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Dia da Menina: desafios de meninas negras ao direito à infância

Em primeiro plano, foto em preto e branco da jornalista Joyce Ribeiro, que é uma mulher negra. Atrás, foto colorida de duas crianças negras e outra mulher também negra, que segura uma das crianças nas costas

Como mãe de duas meninas, me assusta a ideia de ter de criá-las para que se tornem uma exceção, sabendo que a realidade da maioria delas é feita de riscos, medos, injustiças e desesperança, sobretudo quando falamos de meninas negras. Neste Dia Internacional da Menina, é hora de deixar para trás a luta para conseguir sobreviver à força destruidora da exclusão e estar entre aquelas que serão apontadas como as únicas; que encontraram maneiras de furar barreiras que outros da sua família e de seu convívio não conseguiram por causa da cor da pele, da origem, ou por terem nascido meninas.  

Quero um ambiente inclusivo e seguro onde sonhar seja uma possibilidade para todas elas.

As mulheres adultas de hoje, meninas de ontem, podem usar outras ferramentas para entender os dilemas das fases anteriores, com foco na luta por mais independência, autonomia, plenitude e valorização de toda a individualidade, já que parte do que vivemos na maioridade é resultado de uma infância muitas vezes roubada.

Não queremos mais ser exceção

Fui menina nos anos 1980 e adolescente nos anos 1990, o auge das supermodelos, musas de aparência e padrões quase sempre inatingíveis, trazendo precocemente dilemas relacionados ao peso, culpa, aceitação, cabelos e afins. A resposta a essas pressões vinha, muitas vezes, em forma de bulimia, anorexia, depressão. As cobranças do mito da princesa, que prioriza meninas impecáveis, atenção exagerada com a aparência e o comportamento perfeito aos olhos de quem observa de fora, afastavam a alegria das brincadeiras, as boas risadas com a turma, a liberdade de correr atrás da bola ou soltar pipa na rua.

Agora imaginem meninas com o couro cabeludo danificado por formol ou pente quente, por exemplo, que gastavam horas e horas dedicadas à busca de um padrão definido como aceitável por adultos, enquanto só queriam brincar, ser criança e gastar energia pulando e inventando passatempos, sem se preocupar se estão desgrenhadas ou com o vestido fora do lugar. Hoje, muitas mulheres adultas definem estas formas de privação – e agressões – também como uma mutilação. 

Foi um exercício cotidiano entender que as referências das capas de revistas, das propagandas e programas de TV não falavam comigo. Talvez desde os cinco, seis anos de idade, até os dias atuais, o jeito foi perseguir com obsessão a remota possibilidade de ser uma exceção à regra, até me tornar uma das poucas apresentadoras negras na TV, a única mulher negra a conduzir um debate presidencial, e colecionar algumas conquistas como a primeira isso ou a pioneira naquilo – sempre de forma solitária e opressora nos espaços onde tive a oportunidade de transitar. 

Há décadas, a luta é por igualdade de oportunidades, chances de crescer e de sonhar.

Como embaixadora da Plan International, organização que apoia crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, lido com pesquisas e estudos que nos fazem refletir sobre os avanços da mulher atual e a realidade apresentada pelos dados da infância. E estes números são assustadores: uma a cada cinco meninas já sofreu violência; muitas se sentem punidas por serem meninas; outras, entre seis e 14 anos, já trabalham ou trabalharam, o que significa dizer que são privadas do direito à infância, trocando o lúdico, o didático, pelo laboral. 

Muitas destas meninas, desde cedo, sabem o que está acontecendo e associam as dificuldades ao gênero. Um estudo, também da Plan International, mostra que elas declaram que não gostam de ser meninas, que são mais comprometidas com os afazeres e obrigações domésticas do que os meninos da família e muitas vezes são responsáveis por cuidar dos irmãos e primos.  

Neste ano, a Plan International lançou a pesquisa global “Meninas em espaços de poder – A importância da representatividade”, ouvindo 29 mil meninas e jovens mulheres de 15 a 24 anos, de 29 países no mundo. O estudo mostrou que, no Brasil, apenas 5% das participantes pensam em um dia concorrer à presidência da República, e 11% das entrevistadas pensam em ocupar outros postos no Executivo ou no Legislativo. É importante destacar que, nos dados globais, estes percentuais saltam para 20% e 24%, respectivamente. Uma justificativa para esta diferença talvez esteja em outro dado do mesmo levantamento: 70% das meninas discordam que líderes políticos no país agem em benefício das prioridades de meninas.

Os temas do nosso cotidiano – dos mais pueris aos mais complexos – são definidos no debate público, nas decisões em grupo e no verdadeiro esforço coletivo, evidenciando que o direito à infância não está dissociado da política, e muitas meninas já entendem isso.

* Joyce Ribeiro é jornalista, escritora, apresentadora do “Jornal da Tarde”, pós-graduada em jornalismo econômico e político, e embaixadora da Plan International.
** Este texto é de exclusiva responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Lunetas.

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