Evidências científicas apontam que a natureza é importante para o desenvolvimento infantil em todos os seus aspectos: intelectual, emocional, social, espiritual e físico. A natureza educa.
Ao que parece, o contato com a natureza na infância (assim como em todas as outras etapas da vida) pode reduzir significativamente os sintomas de Transtorno do Deficit de Atenção e Hiperatividade.
“Os pediatras estão entre os profissionais de saúde mais abertos à ideia de atividades na natureza como uma forma de terapia e prevenção de problemas de saúde. Eles estão começando a “prescrever” a natureza”, comentou Richard Louv em entrevista ao Lunetas. Ativista, autor de nove livros, e fundador da Children & Nature Network, Louv cunhou o termo ” transtorno de deficit de natureza”, se referindo aos impactos negativos causados pela vida distante de meios mais naturais.
No livro “Vitamin N: The Essential Guide to a Nature-Rich Life“, em tradução livre: ‘Vitamina N: um guia essencial para uma vida mais rica em natureza”, o autor apresenta dicas simples e criativas para estar com as crianças ao ar livre, e assim criar uma ligação duradoura com o mundo natural.
Confira algumas:
- Pequenos aprendizados cotidianos, que podem levar à uma vida adulta mais preparados e resilientes, capazes de lidar com as adversidades da vida.
- Eles aprendem a lidar com situações extremas, superar os próprios limites, disse Marga Keller, diretora da escola suíça Wakita, que tem 80 alunos no regime de waldkindergarten, em entrevista ao site Planeta Sustentável.
- Ensine esperança: Como as crianças vão acreditar que é possível construir um mundo melhor se não conseguimos imaginar isso, ou sequer falar e focar nossa atenção em iniciativas alinhadas à isso? Que tal engajar as crianças nesse tema, ensiná-las sobre a importância de cuidar da qualidade do ar e da água falando sobre iniciativas inovadoras que e criativas?
- Fortaleça redes para ressignificar espaços Brincar livremente, e fora dos espaços privados, na rua, e em parques e praças, por exemplo, é muito importante para que as crianças construam essa relação com a natureza e ambientes ao ar livre e mais naturais. Mas, para isso, é importante criar um ambiente seguro e acolhedor para as crianças. Uma boa dica é criar uma rede de segurança com os moradores de sua rua e bairros e amigos e estabelecer regras de convivência entre todos. Em alguns bairros de São Paulo, por exemplo, as ruas são fechadas nos domingos para se transformarem em uma ‘Rua de Lazer”, onde não transitam carros e as crianças podem brincar livremente.
- Estimule seu filho a expandir seus perímetros: As crianças crescem, os seus limites geográficos irão expandir naturalmente. Na visão do autor, é papel dos pais permitir que isso aconteça e incentivá-los a desenvolver a sua própria relação com a natureza, seja por meio de brincadeiras, passeios pelo bairro, viagens, e outras experiências.
Do ponto de vista da criança, a natureza é o meio no qual ela poderá estar mais livre e conectada com sua essência. “Quando a imaginação da criança encontra a natureza, ela se potencializa e se torna imaginação criadora. A natureza tem a força necessária para despertar um campo simbólico criador na criança”, disse Gandhy Piorski, artista plástico que pesquisa as práticas da criança e a relação entre criança e natureza.
É galho que vira espada e folha que vira um barquinho. Os materiais da natureza também podem se transformar nos mais diferentes brinquedos e objetos:
Além de uma possibilidade mais ativa de brincadeira, e também uma forma da criança se aproximar e aprender sobre o ciclo de vida dos seres vivos no planeta -e consequentemente sobre sua própria alimentação – estudos indicam que a brincadeira ao ar livre – por proporcionar mais movimento – também está associada à menores índices de obesidade infantil.
Uma vida mais ativa, que inclua subir em árvores, correr para todo canto e dar cambalhota na grama traz possibilidades para a criança se conhecer, gastar energia e usar seu corpo, mas também traz oportunidades para a criança avaliar e a correr riscos, cair e levantar, se machucar e curar. São momentos para desenvolver a autonomia de escolher os riscos que quer correr, gerenciá-los e aprender sobre eles.
