Há alguns dias, recebi pelo celular uma lembrança de sete anos atrás de um encontro em família. Na foto estavam minha mãe, tios e tias, minha filha ainda bebê e eu ao lado do meu avô, aos 92 anos. Atualmente, ele e uma das tias não estão mais entre nós. Minha filha, que não se lembrava deles, disse que “gostaria de ter a família completa para sempre”. Depois de um silêncio, me perguntou sem rodeios: “Mamãe, por que a gente morre?”
As conversas sobre a morte com as crianças não precisam de um momento solene. Podem acontecer no cotidiano, a partir de uma foto, como foi por aqui. Quanto mais naturais as respostas, melhor para tirar a morte dos tabus. Por isso, o livro “A morte é assim?: 38 perguntas mortais de meninos e meninas”, recém lançado pela Baião, traz respostas leves e sinceras para adultos e crianças.
O ponto de partida foi o resultado de oficinas com crianças de 5 a 15 anos de diversos lugares do mundo, inclusive do Brasil, a partir da publicação “MORTAL! Propostas vitais para pensar sobre assuntos mortais”. As pesquisadoras Ellen Duthie e Anna Juan Cantavella levaram meninos e meninas a imaginarem e fazerem perguntas sobre a morte.
De questões inquietantes e sinceras a engraçadas, formou-se um mosaico de dúvidas do que elas gostariam de saber. Vale destacar que não é um livro concebido para conversar sobre luto, mas para pensar sobre a morte com naturalidade, como parte do ciclo da vida.
Um convite para crianças e adultos refletirem sobre um assunto inquietante e envolto em tabus. No estilo “tudo o que você gostaria de saber mas não tinha para quem perguntar”, o texto não traz respostas definitivas, e sim caminhos para pensar sobre finitude, em tom leve. As autoras selecionaram 38 questões, ilustradas por Andrea Antinori, como uma amostra das inquietações e curiosidades das crianças. É bem provável que alguma dessas dúvidas já passou pela cabeça dos pequenos e grandes leitores. Todas as respostas são cartas destinada às crianças que fizeram a pergunta, trazendo um tom de proximidade.
Perguntas que abrem conversas
Pode ser doloroso começar uma conversa sobre a morte com as crianças. Além disso, o assunto fica mais delicado quando acontece a perda de alguém querido. Porém, evitar o momento na tentativa de manê-las protegidas pode ser uma escolha conflituosa. O ideal, segundo a psicóloga Ana Lúcia Naletto, é não afastá-las do tema nem tornar um assunto proibido porque é importante saberem desde cedo sobre a finitude.
“Assim como se educa um filho para viver em sociedade, ensinando que é preciso pedir desculpas ou pegar uma fila, também existe o ensino para a morte”, explica a psicóloga. Para ela, “educar as crianças para a morte é educar para a finitude”. Seja de uma vida, de uma ideia ou de um momento.
E se todas as pessoas que convivem com crianças já tiveram – ou terão – de responder questões assim, o livro pode ser um aliado. Com minha filha, depois daquela pergunta, preferi não correr o risco do raso “porque sim”. Essa resposta já vem acompanhada de uma sequência mais complicada de porquês.
Então, peguei o livro e procuramos no índice sua dúvida. Descobrimos que algumas das curiosidades dela eram também as de crianças que participaram do projeto. Essa leitura compartilhada foi como preencher uma lacuna, que muitas vezes deixa famílias e educadores desconcertados. Da mesma forma que nos faz procurar, primeiro, uma resposta para si, para depois conversar com as crianças. Neste dia, encontramos a resposta juntas!
Quais as dúvidas das crianças sobre morte?
No livro, a curiosidade passa por temas científicos, como “se a pele desaparece após morrer”; temas filosóficos, com o clássico “o que existe depois da morte”; e até questões práticas sobre “quem cuida dos filhos quando os pais morrem?”
