A jornada de uma árvore que atravessa o oceano para encontrar seus parentes em outro continente é narrada por Inaldete Pinheiro de Andrade no novo livro “Uma aventura do Velho Baobá”. Enquanto acompanhamos as aventuras de um imenso baobá, árvore nativa do continente africano, em terra firme e mar adentro, surgem reflexões sobre como cultivamos nossas raízes, cuidamos do presente e semeamos o futuro.
Ao chegar a uma cidade aqui no Brasil e encontrar seus parentes, o Velho Baobá pôde contemplar a imensidão do mar que antes os separava e agora os uniu, mas percebe que eles não viviam da mesma forma que na África, livres e bem cuidados na savana. Estavam emparedados, acorrentados, espremidos nas calçadas. Por quê? Cada parente que a árvore encontra conta da sua solidão e outras desventuras.
“Existiam por insistência, às próprias custas, porque faz parte das suas histórias”
Mas o Velho Baobá também se deparou com parentes bem cuidados e alegrou-se ao ver frutos dos frutos, “uma pequena semente transformar-se no maior tronco do mundo”, como são os baobás. E, ao entender o destino traçado a partir das forças de existir e resistir, o Velho Baobá decidiu que era hora de retornar para a sua terra.
“Uma aventura do Velho Baobá”, de Inaldete Pinheiro de Andrade e Ianah Maia (Pequena Zahar) Quando um velho baobá nativo das savanas da África decide atravessar o oceano Atlântico para encontrar seus parentes em terras brasileiras, somos convidados a acompanhar seu deslocamento numa jornada tecida de encontros e emoção. Entre relatos de luta pela sobrevivência e descaso, mas também de solidariedade e perseverança, o Velho Baobá deixa uma mensagem de esperança ao longo de seu percurso, alegrando-se especialmente com os frutos das novas gerações, destinadas a se transformarem no maior tronco do mundo. Vista por muitos como símbolo de resistência africana no Brasil, nesta narrativa, a árvore que pode chegar a viver mais de mil anos é testemunha de tempos imemoriais, como um símbolo de conexão entre o mundo sobrenatural e o mundo material. As ilustrações, da pernambucana Ianah Maia, são feitas com geotinta, uma técnica que utiliza a terra como pigmento de base.
A resistência que permeia a busca pela ancestralidade
O encantamento do texto segue a mesma estrutura dos mitos africanos, indica a escritora Kiusam de Oliveira, no posfácio: “ao colocar o baobá como um gigante que de tão magnífico é capaz de atravessar a mãe-mar, com todas as raízes poéticas a encantar quem ainda dorme, Inaldete nos leva a mergulhar profundamente em águas salgadas que se deslocam num tempo-espaço possível, dentro de uma cosmovisão africana, na qual o encantamento é sinônimo de feitiço, feitiço é sinônimo de poder e poder é sinônimo de ser”.
O livro concretiza a ideia do encontro intergeracional: duas mulheres negras de diferentes gerações, que carregam cargas históricas e culturais afins deram origem em palavras (Inaldete) e imagens (Ianah) a uma história que coloca pequenos – e grandes – leitores em contato com a resistência, uma das marcas das diásporas negras.
“É uma referência na literatura que todas as pessoas deveriam acessar, voz poética que representa uma multidão. Seja na literatura para crianças, nas suas escritas teóricas e nos seus poemas”, afirma Ananda Luz, mestra em Ensino e Relações Étnico-Raciais e pesquisadora de literatura infantil, sobre a escritora, ativista, contadora de histórias, educadora e pesquisadora Inaldete Pinheiro de Andrade.
A importância de sua obra passa pela compreensão do que é ser negro no Brasil, convidando a problematizar as questões das relações étnico-raciais e culturais negro-brasileiras. “E mais, de como deixar vivas todas essas histórias, porque são histórias ancestrais. Narrativas que atravessam Inaldete por serem histórias de existência, de resistência”, completa Ananda.
* Uma das fundadoras do Movimento Negro do Recife, Inaldete faz parte do Movimento Feminista desde 1979 e há mais de 30 anos escreve sobre as questões raciais em ficção, não ficção e poesia. Muitos de seus livros foram publicados de forma independente e são considerados fundamentais para quem quer ampliar o olhar sobre a representatividade na literatura para a infância, como “Cinco cantigas para você contar” (1989) e “Coleção velhas histórias, novas leituras” (2010).
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