“Não pode dar muito colo, vai ficar mimado”, “tem que cobrir a cabeça, recém-nascido sente muito frio”, “acho que seu leite é fraco, não está sustentando esse bebê”, “tem que dar um irmãozinho para ele”, “não deixa essa criança dormir na sua cama, ela nunca mais vai querer sair”, “nossa, esse menino está muito manhoso, vocês precisam ser mais rigorosos”. Quem tem filhos sabe que, logo que o bebê nasce – e, muitas vezes, até mesmo antes – chegam aos montes também os palpites na criação dos filhos.
Disfarçados de conselhos fofos ditos pela tia querida que só quer ajudar ou escancarados na boca de um completo desconhecido, a educação dos filhos geralmente é atravessada por muitos palpites. Pouca gente gosta e a maioria tenta desviar de tantas dicas, mas tem também pais que buscam aprender com quem está sempre pronto para dar um conselho não solicitado. Mas será que palpite é sempre uma coisa negativa a ser evitada ou pode ser construtivo?
“Antigamente, quando o núcleo familiar era muito presente, eram comuns os palpites. Esses comentários, muitas vezes, até ajudavam no cuidado e desenvolvimento da maternidade. Porém, precisamos lembrar que não existe manual de instruções para a criação de filhos e saber filtrar opiniões é fundamental”, pontua a psicóloga Bruna Rodrigues.
Alguns “tem que” podem realmente ser construtivos e bem úteis, como é o caso dos que auxiliam os pais nas questões psicológicas existentes em determinada fase da vida da criança, os que acolhem mostrando que é natural falhar durante o processo, que a cobrança não deve ser excessiva, e que é importante cuidar de si também. No entanto, um comentário negativo, transvestido de conselho, pode afetar os pais. “Eles podem acumular exaustão dentro desse processo e transferir, até de forma inconsciente, irritabilidade, impaciência e estresse aos filhos”, detalha Bruna.
Além disso, dar palpites na criação dos filhos dos outros não é para qualquer um. Segundo a psicóloga, antes de fazer algum comentário para os pais a respeito da criança, é importante analisar o grau de intimidade que tem com eles, em primeiro lugar e, essencialmente, a relevância do assunto. “A pessoa deve se questionar ‘será que os pais ainda não perceberam isso?’, ‘será que, se eu disser isso, vai ajudar em algo?’, ‘será que tenho informações e conhecimento suficientes para ajudar nessa situação?’. E analisar a pertinência desse ‘conselho’ ser apresentado nesse momento: no almoço de família, em um passeio, na frente de pessoas estranhas ou desconhecidas?”, afirma.
Kyara Rebecchi, mãe da Laura, 14, da Marianna, 11, e do Antônio, 7, conta que, no seu caso, os palpites foram providenciais. “Cresci em uma rede de mulheres – avós, mães e tias – e ali aprendi e aprendo muito sobre tudo. Quando tive meus filhos, nunca me senti preocupada com o que eu faria ou como faria, tinha o costume de sempre ouvir. Levei de boa os palpites que recebi quando tive minha primeira filha. Os conselhos me ajudaram muito quando ela precisou tomar antibióticos, no desfralde, quando nasceram os primeiros dentes. Levo tudo como tentativa de ajuda, da pessoa estar compartilhando comigo o que funcionou para ela”, diz.
Comentários inoportunos
No entanto, Kyara conta que já passou por algumas situações complicadas também. “Eu amamentei o Antônio até os quatro anos, imagina o quanto eu ouvi? Inclusive de um pediatra renomado que disse que não tinha mais nada ali no seio, só água. Em outra situação, uma colega na porta da escola falou para ele: ‘Credo, Antônio, que feio, o que sai daí?’ E ele, com três anos, respondeu: sai Coca-Cola, tia”, lembra.
No caso de Daianny Cervi, mãe da Antonella, 5, as interferências externas não foram tão boas. “Frequentemente ouço palpites sobre maternidade, por trabalhar em família e, algumas vezes, minha filha me acompanhar no trabalho. As pessoas sempre comparam com a criação que elas deram para os filhos delas. Mas são outros tempos, outras informações”, afirma. Ela conta que, desde a gravidez, busca ler sobre maternidade e tenta, ao máximo, respeitar a filha em seus processos.
