“O que você associa à África?” Quando o professor do ensino fundamental II Dionysius Mattos fez essa pergunta para os alunos, as respostas foram, em sua maioria, negativas ou mostravam desconhecimento sobre o continente: “os cara matando bicho”, “mato” e até mesmo “Cazaquistão” (país localizado entre Europa e Ásia). Após dois meses de aulas voltadas à história da África, a percepção da turma mudou. “Não sei”, “macacos” e “pessoas pobres” deram espaço para que palavras como “orixás”, “iorubá’, “Magreb”, “ouro” e “bantu” passassem a habitar o imaginário coletivo dos alunos sobre o continente africano.
No fim de Junho, pedi pra turma falar palavras que viessem à cabeça relacionadas à “África.
Encerramos nossa viagem pela história das antigas sociedades africanas agora, nesse mês.
E como encerramento, fizemos o mesmo exercício.
Foi lindo, povo, foi lindo. pic.twitter.com/R5rO0XP6nk
— D i o n y M a t t o s (@DionyMattos) August 31, 2022
Processos de aprendizagem
Quando perguntado sobre a metodologia de ensino de história da África, ele destaca que “cada turma é um universo”, mas as aulas costumam partir de uma proposta comum: falar sobre historiografia da África, trabalhando temas como colonialismo, eurocentrismo e estereótipos. “A experiência do tuíte que viralizou foi resultado de uma dinâmica que já faço há uns cinco anos. Pego a percepção dos estudantes sobre a África (ou sobre um assunto) e depois faço o mesmo exercício, pois considero uma forma de diagnóstico de como se deu o trabalho com a turma”, explica Dionysius. Morador de Porto Alegre (RS), ele leciona para diversas turmas do ensino fundamental II na região metropolitana da cidade, sempre em escolas públicas.
Apesar disso, o educador reforça que a influência étnica indígena e afrobrasileira é forte, além dos perfis mudarem de escola para escola, podendo variar de uma maioria branca para turmas com mais estudantes negros do que brancos. Além de ser uma característica da cidade, Dionysius acredita que a minoria negra nas escolas conversa com a evasão escolar, que atinge mais crianças e adolescentes negras do que brancas.
“Gosto de trazer a perspectiva de Hegel e Joseph Ki-Zerbo sobre a África e os estudantes sempre ficam revoltados com a diferença [um possui uma visão eurocêntrica enquanto o outro desmistifica a ideia de que a África não é uma potência na ciência, tecnologia e outras áreas]. Gosto também de passar um vídeo curtinho sobre estereótipos de homens africanos em Hollywood e o clássico vídeo da Chimamanda sobre o ‘Perigo da história única’”, conta. Além da primeira aula, o educador reforça a necessidade de trabalhar o tema em diferentes épocas do ano, pois é comum falar sobre o continente africano apenas em novembro, mês da consciência negra.
“Tento trabalhar de forma que os estudantes encarem com normalidade a formação da cultura brasileira como um acúmulo de experiências de diversas culturas e povos, não só europeus”
A construção de uma educação antirracista
“Professor não faz milagres. O primeiro quadro de respostas é um caminhão de estereótipos sobre a África. Quem ensinou? Onde aprenderam?”, indaga Dionysius. O processo de construção de uma escola antirracista, para ele, é algo contínuo: “Nós, professores e professoras, devemos sempre buscar pressionar escolas e redes para que ocorram formações continuadas e que seja respeitada a legislação específica que impõe um ensino antirracista, promovendo diversidade nas escolas”, diz.
Sobre os desafios de construção de uma educação antirracista, Dionysius comenta como “a própria escola pode fortalecer esse tipo de visão [eurocêntrica]” e quem se preocupa com uma educação antirracista pode enfrentar meios de comunicação que promovem racismo e educação familiar que perpetua essa visão, por exemplo. Para ele, pensar em educação antirracista não é só papel do profissional da educação, mas também de famílias, empresas e poder público.
“É papel de todas as pessoas que querem ver essa transformação buscar aprender sobre o tema”
Sobre o legado da experiência, o educador questionou aos alunos “como o estudo da história das antigas sociedades africanas mudou seu olhar sobre o continente”, além de pedir explicações sobre a importância do estudo para uma educação antirracista. Entre as respostas, alguns estudantes relataram mudança do olhar em relação a religiões afro-brasileiras e africanas, enquanto outros manifestaram a vontade de estudar mais sobre a história da África. Uma ex-aluna negra de Dionysius hoje em dia promove estudos étnico-raciais entre os alunos da sua classe no ensino médio.
“Pensando em como era o ensino de história afro-brasileira antes, acho que plantei uma semente de mudança. Espero que floresça”
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Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 79,24% da população de Porto Alegre é branca, enquanto pretos e pardos somam 20,24%. Os dados refletem a população de todo o Rio Grande do Sul, que é composta por 79% de pessoas brancas, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua 2019, do IBGE.