“Os livros da escola não contam a história do nosso povo”. O verso abre o videoclipe “Ubuntu, eu sou porque nós somos”, lançado pela Banda Alana, para valorizar práticas antirracistas nas escolas. Desde 2003, a lei 10.639 prevê a inclusão do ensino de história e cultura afro-brasileira no currículo escolar. Nesse sentido, a música mostra que a história do país também é preta, escrita por personalidades como Lélia Gonzalez e Abdias Nascimento.
A produção coincide com a divulgação final de uma pesquisa inédita do Instituto Geledés Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana, que traz projetos antirracistas em escolas de diferentes regiões do país e seus efeitos na comunidade escolar.
Conforme a pesquisa, as atividades vão desde a confecção de brinquedos da cultura africana, leitura de autores negros e debates em sala de aula. Assim, além de “maior consciência e sensação de pertencimento” entre os estudantes, professores destacaram o aumento da autoestima e a redução na discriminação racial, melhorando os relacionamentos na comunidade.
Projetos para serem multiplicados
Ano passado, os primeiros resultados da pesquisa apontaram que 71% das secretarias municipais de educação tinham pouca ou nenhuma ação para efetivar a lei. A partir de então, houve um acompanhamento de projetos de como a lei é aplicada em seis municípios selecionados. Assim, ao documentar as experiências e os efeitos entre estudantes, professores e familiares, o estudo mostra que essas práticas são importantes e podem inspirar outras escolas.
Embora tenham começado de forma pontual, em atividades voltadas para o Dia da Consciência Negra, os projetos expandiram em outros formatos ao longo do ano, até fazerem parte da agenda fixa das escolas. Apesar de estarem em regiões e contextos sociais diferentes, Belém (PA), Cabo Frio (RJ), Criciúma (SC), Diadema (SP), Ibitiara (BA) e Londrina (PR) apresentam fatores comuns. Dentre os principais, estão a educação continuada dos profissionais da educação e a articulação com representantes de prefeituras, organizações e movimentos sociais para o fortalecimento de debates antirracistas em sala de aula.
3 atividades inspiradoras de cada cidade:
O Lunetas selecionou três atividades de cada município para inspirar escolas em todo o país a desenvolverem práticas antirracistas em suas comunidades.
Belém (PA)
- Desfiles de beleza negra e palestras sobre personalidades negras
- Literatura afro-brasileira para o ensino fundamental
- Resgate da alimentação africana com lanches de comidas ancestrais
Cabo Frio (RJ)
- Leituras e jogos que valorizam a identidade negra no ensino fundamental
- Sarau literário com a presença de escritores negros na escola
- Cine Afro para professores com filmes que tratam de questões étnico-raciais seguidos de debate
Criciúma (SC)
- Visitas a quilombos da região
- Trabalho sobre irmandades religiosas na região
- Pesquisa sobre a participação de populações negras contra a ditadura militar
Diadema (SP)
- Exposições e palestras de autores negros na escola
- Chá Literário com familiares e estudantes lendo autores negros
- Ações para trabalhar a sensibilidade e autoestima dos alunos no cotidiano escolar
Ibitiara (BA)
- Leituras colaborativas e programadas de literatura infantil
- Produção de peças de teatro sobre lendas africanas
- Entrevistas feitas pelos alunos com personalidades negras da própria comunidade
Londrina (PR)
- Pratos típicos pesquisados pelos alunos e servidos na merenda escolar
- Grupo de estudos entre pais e professores para debater livros com temáticas antirracistas
- Aulas de educação física com brincadeiras e jogos africanos
Resultados chegaram a toda comunidade escolar
O cumprimento da lei 10.639 nas escolas transformou toda a comunidade escolar. Além disso, melhorou a autoestima dos estudantes com maior valorização da identidade e religião, e redução do bullying. Em Diadema, por exemplo, as aulas de letramento étnico-racial fizeram a autodeclaração como preto ou pardo subir de 39% para 65,7% entre os adolescentes.
“Quanto mais essas atividades envolvam a todos, estudantes, profissionais de ensino e familiares, mais os resultados aparecem de forma sólida e duradoura, contribuindo na formação de pessoas que se engajam na luta antirracista no seu dia a dia”, avalia Beatriz Benedito, analista de políticas públicas do Instituto Alana. Tânia Portella, consultora de Geledés, diz que “mais do que referências para as pessoas negras, são conhecimentos que dão oportunidade para que as pessoas brancas vejam o mundo em outra perspectiva, para além da eurocêntrica ou da branquidade“. Isso, de acordo com ela, é preponderante para as relações raciais, dentro e fora das escolas.
Efeitos positivos da implementação da lei 10.639, segundo a pesquisa
- Melhora na autoestima de alunos negros em relação à aparência
- Mudança na relação com o cabelo entre alunos negros, com a valorização do uso de tranças, cabelos soltos, penteados e transição capilar
- Segurança e orgulho sobre suas religiões
- Acolhimento escolar e redução da discriminação racial dentro das escolas
- Melhora no relacionamento entre os estudantes
- Aumento da percepção sobre racismo e bullying, entendendo que essas atitudes são erradas
* Outros projetos e mais detalhes sobre as práticas antirracistas nestes seis municípios estão na pesquisa completa, disponível neste link.