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Livro apresenta Betinho às crianças num país que ainda passa fome

Foto em preto e branco do ativista e sociólogo Betinho onde lê-se, em um cartaz, a palavra “fome”. No canto direito, a capa do livro “Muio prazer, sou o Betinho”

“A fome não espera”, lembrava Betinho, que esteve à frente desta luta quando milhões de pessoas não tinham o que comer e o país passava por grandes transformações sociais. Vinte e cinco anos após a morte do sociólogo e ativista, responsável por mobilizar pessoas no país inteiro para a arrecadação de alimentos, o Brasil está de volta ao “Mapa da fome”. Os indicadores, da Organização das Nações Unidas (ONU), mostram que mais de 2,5% da população está enfrentando a falta crônica de comida. Segundo o Unicef, são 32 milhões de crianças brasileiras com fome.

É por sua voz ativa, influência e solidariedade que Betinho deve ser apresentado às novas gerações, acredita o filho, Daniel Souza. Com esse pensamento, surgiu então a ideia de contar sua história em um livro, para honrar o legado junto das crianças e jovens de hoje.

“Todos somos Betinho. Todos temos que ser. Ele fez a parte dele enquanto estava vivo e convocou toda a sociedade para cada um fazer a sua parte depois que partiu”

Souza, que hoje está à frente da associação Ação da Cidadania contra Fome, a Miséria e pela Vida, fundada por Betinho, em 1993, destaca o trabalho do pai e conta que, mesmo após tantas lutas, saber que o Brasil retorna ao “Mapa da fome” causa revolta e indignação. “Depois de ter feito o mais difícil e se tornado exemplo para o mundo, a última coisa que gostaríamos era ter que sofrer com isso novamente”, diz. O convite para se inspirar com as atitudes de Betinho é uma das formas que a família e a associação têm de seguir lutando pelo combate à fome e pela garantia de uma infância digna para todas as crianças.

“Não existe vida sem esperança”, dizia Betinho

De Bocaiúva, interior de Minas Gerais, o menino, que nasceu Herbert de Souza, mas atendia como Betinho, cresceu com a inquietação de ver o mundo pelo azul dos olhos de quem precisava fazer a diferença. Movido pela esperança de que todos os brasileiros, em especial as crianças, pudessem ter o que comer, Betinho construiu um grande trabalho de formiguinha com a Ação da Cidadania. Antes disso, ficou conhecido pelo ativismo a favor dos direitos humanos em meio à ditadura militar e foi exilado no Chile. Irmão do cartunista Henfil, importante crítico ao regime da época, foi citado nos versos “Meu Brasil que sonha com a volta do irmão do Henfil”, na canção “O bêbado e o equilibrista“, de João Bosco e Aldir Blanc.

Apresentar Betinho às novas gerações é uma missão que ficou com o escritor José Roberto Torero, autor do livro “Muito prazer, sou o Betinho: a vida do sociólogo Herbert de Souza”, que traz o ativista como narrador da própria história desde os tempos de menino. “Eu li muito sobre Betinho, vi documentários e entrevistas que mostravam o seu jeito de falar e pensar, além de ler várias coisas que ele escreveu, como as cartas e os livros infantis”, conta o escritor.

Ao assumir a voz de Betinho e escrever em primeira pessoa, Torero provoca o leitor com perguntas lúdicas sobre a vida, as brincadeiras e também revela histórias que pouca gente sabia. Uma delas é que o menino Herbert passava o dia brincando de fazer escultura com cera de vela, que sobrava na funerária em que o pai trabalhava.

“Muito prazer, sou o Betinho: a vida do sociólogo Herbert de Souza”, José Roberto Torero (Moderna)

Como uma contação simples da história do sociólogo para as crianças, José Roberto Torero assume o papel de Betinho como o próprio narrador de sua vida, contando curiosidades desde a infância até as descobertas dos problemas de saúde e a mobilização social na luta contra a fome no país. As colagens coloridas são de Catarina Bessel.

Para Torero, o desafio do livro é poder mostrar às crianças de hoje uma figura que foi e ainda é necessária para o país, e que uniu muita gente em torno de causas fundamentais. “Acho importante lembrar quem fez coisas que deram resultado para a sociedade, sem endeusar, mas mostrando que ele também tinha seus erros e defeitos“, conta. Quando questionado sobre alguma história que mais chamou a atenção, Torero cita uma que o próprio Betinho costumava contar:

“Teve um incêndio na floresta e todos os bichos começaram a fugir. Menos o beija-flor. Ele, com aquele biquinho de nada, ia até o rio, pegava uma gota de água e jogava nas chamas. Os outros bichos, quando viram aquilo, perguntaram: ‘Você acha que vai acabar com o incêndio assim?’. E o beija-flor respondeu: ‘Não. Mas estou fazendo a minha parte’. Aí todo mundo começou a pegar água no rio e, juntos, eles conseguiram apagar o fogo.”

Além da atuação em diversas frentes, com hortas comunitárias e cozinhas solidárias por todo o país, a Ação da Cidadania lançou este mês a campanha ‘Brasil sem fome’, para arrecadar e distribuir alimentos para famílias brasileiras, como forma de assegurar o direito à alimentação adequada, principalmente na primeira infância. As doações podem ser feitas pelo site www.brasilsemfome.org.br ou pelo Pix doe@acaodacidadania.org.br. Os esforços foram retomados principalmente após a pandemia de covid-19, quando milhões de pessoas voltaram a não ter o que comer.

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