“Eu amamentei minha filha até os dois anos e fui criticada por isso, mas só parei de amamentar quando deixou de ser prazeroso e passou a ser doloroso. Eu permiti que minha filha conduzisse o desfralde no tempo dela. Tudo sempre foi de forma leve, sem pressão. Ela ainda dorme comigo, faço cama compartilhada, e sou criticada por isso, mas não vejo mal nenhum, pois um dia ela vai crescer e não vai querer saber do abraço para dormir, do cheirinho da mamãe e do papai, que ela ama”, diz.
No caso das crianças, ter tantas opiniões diferentes e formas de lidar com determinadas situações não é nada bom. “Precisa existir uma coerência e decisão sobre a forma que será a criação da criança, isso é fundamental para o desenvolvimento da segurança, valores e saúde mental dela”, explica a psicóloga.
Escola e família, palpites à parte
Quando a criança começa a frequentar a escola, abre-se para ela um novo mundo: e é aí que entra em cena também a importante relação que deve existir entre educadores e pais para que as diferentes visões e criações possam ser benéficas a todos.
“Quando pais e professores são parceiros no desenvolvimento do aluno, ambos tendem a lidar com as orientações e observações do outro de forma mais ética e valorizada. Uma parceria família-escola é aquela relação que envolve colaboração, segundo uma estrutura dinâmica, interdependente e igualitária de interação, trabalhando juntos para atingir objetivos comuns e colaborarem nos processos de tomada de decisão”, explica a head de Formação Socioemocional da Camino School, Renata Trefiglio Mendes Gomes.
Segundo ela, informações que levam à resolução de problemas e à definição de estratégias adequadas de intervenção são “palpites construtivos” no ambiente escolar. “Quando o papel da família é valorizado pela escola, os pais não têm apenas oportunidade de dar opinião, mas têm voz e são ouvidos. O oposto também é verdadeiro”, complementa. Interagir com a família apenas quando há algum problema não é o mais recomendado. “O ideal é que haja um sistema de comunicação contínuo, no qual informações sejam trocadas o tempo todo e que todos possam saber o que está acontecendo. Os pais precisam estar em constante contato com os professores, pois só assim será possível alinhar ações eficazes”, emenda a educadora.
Haja filtro!
Saber filtrar o que é um bom conselho é o segredo para lidar com essa questão, seja na escola ou em família. No geral, quanto mais pessoas envolvidas no processo educativo da criança, mais palpites. “Tudo tem seu ônus. Ter uma rede de apoio pode trazer um pacote de coisas desagradáveis, mas o que o outro diz só nos afeta se estamos vulneráveis àquilo. Algumas famílias já possuem questões que antecedem o nascimento dos filhos, e o quanto as opiniões vão afetar os pais é algo a ser trabalhado, muitas vezes, em terapia. Ter a opção de dizer ‘não é preciso’ e não conseguir dizer revela muito sobre nós mesmos”, afirma a psicóloga.
Ouvir com discernimento para compreender o que faz sentido e o que não faz e racionalizar os motivos pelos quais alguns conselhos não serão seguidos, assumindo responsabilidade pelas decisões, são caminhos que podem ajudar os pais a lidarem com os inúmeros palpites que ouvirão durante toda a vida. “Eu ouço as opiniões e vejo as que condizem mais com estilo de vida e ideologia, com o que acredito e defendo”, conta Kyara. A convicção no caminho que escolheu é um direcionamento interessante para quem quer aprender a lidar com os conselhos alheios.
“Eu procuro, constantemente, criar minha filha com amor, pois acredito que os problemas do mundo são por falta dele. Quero que ela cresça e me veja como uma amiga e possa confiar em mim, então sigo sempre meu coração de mãe e não dou ouvidos a nenhuma crítica ou palpite, até porque não pedi”, afirma Daianny.
“É importante ter clareza sobre nossos princípios, sobre as mudanças que desejamos, sobre o total não controle em relação aos ambientes, situações e pessoas, para nos situarmos em relação ao processo de criação das crianças. Fazer uma análise de nós mesmos ajuda a equilibrar expectativas e a naturalizar esse processo. Estamos falando de outro ser que também será dotado de seus desejos, que precisa ser ouvido”, finaliza a psicóloga.
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