Greg Heffley enfrenta dilemas comuns para a idade: dificuldades na escola, conflitos em casa, paqueras e inseguranças inerentes ao crescimento, por exemplo. Da história desse menino surgiu um fenômeno literário: a série de livros ‘Diário de um banana’ (V&R). O autor Jeff Kinney conta que se inspirou em sua infância e adolescência para dar vida ao personagem.
Em forma de diário, anotações, desenhos e pensamentos de Greg mostram como ele lida com as situações e seus desafios pessoais. Quase sempre essas experiências terminam em situações engraçadas ou embaraçosas. Dessa forma, a identificação dos leitores com o protagonista é um dos motivos do sucesso dos livros.
Além disso, o humor direto e irônico, aliado às ilustrações simples, torna a leitura mais acessível, principalmente para quem está em fase de alfabetização. É o caso do Benjamim, 7. “Vi um colega na escola lendo e pedi para minha mãe. Comecei a ler e, quando cheguei no volume sete, que é o ‘Segurando vela’, já conseguia ler o livro todo em uma noite e um dia”, conta. Conquistado pelas coisas engraçadas que acontecem com o Greg, ele já leu todos os 19 volumes da coleção.
“Todos os livros têm a mesma quantidade de páginas. Isso é bem legal, porque ajuda a manter o ritmo da leitura”, conta Bento, 8. Para ele, além do humor presente na história, os nomes dos livros também são uma boa sacada.
Os amigos Gael e Bernardo, ambos com 9 anos, compartilham o apreço pelo “Banana”. Para eles, os diários trazem mais do que diversão. Isso porque ensinam lições de vida. “Como não fazer bullying”, exemplifica Bernardo.
Lançada em 2007, a série foi traduzida para 62 línguas e está em 74 países. No Brasil, os volumes da série somam 14,5 milhões de exemplares vendidos. O mais recente é o 19, que narra as confusões das férias de verão em família para comemorar o aniversário da avó. Como registra Greg em seu diário, “férias em família são como uma receita, e a verdade é que alguns ingredientes simplesmente não combinam.”
Série pode ser uma ponte para aproximar as crianças dos livros
Assim que Benjamin começou a ler sozinho, pegava os livros por conta própria. “Ele já tinha lido outras obras sozinho e agora entrou na febre do ‘Diário de um Banana’”, conta a mãe, Danielle Gasparini. “A série o estimula muito a ler e dar mais fluência na leitura e escrita. Aliás, ele está fazendo seu próprio diário.”
Embora Danielle se incomode um pouco com os comportamentos do Greg, que, por vezes, é maldoso com o amigo, mente aqui e acolá, ele sempre sofre as consequências. “Percebi que isso não era uma questão para o meu filho. Com o tempo, o personagem vai melhorando, se esforçando. Para o Benjamin o que fica é o humor da narrativa”, completa.
Além de estimular o gosto pela leitura, a série também tem aproximado as crianças das bibliotecas — espaços fundamentais para o acesso aos livros. Na cidade de São Paulo, por exemplo, o Sistema Municipal de Bibliotecas aponta que “Diário de um banana” domina as prateleiras de empréstimo: 16 dos 20 títulos mais retirados pertencem à coleção.
Frequentar e emprestar livros na biblioteca foi um dos aprendizados de Melissa, 8, ao ter contato com a série. Ela conta que pega os livros emprestados na biblioteca da sua escola e, como lê em tempo, não atrasa nas devoluções para pegar o próximo.
“Quando você começar a ler pode fazer assim: ler umas duas vezes por dia e, a cada vez, umas seis páginas. Dá para ler também no recreio da sua escola, enquanto come seu lanche”, sugere. Em tempos de escolas sem celular, quem não está a fim de brincar pode aproveitar a companhia de um livro.
Amadurecendo os hábitos de leitura e o gosto por outras narrativas
A série de livros do “Banana” pode ter uma leitura simples demais e com pouco tempo para reflexões e entrelinhas, diz Carol Braga, pedagoga e assessora literária do Conversa de Quintal. No entanto, segundo ela, “a escrita direta, os capítulos curtos e o ritmo rápido tornam a leitura atrativa e ajudam a manter o interesse das crianças que estão começando a ler livros maiores”.
Para a especialista, o importante é não deixar o interesse pela leitura se limitar a esse formato de diário sem muita profundidade. “Isso porque pode resultar em uma leitura mais superficial, que não desafia o pensamento crítico ou amplia a compreensão do mundo”, afirma. Por isso, oferecer, aos poucos, outras opções de livros, variando o tipo de escrita e até as temáticas, é uma estratégia para formar um percurso leitor compatível para cada idade.
