“O que você pediria para o Papai Noel?”, pergunta Lindarci para o sobrinho Miguel. Animado, o menino diz preferir ganhar brinquedos ou doces. Mesmo fazendo parte de uma família que não tem o costume de trocar presentes no Natal, a ideia de ganhar presente de um velhinho vestido de vermelho não parece tão esquisita assim para o garoto de 5 anos.
“Eu não falo com ele do Papai Noel. Ele vê na televisão, nos desenhos, no shopping… Mas, se não ganhar presente do Papai Noel, vai ficar esperando algo que nunca chega?”, comenta Lindarci. Afinal, como a figura do Papai Noel se afastou de um espaço de ludicidade e se transformou em um catalisador de consumo? Faz sentido pensar no Natal como uma data mágica, sem que seja imperativa a troca de presentes?
Origens possíveis de uma tradição
O histórico de generosidade e benevolência construído no ideário popular ao longo dos anos vem de São Nicolau, um herdeiro que, após a morte prematura dos pais, passou a presentear crianças pobres e/ou órfãs. Outra figura que explica a origem do Papai Noel é Odin (ou Wotan), considerado o deus supremo da mitologia nórdica, responsável por presentear as pessoas no Yule, período que celebra o solstício de inverno no hemisfério norte. Ambos são representados como velhinhos com longas barbas brancas; já as roupas vermelhas foram escolhidas mais tarde por uma ação publicitária.
O sincretismo no Natal não para por aí. Na tradição cristã, o dia 25 de dezembro marca o nascimento de Jesus. Para celebrar o menino, os Três Reis Magos (Melchior, Baltasar e Gaspar) o presentearam com ouro, incenso e mirra, uma origem possível para o “hábito” de presentear a família no período natalino.
“Vinculamos a figura do bom velhinho a presentes e esquecemos que a maioria das lembranças que carregamos não são de coisas, e sim de momentos”, pontua a psicóloga Amanda Bachiega. Mesmo em um cenário de crise econômica e fome, uma pesquisa revelou que 56% dos entrevistados pretendem comprar presentes no Natal. Dos 25% que não pretendem realizar compras de Natal, os principais motivos da escolha são não ter dinheiro, falta de costume ou não estar no clima natalino, ainda mais por causa da pandemia.
Um Papai Noel para crianças em vulnerabilidade social
A campanha “Papai Noel dos Correios” existe há mais de 30 anos, recebendo cartinhas de crianças de até 10 anos em situação de vulnerabilidade social, com deficiência e/ou estudantes da rede pública de ensino, até o 5º ano. Estimulando o aprendizado da escrita e o desenvolvimento emocional, a campanha permite que uma criança ganhe um padrinho anônimo, que fica responsável por presenteá-la no Natal. Em contraste com os eletrônicos, que geralmente são os itens mais pedidos, as crianças também listam o desejo de ganhar fraldas, panetone, material escolar, doação de sangue e o fim da covid-19.
“Meus pais nunca permitiram que eu e minha irmã acreditássemos em Papai Noel, porque sempre nos foi passado que o verdadeiro significado do natal é partilha, gratidão e presença”, conta João Pedro Guimarães, 26. A indignação com a realidade do país o levou a apadrinhar uma criança pela primeira vez a quem escolherá um presente este ano.
Redescobrindo natais com mais afeto
Se as crianças pudessem pedir algo para o Papai Noel, quais seriam seus pedidos? “Eu diria pro Papai Noel me dar um tênis muito legal”, conta Nicolas, 10. Já Pablo, 8, gosta de presentes em geral: o importante é ganhar. Quando questionado sobre como reagiria caso o bom velhinho não lhe presenteasse, brinca: “O Papai Noel nunca vai fazer isso comigo”. Mesmo já sabendo que Papai Noel não existe, Pablo percebe que o Natal chegou mais cedo em sua casa por ter ganhado presentes de várias pessoas da família.
Emilly, irmã mais velha e uma das responsáveis de Pablo, considera o Natal uma comemoração que vai além dos presentes: o que importa para ela é reunir a família, viver a “magia” natalina e sentir a nostalgia que a data oferece. Ela revela que essa cultura de presentes na família surgiu de um jeito não muito adequado: “No início, a gente usava aquele tom educativo-punitivo, dizendo ao Pablo coisas como ‘se você bagunçar o Papai Noel não vai te dar presente’”, conta.
Nicolas e Miguel, ao contrário de Pablo, não ganharam nenhum presente de Natal. Não ganhar presente pode gerar muita insatisfação nos pequenos, mas, como analisa Amanda Bachiega, “a ideia de que precisamos de algo é reforçada em datas festivas”. É importante que as crianças estejam cientes sobre o contexto de sua família, para que as expectativas estejam alinhadas ao que cada responsável é capaz de lhes oferecer.
O espírito natalino além dos presentes
“A gente tem que buscar a essência do que é o Natal de fato, que é muito mais um momento de atenção e cuidado do que de gastos”, conta a educadora financeira Gabriella Barros. Indo além da experiência de “abrir um embrulho no dia 24”, por que não criar um presente ao invés de comprar? Um dia no parque com amigos e familiares ou um “vale-brincadeira” são algumas sugestões. “Talvez a criança se frustre em um primeiro momento, mas é importante inserir as crianças no nosso contexto familiar para que elas entendam que nem tudo acontece quando a gente deseja. A gente nunca pode privar as crianças de saberem o que está acontecendo com a nossa família”, reforça.
A psicóloga Amanda Bachiega destaca a importância da sinceridade nas relações intrafamiliares. Explicar o porquê da criança não poder ter aquilo não precisa ser um processo traumático: o caminho é acolher a tristeza do não ganhar presente, permitindo que ela expresse o que está sentindo. Mesmo que não exista Papai Noel fora da imaginação, existem mães, pais, avós, tios e pessoas responsáveis pelos pequenos que podem tornar a realidade da criança mais afetuosa e consciente, dando ao Natal sentidos mais apropriados para suas vivências particulares.
“O Papai Noel personifica uma ideia de amor, generosidade e bondade, e é importante que as crianças possam sentir isso de pessoas reais desde pequenas”
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