Variadas formas de escrita em línguas indígenas combinam diacríticos (uso de sinais gráficos como `,´, ~, ^ ou ¨) e utilizam caracteres especiais, como ʉ, ɨ, ñ, ç̀, g̃, que não estão presentes em teclados tradicionais. Para facilitar processos de comunicação em línguas indígenas utilizando celulares com sistema Android ou computadores com sistema Windows, pesquisadores lançaram o aplicativo “Linklado”, que atende às necessidades gramaticais de mais de 40 línguas indígenas.
Idealizado por Samuel Benzecry (estudante da Universidade de Stanford, EUA) e Juliano Portela (estudante do ensino médio em Manaus), o “Linklado” nasce da necessidade de preservação das línguas indígenas faladas na Amazônia. Devido ao escasso suporte digital que essas línguas possuem, a comunicação indígena fica condicionada ao uso de áudios ou de substitutos para os caracteres especiais, ameaçando a continuidade das línguas nativas.
A tecnologia como aliada
Por mais que aparelhos com sistema Android possam ser utilizados na língua Kaingang ou Nheengatu, Samuel explica, em nota, que “isso não resolve o problema de línguas que utilizam sinais diacríticos como ü̃, muito usado na Tikuna, que é a língua indígena mais falada no Brasil”. A inquietação para criar o teclado virtual surgiu quando ele e Juliano participaram da Olimpíada Internacional de Linguística (NOIC), em que uma das atividades da competição era escrever um artigo em uma língua indígena.
“Foi ali que eu percebi a dificuldade de transcrever alguns caracteres do papel para o Word. Só depois que criamos o ‘Linklado’ que consegui escrever o artigo direito” – Juliano Portela
Após o acontecimento, Samuel desenvolveu o layout do teclado e Juliano desenvolveu um protótipo para o sistema Android em um dia. O “Linklado” é uma combinação de “Lin” (línguas indígenas) e “klado” (trocadilho com a palavra “teclado”), além de também formar a palavra “link”, que significa “conexão”. O aplicativo atende mais de 40 línguas indígenas que possuem caracteres ou usos de acento gráfico “não-convencionais”, além de oferecer suporte a línguas de países vizinhos.
“Conectar os falantes das línguas indígenas a um teclado que contempla o seu vocabulário é uma das formas de ajudar na transmissão e sobrevivência das línguas indígenas sul-americanas na era digital”
Por trás do aplicativo
Nos aparelhos com sistema Android, o “Linklado” substitui o teclado padrão do dispositivo com uma versão que inclui os caracteres especiais. Ele também oferece uma tecla que contém todos os diacríticos, que podem ser adicionados à letra anterior. Por exemplo, primeiro digita-se a letra ʉ, depois clica-se sobre a tecla com o diacrítico, produzindo, então, ʉ̀. Já no Windows, o sistema introduz uma pequena janela que permanece sobre a tela, somente com os caracteres especiais e os diacríticos. Desse modo, o usuário pode utilizar o teclado comum junto com o aplicativo.
Quem também participa da produção do “Linklado” é a professora, bióloga e doutora em Recursos Naturais Noemia Kazue Ishikawa e a antropóloga e linguista Ana Carla Bruno. Juntas, as educadoras coordenam o projeto “Redes de mulheres indígenas tradutoras e cientistas: conexões para uma educação transformadora em ciências no Amazonas”. A necessidade de um teclado em celulares e computadores com suporte às línguas indígenas era um dos grandes desafios da iniciativa, executada pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam).
“No Amazonas temos mais de 52 línguas vivas e muitos desconhecem essa riqueza linguística. Muitas dessas línguas contam com poucos falantes, algumas centenas ou milhares, e possuem aspectos interessantíssimos. A lenta morte de várias dessas línguas causada por glotocídio, que é a marginalização de uma língua em favor de outra, resulta no desaparecimento gradual dessa língua, genocídios, missões, estigmatização em centros urbanos, não-passagem entre gerações ou expansão rápida de meios de comunicação, em português, acabam levando à perda rápida de muitas dessas línguas. O ‘Linklado’ seria uma forma de manter essas línguas vivas”, arremata, em nota, Samuel.
Também participam da construção do “Linklado” indígenas das etnias Ye’pâ-masa, Ʉtãpinopona, Waíkhana e Magüta.
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