No início da leitura, as autoras alertam: “Por mais que a gente prometa respostas, o que fizemos foi mergulhar, explorar e nos aprofundar nas possíveis respostas e nas diferentes formas de nos relacionarmos com cada pergunta”. Por isso, não são respostas definitivas, muitas vezes elas devolvem mais perguntas aos leitores.
Esta é uma forma de mostrar que há assuntos que carregam sua dose de mistério e falar sobre eles pode ajudar a aquietar dúvidas. Assim como traz a resposta à questão sobre suicídio, por exemplo: “Existem perguntas que nos acompanham pela vida toda. São perguntas que servem para que os seres humanos tentem entender melhor a si mesmos”.
Confira algumas curiosidades das crianças e trechos das respostas:
Fazeel pergunta: Por que temos de morrer?
“Querido Fazeel, […] como é difícil conviver com a ideia de que vamos morrer um dia! Por que não fazemos o seguinte: vamos tentar imaginar o contrário. Vida eterna para todas e todos! Se não morrêssemos, envelheceríamos? Para sempre? Sendo assim, qual seria a nossa aparência e que qualidade de vida teríamos aos 350 anos? Ou aos mil? Ou pararíamos de envelhecer? Com qual idade? Se o envelhecimento parasse em uma idade específica, qual seria a idade perfeita para permanecer nela para sempre?”
Maily pergunta: Existe uma idade-limite?
“Querida Maily, […] pensando sobre sua resposta, se é possível viver 122 anos, seria possível viver 123? Quem sabe 150? […] Mas o que faz com que o limite máximo seja 150 anos e não duzentos, por exemplo? Parte disso tem a ver com as nossas células, que, ao longo da vida, morrem e se regeneram constantemente. Quando somos jovens e estamos saudáveis, o nosso corpo consegue reparar as células continuamente, mas a cada novo aniversário ou por conta de algumas doenças, as células têm mais trabalho e levam mais tempo para completar essa renovação. Ao chegar aos 120 anos, fica muito difícil para o nosso corpo repará-las. E então nós, seres humanos, feitos de células, morremos. Aí está o limite.”
Zian pergunta: Como vou saber que só dormi, e não que morri?
“Querido Zian, […] Ainda que dormir e morrer sejam coisas muito diferentes, são suficientemente parecidas para que há milênios nós, os seres humanos, tenhamos estabelecido uma ligação na nossa imaginação. Não é coincidência que os deuses gregos do sono (Hipnos) e da morte (Tânatos) fossem irmãos gêmeos. Nem que em muitas religiões se refira à morte como um “sono eterno” ou um “descanso eterno”. Ou que, quando alguém morre, se diga “descanse em paz”. Sabia que a palavra cemitério vem do grego, koimeterion, que significa “lugar para dormir”?”
Michael pergunta: Porque nos incomoda falar sobre morte?
“Querido Michael, agradecemos por essa pergunta tão incômoda! […] Como a sua pergunta sugere, a morte é um assunto tabu. Por que será? Será que é porque falar dela nos faz lembrar que um dia vamos morrer e isso nos assusta? Ou será que nos faz lembrar que as pessoas que amamos um dia podem desaparecer e isso dói? Será que ignorar a morte e fingir que ela não existe nos deixa um pouco mais tranquilos? Como se não falar nunca sobre ela pudesse fazê-la desaparecer (morte? Que morte?). Ou como se falar dela pudesse fazê-la aparecer (aaaaah!)”
Nataly pergunta: Por que algumas pessoas doam órgãos quando morrem?
“Querida Nataly, […] Uma pessoa saudável pode doar, ao morrer (segure firme!): dois rins, um fígado, um coração, dois pulmões, um pâncreas e um intestino; um total de oito órgãos vitais. Uma só pessoa doadora pode salvar a vida de outras oito. Doar órgãos é uma maneira de dar vida de presente e por isso muita gente decide ser doadora. Não é bonito pensar que partes suas, mesmo que você já esteja morta e nem consiga sentir, podem ajudar outras pessoas a continuar vivendo?”