Há pelo menos nove meses o mundo ainda era outro. Quem já esperava por um bebê, se preocupava com questões comuns a muitas mamães, mas ainda não podia sequer imaginar uma pandemia instalada quando estivesse justamente prestes a dar à luz ou com um recém-nascido nos braços pela primeira vez. Agora, essa expectativa de futuro está ainda mais incerta quem está gestante em diferentes estágios de gravidez e para aquelas que acabaram de se tornar mães.
Ser gestante em plena pandemia
Além de medo e angústia por conta do novo coronavírus, alguns aspectos práticos já foram alterados na rotina dessas mulheres, como encurtamento ou cancelamento de consultas presenciais, exames laboratoriais simples são reprogramados e questões sem urgência ganham o amparo da tecnologia.
Ainda, observa-se um aumento da busca por parto domiciliar, pois a presença de acompanhantes ou doulas está sendo restringida, e a alta precoce também tem sido adotada a fim de reduzir o tempo de internação. Para o pós-parto, há preocupação sobretudo em relação ao distanciamento social, o que impede que essas mulheres possam contar com uma rede de apoio e lhes impõe uma sobrecarga de tarefas quando voltarem para casa, em uma nova dinâmica familiar.
“Tudo será novo para nós, pais de primeira viagem, e ainda nesta situação inédita de pandemia. Estaremos longe das nossas mães, de quem teríamos ajuda nos primeiros dias de nascimento da bebê”, comenta Juliana Marconatto, grávida de 32 semanas de Luiza. Para atravessar esse desafio, ela conta com o marido, Ralf Sgarbozza. “Ele é muito participativo e tem me acompanhado em todas as fases. Não será fácil, mas estamos dispostos e prontos”, assegura-se.
Já a experiência de Rosângela Martins e Fernando Souza foi dar as boas-vindas à primeira filha, Maria Tereza, agora com um mês de vida, durante “um momento delicado de parir”, como definem. “Quando chegamos na maternidade, existia apenas um caso confirmado de coronavírus no país; quando saímos, já eram 13 casos. Então, com o passar dos dias, começamos a nos preocupar bastante e tomar algumas precauções, como isolamento social, antes mesmo da exigência do governo, higienização extrema e cuidar da imunidade”, comentam. Além do medo da pandemia e de terem de aprender a cuidar de um recém-nascido, eles também precisaram se adaptar em relação à falta da rede de apoio.
“Gostaríamos muito de ter os avós, tios próximos e amigos nos abraçando e curtindo com a gente. Esse isolamento fez com que a distância fosse a nossa realidade”
Uma nova rede de apoio
Como forma de amparar “essas mulheres que, nesse momento tão desafiador, estão gestando a continuidade da vida apesar de tudo”, a jornalista e pesquisadora Xenya Bucchioni teve a ideia de lançar “uma potente corrente de amor”. A proposta é convidar mães de todas as gerações para escrever uma carta endereçada a essas mulheres grávidas e a novas mamães em tempos de pandemia. “Convido vocês a se conectarem com as melhores palavras e pensamentos para distribuirmos um tanto de amor por aí em tempos de coronavírus”, propõe.
A conta Querida Gestante, no Instagram, foi inaugurada no dia 29 de março e reunia (até a data da publicação desta matéria) mais de 10 cartas. “O projeto já começou trazendo linhas escritas em um tom de encorajamento e de positividade. O primeiro texto veio logo de uma mulher recém-parida”, comenta Xenya, surpresa. “Na sequência, vieram cartas bastante afetuosas sobre aproveitar esse momento difícil para ampliar a conexão com o bebê e, também, sobre a importância de se permitir ter medo e acolher esse sentimento”.
Sim, está tudo bem sentir-se ainda mais vulnerável nestas condições de gestação combinada à vivência de uma pandemia. Então, apesar de parecer algo simples dedicar palavras de confiança e esperança a essas mulheres, comenta Xenya, o exercício pode ajudar a “organizar melhor os pensamentos e as emoções vividas nos últimos dias e a atravessar a pandemia com mais leveza, resiliência, gentileza e tranquilidade”.
Além de autoconhecimento e autocuidado por meio da escrita, o Querida Gestante pode nos lembrar “a beleza e a potência que se manifestam quando damos as mãos, contrariando a competição e a comparação habitual com que somos, muitas vezes, ensinadas a enxergar a nós mesmas e, também, umas às outras”, destaca a idealizadora do projeto.
“Ainda que virtual, esse espaço resgata, de certo modo, a ideia do círculo de mulheres, de estímulo à partilha de experiências e saberes femininos, inclusive ancestrais, de apropriação do corpo e da confiança na capacidade maravilhosa que ele tem de gestar e parir uma nova vida”
Xenya convida ainda para aproveitar esse tempo inusitado e “olhar com carinho para a história das mulheres da família, sobre gestação e parto, sonhos e perdas, conquistas e desavenças”. O desafio seria “(re)conhecer o que delas se carrega, especialmente no campo das qualidades e, assim, recompor a matriz feminina que nos atravessa e que pode nos ajudar a passar pelos atuais desafios com mais confiança e conexão consigo mesmas”, sugere.
Sonhos reeditados
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), ainda não há relatos de malformações em bebês por causa do coronavírus. Também não houve casos de contaminação de gestantepara o feto nem peloleite materno.
Juliana procura “ser positiva, pensar que vai dar tudo certo, acreditar que as coisas serão superadas”, mas não consegue “excluir as chances de qualquer intercorrência acontecer”, revela. Sua bebê deve chegar no final de maio, quando está previsto o pico de contaminação por coronavírus. Ela, que sempre quis ser mãe e esperava pelo “momento certo”, destaca alguns pontos positivos ao esperar pela primeira filha durante a quarentena: “Isso me permitiu curtir ainda mais o momento, o barrigão, sossegar a mente, me conectar com esse serzinho que cresce aqui dentro”, diz.
“Será um grande aprendizado de autocontrole, mas certamente a nossa bebê virá para trazer muita esperança e completar a nossa família. Já que o mundo não será mais o mesmo, ela terá a oportunidade de viver em um mundo novo”
Rosângela também confidencia que, apesar de ainda temerem as incertezas da pandemia e de como a doença irá evoluir no país e no mundo, logo ela e o marido são tomados por “um sentimento de felicidade e gratidão”.
“Criar um filho é um momento delicioso e cheio de novidades. Esperamos que a solidariedade e o pensamento coletivo desencadeados por essa situação mundial inédita fiquem conosco por muito tempo”
Para compartilhar o seu texto, escreva cerca de 30 linhas e envie para queridagestante@gmail.com, com seu nome, localidade e idade (não obrigatório).