à força, porque, literalmente, não há nem o espaço tradicional, por exemplo, para povos indígenas ou para os movimentos ambientalistas. Você tem hoje, talvez puxado por esse movimento que a Greta Thunberg e outros jovens vêm fazendo, individualmente falando, um processo de pressão e de abertura de oportunidades.
“Quando os jovens não são incluídos, temos uma consequência desastrosa: ao não informar, é criada uma falta de percepção positiva do futuro”
Então, aquilo que deveria ser inclusivo para preparar as próximas gerações para debater o problema de mudança do clima, a crise de biodiversidade, de direitos, por exemplo, não acontece. Se o assunto é muito complexo, ninguém (você, eu, as crianças, os jovens) vai conseguir contribuir a contento. Portanto há o discurso “deixa com a gente, a gente entende e depois vamos achar a melhor opção”. Só que a realidade mostra que os líderes mundiais têm tomado as piores decisões até agora.
Em linhas gerais, afinal, o que significa cidadania climática na teoria e na prática? Como foram os caminhos e inquietações que te levaram a criar esse conceito?
PM –.O que temos feito no IPAM é construir essa ideia de cidadania climática baseada na participação de grupos fundamentais, como crianças e adolescentes. Estamos há três décadas discutindo a questão climática e só temos insucessos no processo. Embora haja muita informação acumulada, temos uma crise enorme de oportunidades para acessar essas informações. A gente trabalha aumentando a quantidade de informações empilhadas em livros, mas sem mecanismos que permitam o acesso a essas informações de uma maneira inclusiva. E quem mais sofre com isso são as crianças e os jovens porque não há formatação para que eles tenham acesso.
A educação climática pode ser um instrumento de política pública, pois quando abordada com profundidade, pode gerar mudanças culturais e na política do cotidiano. O que (ainda) falta para alavancarmos uma educação ambiental de impacto no Brasil?
PM – O que falta é uma política de acesso estratégico à informação acumulada. Não é só uma política de geração de informação, mas de acesso. Também precisamos parar de dizer que a crise climática é uma coisa impossível de se resolver, catastrófica… que as crianças de hoje não terão filhos porque o mundo vai acabar. Falta trazer pro quintal infantil, o que elas podem fazer. A criança precisa sentir que aquilo que ela faz, mesmo que seja uma criança de 10 anos – vai ser escutada, vista e resultará em ações concretas. Seja do ponto de vista de educação ambiental, seja plantando uma árvore para entender que a absorção de carbono é importante para o clima. Essas ações estão esquecidas porque dependem de estratégias e políticas públicas. Não é simplesmente jogar a mudança climática no currículo de educação ambiental, nem essa história de “ser transversal a todas as matérias.” Precisamos de algo específico nas escolas, públicas e particulares.
“Precisamos encantar os jovens e as crianças para debater o tema e trazer esperança e engajamento em relação ao futuro”
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