O autismo e suas gradações é um assunto que desperta muitas dúvidas. Por demanda dos nossos leitores, preparamos este conteúdo explicando detalhadamente o que é Síndrome de Asperger, como identificá-la, e quais os tratamentos possíveis, além de explicar por que o termo caiu em desuso.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o autismo afeta uma em cada 160 crianças no mundo, no entanto, a facilidade de acesso a uma grande profusão de informações – consequentemente, de fake news – contribui para um excesso de diagnóstico, sobretudo nos primeiros anos de vida, a chamada patologização da infância – para saber mais sobre, leia a reportagem Geração Ritalina: a urgência da desmedicalização da infância.
Tire suas dúvidas sobre o assunto.
O que é Síndrome de Asperger?
A Síndrome de Asperger, também chamado de “autismo de alto funcionamento” ou “autismo inteligente”, é uma gradação do espectro autista. Assim como outros níveis do transtorno, trata-se de uma condição neurológica.
De acordo com Mirian Revers, do Protea (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina), em entrevista à Radio USP, afirma que o conhecimento sobre a condição ainda é muito pequeno. Muitas pessoas, inclusive, são diagnosticadas com a síndrome apenas quando adultas.
Ouça a entrevista abaixo:
A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), que funciona como base para identificar e unificar estatísticas de saúde no mundo inteiro é a principal referência no Brasil e no mundo para acompanhar as principais mudanças no que se refere ao entendimento médico da condição.
Em junho de 2018, a OMS lançou a CID-11 que passa a não reconhecer mais a Síndrome de Asperger como sendo um transtorno único diferente do autismo. A legislação brasileira adota oficialmente a CID-10, que engloba os diferentes graus de autismo como Transtornos Globais do Desenvolvimento, chamados de TGD.
Segundo a OMS, o autismo afeta uma em cada 160 crianças no mundo.
Cunhada pelo médico austríaco Hans Asperger e formalmente incorporada pela AAP (Associação Americana de Psiquiatria) em 1994, atualmente, a Síndrome de Asperger é considerada pelo Manual Diagnostico e Estatístico dos transtornos Mentais (DSM) um transtorno neurobiológico enquadrado dentro dos TEA (Transtorno do Espectro Autista).
Assim, o diagnóstico médico da Síndrome de Asperger passa a ser simplesmente Transtorno do Espectro Autista nível 1. No entanto, tanto clinicamente quanto popularmente, o termo ainda é amplamente utilizado e nomeado como sinônimo de um “autismo leve”, daí o título desta matéria.
Entenda as siglas
- TEA: Transtorno do Espectro Autista (diferentes gradações de autismo);
- SA: Síndrome de Asperger;
- HFA: High Function Autism
- CID: Código Internacional de Doenças. neste site, é possível consultar doenças, transtornos e condições de acordo com seu CID;
- DSM: Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais;
- AAP: Associação Americana de Psiquiatria;
- TGD: Transtornos Globais do Desenvolvimento.
Síndrome de Asperger: como reconhecê-la?
Para além das denominações oficiais, que é de grande importância compreender e acompanhar, é preciso considerar também que cada criança do espectro é totalmente diferente da outra. Ou seja, não existe uma criança autista igual à outra.
Tendo isso em mente, entende-se que o diagnóstico é multifatorial e multidisciplinar, necessitando de acompanhamento de diversos profissionais de saúde, a depender das questões daquela criança em particular – psicólogos, psiquiatras, fonoaudiólogos, psicoterapeutas, entre outros.
De uma forma geral, a Síndrome de Asperger se manifesta a partir de um conjunto de fatores – comportamentais, emocionais e cognitivos. Vale pontuar que o termo “sintoma” não é o mais correto, uma vez que não se trata de uma doença passível de cura, e sim de uma condição neurológica.
Características da Síndrome de Asperger
- Rotinas repetitivas ou rituais;
- Peculiaridades na fala e linguagem, tais como falar de forma;
- Excessivamente formal ou de forma monótona, ou usando literalmente,
figuras de expressão; - Comportamento social e emocional inadequados e a incapacidade de
interagir de forma bem sucedida com os colegas; - Problemas com a comunicação não-verbal, incluindo o uso restrito de
gesticulações, expressões faciais limitadas ou inadequadas ou um
peculiar, olhar fixo; - Falta de jeito e movimentos motores descoordenados;
Manifestações da Síndrome de Asperger
- Interações sociais impróprias ou muito raras;
- Fala repetitiva ou “robótica”. Estereotipias, como a ecolalia, forma de afasia em que o paciente repete mecanicamente palavras ou frases que ouve.
- Habilidades de comunicação não-verbal na média ou abaixo da média, porém, habilidade de comunicação verbal na média ou acima da média;
- Tendência a discutir alto;
- Incapacidade de compreender problemas ou frases que são consideradas “senso comum”;
- Falta de contato visual ou conversação recíproca;
- Obsessão com temas únicos e específicos;
- Conversas unilaterais;
- Movimentos e/ou modos desajeitados.
(Fonte: National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS)/Institute of Health)
Atenção As características acima, quando detectadas isoladamente, não bastam para conclusões diagnósticas. O diagnóstico é multifatorial e deve ser feito considerando as particularidades de cada criança.
Desafios
Aqui, vale ponderar que as crianças diagnosticadas com TEA oferecem sim, desafios aos seus cuidadores, porém, apresentam também uma série de potências muito significativas. Daí a importância de observar atenta e cuidadosamente cada criança individualmente, antes de enquadrá-la de um conjunto de características gerais.