Nesse sentido, Carol reforça que o gosto pela leitura deve caminhar junto com o desenvolvimento de competências leitoras. “Fazendo uma analogia com a alimentação, se estamos mantendo a dieta saudável, uma pizza no final de semana com os amigos, por exemplo, não fará mal”, explica. O trabalho dos educadores e mediadores é justamente o de ajudar a equilibrar esse cardápio.
“O prazer de ler é fundamental, mas também precisamos equilibrá-lo com a capacidade de compreender, refletir e analisar textos de maneira crítica.”
Foi o que aconteceu com Julia, 12. Leitora da série ‘Diário de um banana’ desde os 8 anos, ela traçou um caminho com hábitos de leituras e se desafiou a ler obras mais complexas ao longo do tempo. Atualmente, seus livros preferidos são ‘Labirinto do fauno’ (Intrínseca) e ‘A história sem fim’ (Martins Fontes). Ainda assim, confessa que sempre volta aos diários como estratégia para se distrair entre leituras mais longas.
Outro leitor que retorna às aventuras de Greg é Luca, 11. “Os livros são muito engraçados, contêm fatos que pessoas de 7 a 12 anos entendem ser mais divertidos, por conta de suas reviravoltas inesperadas, com toque de humor. Já li e reli muitas vezes, porque não são cansativos.”
Esse prazer em ler se estendeu para outros assuntos, pois Luca também curte astronomia e ficção científica. Desse modo, iniciou a leitura de ‘Do átomo ao buraco negro’ (Planeta) e ‘2001: uma odisséia do espaço’ (Aleph). Além disso, se interessa por tudo o que envolve Star Wars.
Para ir além do “Diário de um Banana” e passar de fase na literatura infantil, Carol Braga lista alguns caminhos possíveis:
- Recomende livros que você ama de verdade: apresentar um livro que você já leu e gostou para uma criança é a melhor estratégia. Isso porque, além de despertar a curiosidade, gera um vínculo e uma identificação imediata.
- Diversifique os gêneros literários: ler aventuras, ficção científica, poesia e histórias reais, por exemplo, é como experimentar vários sabores, expandindo o gosto e a curiosidade.
- Junte os amigos para ler: a leitura compartilhada é como uma roda de amigos jogando juntos. Eles trocam ideias e se motivam a explorar diferentes tipos de livros, como se estivessem descobrindo novos “jogos literários”.
- Leia junto com a criança, mesmo que ela saiba ler sozinha: a mediação permite que educadores e pais ajudem as crianças a refletirem sobre o que estão lendo. Assim, podem construir uma compreensão mais profunda da história.
Outros diários para conhecer e explorar
Mesmo dentro do gênero diário, há muitas opções para serem exploradas. Além de humor, as obras selecionadas pelo Lunetas trazem aventura, mistério, contato com outras culturas e um mergulho nas emoções dos narradores.
Para crianças leitoras
Pilar é curiosa, aventureira e apaixonada pela natureza. Com seu amigo Breno e o gato Samba, ela viaja pelo mundo em uma rede mágica. Desse modo, conhece as paisagens e as culturas de lugares como Grécia, Amazônia, Egito, Machu Picchu, África e China. A série tem oito livros e cada um conta uma jornada de descobertas, amizade e encantamento.
Entre águas, palavras e silêncios, este diário ilustrado conduz o leitor por brincadeiras, memórias e imaginação. Os registros são fruto das andanças de Gabriela Romeu pelos rios do Brasil. As palavras somadas aos desenhos de Kammal João traduzem o vai-e-vem desses rios e da vida dos povos ribeirinhos, revelando o ritmo da natureza e seus ciclos.
Para leitores adolescentes
Ao trocarem cartas, uma comunicação pouco comum entre jovens, Julia e Olivia descobrem então segredos, medos e a força da amizade. Tudo muda quando o caderno de confidências desaparece, cruzando o caminho de Zulmira, uma senhora de 84 anos, que tenta lidar com o desaparecimento de sua melhor amiga na ditadura. Assim, entre passado e presente, a narrativa costura mistério, afeto e transformação em uma trama com suspense e delicadeza.
N tem 14 anos, quase 15, sonha em ser faixa-preta e beijar Raul. Seu caderno vermelho é tudo, menos um diário comum. Isso porque é um misto de confissões, invenções e personagens inusitados. Em meio à diversão, acompanhamos uma narrativa surpreendente sobre crescer. Não tem chave, mas sim muitos segredos.