“Coleta de exames dolorosos, tratamentos quimioterápico e radioterápico com muitos efeitos colaterais, cirurgias, restrições e afastamentos são alguns dos desafios diários superados por crianças diagnosticadas com câncer”, descreveu ao Lunetas a equipe de pediatria do Hospital Israelita Albert Einstein.
Os médicos responderam as principais dúvidas sobre o tema. Segundo eles, o câncer infantil, apesar de raro, é a terceira principal causa de mortes por doença em crianças menores de 15 anos nos países desenvolvidos, somente ficando atrás de óbitos por acidentes e violência.
Os tipos mais frequentes são as leucemias (sendo a mais predominante a leucemia linfoide aguda B), os tumores de sistema nervoso central, os linfomas, o neuroblastoma, tumor de Wilms, os tumores ósseos (como o osteossarcoma, por exemplo), os sarcomas e os tumores germinativos.
“As crianças não perdem o otimismo e a força de lutar e vencer. As famílias também se demonstram muito fortes, pois, além do sofrimento que sentem pelo diagnóstico, precisam se adaptar à nova rotina”
Muitos pais param de trabalhar para acompanhar o tratamento, abdicam da carreira, modificam planos com o objetivo maior de alcançar a cura de seus filhos. “Uma grande lição de vida!”, resumiram.
Neste sentido, os pediatras são criteriosos ao reforçar a necessidade de avaliação médica de rotina: “Marque consultas periodicamente com seu pediatra, visto que os sintomas são bastante vagos e a detecção precoce muito valiosa”, aconselham.
Confira as respostas e tire suas dúvidas sobre câncer infantil:
- Quais são os tipos mais comuns de câncer na infância, como diagnosticar e tratar cada um deles?
Os sinais e sintomas sugestivos de câncer em seus estágios iniciais são inespecíficos, com manifestações vagas, como, por exemplo, febre, sangramentos, dores de cabeça, palidez, aumento dos gânglios, dores abdominais, dores ósseas e articulares. O tratamento do câncer infantil pode abranger quimioterapia, radioterapia e/ou cirurgia, dependendo do seu diagnóstico.
- Existe alguma prevenção ou sinais de alerta para cada um deles?
A biologia do câncer infantil difere completamente do câncer em adultos em relação à localização, ao tipo histológico e ao comportamento clínico, além de sua origem ser genética, com poucas influências de fatores ambientais. Por isso, devemos reforçar a necessidade de uma avaliação clínica periódica, com o pediatra de rotina, visto que os sintomas são bastante vagos e a detecção precoce muito valiosa.
- Além da criança é preciso também acolher a família neste momento. Como é feito este acolhimento nos hospitais? Como deveria ser feito?
O diagnóstico vai implicar na mudança da rotina de vida do paciente, além de todo impacto da doença sobre toda a família. O aspecto psicossocial deve ser muito bem conduzido. Na maioria das vezes, o diagnóstico ocorre durante uma internação, ou que seja necessário que ela ocorra. Para que a família e o paciente sintam-se amparados, além da equipe médica, é necessário o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar bastante próxima, que inclui: médicos, enfermeiros, nutricionistas, farmacêuticos, psicólogos, psicopedagogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, dentistas e toda estrutura hospitalar abraçando o paciente.
- Como o SUS (Sistema Único de Saúde) atende as crianças em tratamento de câncer? Como é o acesso ao tratamento adequado?
Serviços particulares também podem atender crianças que necessitam de tratamento de alta complexidade dentro de programas como o PROADI/SUS. No Hospital Israelita Albert Einstein, por exemplo, há um programa que atende crianças que necessitam de transplante de medula óssea com recursos do PROADI/SUS, o acesso a este tratamento é regulado pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT) do Ministério da Saúde.
- Pode citar e explicar inovações com bons resultados que estão sendo usadas para tratar câncer em crianças?
Atualmente tem-se investido muito em imunoterapia para tratamento do câncer. Há alguns anos utilizamos vacina de célula dendrítica para pacientes com neuroblastoma em estágios avançados e que respondem ao tratamento inicial. Fazem-se então infusões sequenciais dessa vacina via subcutânea para tratamento de doença residual, com resultados bastante animadores. Outro exemplo são os anticorpos monoclonais que têm sido amplamente utilizados em oncologia, incluindo pacientes tratados pelo SUS, como anti-CD33, anti-CD20, anti-CD30 e anti-CD19, entre outros.
- Como estes tratamentos evoluíram ao longo dos anos e quais os benefícios para crianças?
Os protocolos quimioterápicos são aprimorados a partir da avaliação de resultados do uso desses protocolos multi-institucionalmente, muitas vezes incluindo centros em diferentes países e continentes. Além dos protocolos quimioterápicos, a oncologia pediátrica conta com avanços de estudos e métodos modernos de tratamento, o que permitiu um aumento da sobrevida desses pacientes nas últimas décadas de 30 para 80%. As pesquisas clínicas incluem estudos de fase I a fase IV, objetivando a descoberta de novos medicamentos e consequentes avanços no tratamento do câncer. A constante busca pela melhoria do tratamento do câncer infantil tem como objetivo aumentar as taxas de sobrevida dos pacientes e reduzir as taxas de toxicidade ao tratamento, permitindo que, ao término do tratamento, essas crianças possam retomar suas atividades e seguir suas vidas sem que sejam identificadas como pessoas diferentes da população geral.
- Como os hospitais e os profissionais se preparam/devem se preparar para receber essas crianças? Como deixar o tratamento menos “traumático”?
É muito importante que o tratamento seja feito em centros especializados, pois tanto a criança quanto seus familiares necessitarão de cuidados especiais. O diagnóstico do câncer traz o medo da dor, ansiedade e insegurança em relação ao futuro. O paciente terá que lidar com o afastamento escolar e social, além das transformações com o corpo, perda de sua identidade e questões relacionadas à sua história, interferindo na dinâmica e estrutura de toda família. A presença de uma equipe multiprofissional qualificada é essencial para tornar este tratamento o menos traumático possível.
Os profissionais devem promover condições para que o paciente reconheça o que está acontecendo desde o momento do diagnóstico, entenda sua doença, mantenha o controle do corpo e da mente, podendo vivenciar e superar o tratamento do câncer. Este apoio deve ser dado também aos familiares que, na maioria das vezes, estão muito sensibilizados e fragilizados com esta descoberta.
- Muitas crianças ficam afastadas da escola para fazer o tratamento, como isso é tratado dentro dos hospitais, como a família deve proceder para a criança não ficar longe dos estudos?
Durante uma boa parte de alguns tratamentos quimioterápicos, como nas Leucemias Mieloides Agudas, os pacientes ficam internados para receber medicações e controles clínicos, sendo afastados das atividades escolares regulares.
Para sanar esta deficiência, foram criadas as classes hospitalares, que estão presentes na grande maioria dos hospitais com atendimento oncológico pediátrico. Nestes locais, contamos com a presença de um professor que está em contato com a Secretaria de Educação e faz parte da rede educacional, garantindo atenção e estímulo adequado às crianças de diferentes idades. Com isso, os pacientes mantêm seu currículo escolar e podem seguir os estudos adequadamente.
- Qual é a importância da brincadeira e da ludicidade para crianças em internação ou tratamento?
O tratamento oncológico das diferentes patologias costuma ser extremamente desgastante para as crianças. Por isso, trazemos o lúdico para a rotina diária dos pacientes com o objetivo de transformar esses momentos em uma brincadeira. Para tanto, geralmente, temos brinquedoteca, onde os pacientes podem jogar, trabalhar com massinha e brincar enquanto recebem a medicação.
O uso do boneco terapêutico, por exemplo, visa ensinar aos pacientes como serão os procedimentos a que vão ser submetidos, como punções de acesso venoso e passagem de sonda. Sempre tentando mantê-los calmos, para que ajudem nesse momento tão importante e delicado. A presença do terapeuta ocupacional também ajuda na realização das atividades e no estímulo ao desenvolvimento adequado dos pacientes.
* Este conteúdo foi produzido pelo extinto Catraquinha, em outubro de 2017, em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein. Em maio de 2018, o Catraquinha migrou para o Lunetas.
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Um glossário rápido
Câncer: doença em que as células anormais se dividem incontrolavelmente e destroem o tecido do corpo
Leucemia: câncer que ocorre na formação das células sanguíneas, dificultando a capacidade do organismo de combater infecções
Linfoma: câncer do sistema linfático
Neuroblastoma: câncer que costuma ser encontrado nas glândulas adrenais
Tumor de Wilms: tumor renal maligno mais frequente em crianças de dois a quatro anos
Sarcoma: tipo de câncer que se desenvolve a partir de certos tecidos, como osso ou músculo