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Educação inclusiva: sem pluralidade na escola, não há paz

Foto de uma criança negra e uma criança com síndrome de down. As duas se olham e conversam sorrindo

“A escola não pode parar”. Essa foi a justificativa para não promover a inclusão de uma criança com deficiência. A escola não pode parar. Repito a frase não por descuido ou ênfase, mas pela necessidade de entrarmos em contato com a afirmativa no lastro do espanto.

A crença que me parece vir a reboque da inclusão é a de que a escola vai precisar parar para rever todo o seu modelo de ensino, seu projeto político-pedagógico, seu currículo, seu espaço, suas relações, sua prática. Pois bem, se o fazer escolar foi construído a partir da exclusão, se seu modelo de trabalho – seja ele público ou privado – teve sucesso a partir da perpetuação do preconceito, se as vivências em sala de aula não valorizam a empatia como ferramenta para acessar a riqueza da diversidade humana, como seguir adiante?

“A igualdade de condições para acesso e permanência na escola é um direito que deve ser garantido a todos e a cada um”

Isso já é o bastante para repensar e refazer a experiência das crianças com deficiência neste ambiente. Mas ainda tem mais. Como queremos dar conta dos desafios do mundo contemporâneo, permeado por incertezas, ambiguidades e complexidades, se subtraímos da educação as diversas possibilidades de ser e estar no mundo, limitando, empobrecendo e reduzindo a convivência?

Quem alega não poder parar, em algum momento, atropela. Por vezes, mata. Mata a criatividade, a inovação, a flexibilidade, a conexão, o respeito. Mata presente e futuro. Deixa um corpo estendido na passarela de moda, porque o desfile não pode parar. Esta continuidade irresponsável de padrões e normas que oprimem milhares de existências em nome do exigido, do cobrado, do seguro, é a mesma que responde pelo aumento assombroso de suicídios entre crianças e adolescentes nos últimos anos.

“Um mundo em que poucos cabem é um mundo que não tolera a paz. Um mundo que fere, que dói”

Em que momento fomos autorizados a hierarquizar vidas, apontando as que importam e aquelas para as quais não podemos parar? Quando foi que decidimos pasteurizar, medicar ou tornar invisíveis as diferenças que nos fazem únicos? Por que o ‘basta’ ainda é um sussurro de poucos, se, direta ou indiretamente, todos colhemos as mazelas deste projeto de mundo excludente e adoecido?

As frases sobre compaixão nos murais da escola me soam vazias de sentido. O dia do índio, o dia da consciência negra, a celebração da paz, os projetos de combate ao bullying: nada disso me parece ter significado se não impregnarmos o cotidiano da escola de uma convivência diversa e plural. Compaixão, igualdade, justiça não como metas, como objetivos finais, mas como premissas, pontos de partida na perspectiva da educação. Como consequência, um currículo que acolhe individualidades, um projeto político-pedagógico em que todos cabem.

“Lembremos que somente haverá um outro mundo possível quando, passo a passo, existir em nós e entre nós, um outro ser humano possível”, diz o antropólogo Carlos Rodrigues Brandão.

“Esse novo ensaio de humanidade nos pede que não desperdicemos nenhuma vida, nenhuma chance. Todas as vidas importam. Se não pararmos agora, quando?”

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