Motivos para aproximar crianças da natureza não faltam. “É de graça, é saudável e você não precisa viajar para um parque nacional”, argumenta Lais Fleury, coordenadora do projeto Criança e Natureza do Instituto Alana. Nutrindo um olhar mais sensível e atento, rapidamente a natureza passa a fazer parte da rotina das famílias. Seja por meio de passeios em praças e parques ou por meio de momentos dedicados à olhar as estrelas.
A natureza que vira sala de aula
Diversos estudos científicos propõem-se a investigar os impactos da presença e ausência da natureza no ambiente escolar. Em artigo publicado no Oxford Journal pesquisadores defendem, por exemplo, que nas áreas verdes da escola as crianças brincam de forma mais criativa e cooperativa.
Um outro estudo realizado nos Estados Unidos mostra que, em escolas que usam a natureza como sala de aula, há uma melhora significativa no desempenho dos alunos em estudos sociais, ciências, artes da linguagem e matemática.
Em países como Dinamarca, Suécia e Noruega, as escolas e o ensino infantil são pensados e estruturados para priorizar a brincadeira livre e o contato das crianças com a natureza.
Conhecidas como “Escolas da Floresta”, essas escolas, cada vez mais comuns em países como Canadá, Estados Unidos, Inglaterra, Dinamarca, Suécia e Noruega – não têm salas de aulas e as atividades acontecem no meio da floresta.
Aqui no Brasil também há escolas com práticas pedagógicas que reconhecem a importância da natureza no aprendizado das crianças. Em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, a rede de ensino infantil traz uma experiência inspiradora -posteriormente transformada em política pública – nesse sentido.
Fruto de um processo de oito anos, a experiência deu origem a um roteiro de composição dos pátios escolares que está presente em todas as 32 escolas da rede.”O pátio da escola precisa ser rico de natureza e de possibilidades para o desenvolvimento integral da criança”, disse a bióloga Rita Jaqueline Morais, assessora pedagógica de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação da cidade.
As hortas também ganham destaque como espaço de aproximação da natureza e aprendizagem. As escolas municipais do Embu das Artes, na grande São Paulo, implementaram um projeto de “Hortas Educativas”, e com ele transformaram a relação das crianças com os alimentos.
“Eles colhem, levam para a cozinha da escola e fazem com a professora uma receita. Depois, recebemos os relatos das mães dizendo que as crianças pediram em casa para repetir a receita da escola, com legumes e verduras”, disse a diretora da E.M. Maria Iluminata, Maria de Lourdes Ferreira, sobre o projeto.
Criar crianças conectadas com a natureza é uma uma questão, também, de manutenção do futuro do planeta. A criança que convive com o meio natural e desenvolve afinidade em relação à natureza aprecia e zela pelo mundo à sua volta porque o respeita e o reconhece como seu ambiente de pertencimento.
Iniciativas
O distanciamento das crianças da natureza é uma realidade cada vez mais preocupante, com a avalanche de opções tecnologias de lazer e a escassez de áreas verdes nas cidades. Por isso, é importante criar mecanismos de reaproximação. Uma iniciativa importante de destacar neste sentido é o Movimento Slowkids. Periodicamente, o movimento leva à praças e parques de grandes cidades um dia com atividades 100% gratuitas que integram natureza, brincar livre, e família.
Veja vídeos gravados com cenas das últimas edições do Slowkids:
Outro projeto importante de destacar é o “Natureza em Família”, iniciativa do projeto “Criança e Natureza”, do Instituto Alana, que lançou um manual gratuito para que as pessoas possam organizar passeios e atividades em praças e parques. Além de proporcionar às crianças os benefícios da experiência do livre brincar e contato com a terra e as plantas, a iniciativa propicia também uma abertura para uma conversa urgente no ambiente escolar e familiar: como podemos melhorar o uso do espaço público e gratuito?
“O objetivo do clube é fazer com que as pessoas sintam a importância do momento desse convívio com a natureza e extraiam dessa experiência tudo de positivo que ela pode trazer. Entre os benefícios, estão o aumento da sensação de segurança por estar em companhia de outras pessoas, a motivação por ter a presença de outros adultos e crianças e o baixo custo, pois as áreas verdes urbanas, em sua maioria, não têm taxa de acesso”, explica Laís Fleury, diretora do Instituto Alana no Rio de Janeiro.