Dentre os pontos fortes das crianças com a condição, estão a facilidade aprofundar conhecimentos e áreas de interesse, a capacidade de processamento visual, comunicação direta e sincera e pensamento independente.
No vídeo abaixo, a psicóloga Mayra Gaiato, especialista em autismo infantil e mestre em Análise do Comportamento, fala sobre o assunto:
Tratamentos
O autismo, independentemente do nível em que se manifesta, não tem cura. Mas tem tratamentos diversos, que funcionam melhor de acordo com as singularidades de cada criança. Existem múltiplas abordagens psicossociais apoiadas em evidências científicas. A participação ativa da família e das pessoas mais próximas da criança é fundamental, uma vez que o melhor aproveitamento das terapias e tratamentos só acontece com algumas mudanças do meio social em que a criança vive.
De acordo com a OMS, tratamentos comportamentais ou programas de treinamento de habilidades podem resultar em progressões satisfatórias. Quaisquer que seja o tratamento escolhido, é preciso considerar que eles devem ser utilizados para alcançar a potência da criança e favorecer ao máximo o seu convívio social e sua percepção de si mesma.
Abaixo, algumas orientações do Instituto Pensi:
- Saiba mais sobre a doença. Há 15 anos, muitos pediatras não conheciam a Síndrome de Asperger/HFA (High Function Autism). Atualmente, existem vários livros e sites dedicados ao assunto. Faça algumas pesquisas para você entender melhor os desafios do seu filho e a extensão dos serviços que podem lhe ajudar em seu ambiente escolar e estadual.
- Saiba mais sobre seu filho. Os sinais e sintomas da Síndrome de Asperger/HFA variam de criança para criança, e crianças mais novas têm dificuldade em explicar seus comportamentos e desafios. Mas, com tempo e paciência, você vai aprender quais ambientes e situações podem causar problemas para o seu filho e quais estratégias de trabalho aplicar. Manter um diário e procurar padrões podem ajudar.
- Encontre uma equipe de profissionais de confiança. Você precisará tomar decisões importantes sobre educação e tratamento de seu filho. Encontre uma equipe de professores e terapeutas que possam ajudar a avaliar as opções em suas áreas e explicar os regulamentos federais em relação a crianças com deficiência.
- Ajude outras pessoas a ajudarem o seu filho. A maioria das crianças portadoras da Síndrome de Asperger/HFA não tem nenhum sinal visível de deficiência, então você pode precisar de explicadores atenciosos, parentes e outros adultos para ajudar com as necessidades especiais de seu filho. Caso contrário, um explicador bem-intencionado pode gastar tempo dando aulas para seu filho “olhando para ele enquanto ele está falando” — o que pode ser muito difícil para uma criança com Síndrome de Asperger/HFA.
- Ajude seu filho a transformar sua obsessão em uma paixão. A tendência de se fixar num assunto minucioso específico é uma das características da Síndrome de Asperger/HFA, e pode ser importuno para aqueles que devem ouvir falar sobre o assunto constantemente, diariamente. Porém um interesse maior também pode conectar uma criança com Síndrome de Asperger/HFA aos trabalhos escolares e atividades sociais. Em alguns casos, as crianças com Síndrome de Asperger podem transformar seus deslumbramentos de infância em uma carreira ou profissão.
Onde buscar informação?
Uma busca pelo termo “Síndrome de Asperger” no Google traz mais de 4 milhões de resultados, considerando apenas páginas em português. Diante de todo esse arsenal, pululam milhões de informações falsas que agregam ainda mais medo e ansiedade nas famílias que precisam lidar com a condição. Pensando nisso, reunimos abaixo alguns materais de referência confiável.
- Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5 (2013);
- Classificação Internacional de Doenças da OMS;Manual para Síndrome de Asperger do Instituto Pensi;
- Organização Pan-Americana da Saúde/ Organização Mundial da Saúde;
- Reab – Primeiro portal brasileiro especializado em Reabilitação, que busca fundamentar e favorecer a prática clínica de profissionais da área;
- Autism Speak (disponível em vários idiomas, incluindo o Português).
Informações importantes
- Uma em cada 160 crianças tem Transtorno do Espectro Autista (TEA);
- Os transtornos do espectro autista começam na infância e tendem a persistir na adolescência e na idade adulta;
- Embora algumas pessoas com transtorno do espectro autista possam viver de forma independente, outras têm graves incapacidades e necessitam de cuidados e apoio ao longo da vida;
- As intervenções psicossociais baseadas em evidências, como o tratamento comportamental e os programas de treinamento de habilidades para os pais, podem reduzir as dificuldades de comunicação e comportamento social, com impacto positivo no bem-estar e qualidade de vida das pessoas com TEA e seus cuidadores;
- As intervenções para as pessoas com transtorno do espectro autista precisam ser acompanhadas por ações mais amplas, tornando ambientes físicos, sociais e atitudinais mais acessíveis, inclusivos e de apoio;
- Em todo o mundo, as pessoas com transtorno do espectro autista são frequentemente sujeitas à estigmatização, discriminação e violações de direitos humanos. Globalmente, o acesso aos serviços e apoio para essas pessoas é inadequado.
(Fonte: OMS Brasil, atualizada em abril de 2017)
Leia também:
A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, frequentemente designada pela sigla CID (em inglês: International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems – ICD) fornece códigos relativos à classificação de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças.