Por Camila Hungria
‘Educar para o mundo’é, cada vez mais, um desafio aoseducadores. Isso, também, pelo fato de se tratar uma profissão, a do professor, ainda poucovalorizada: remuneração baixa e estrutura precária para trabalhar dificultamo dia a dia. Apesardisso, projetos e iniciativas pelo Brasil demonstram que a educação pode ser transformadora para adultos e crianças.
Transformação que acontece por meio da troca, e será definida pela qualidade das propostas e relações presentes nessa troca, assim como pelo ambiente onde acontecerá, mas também atrelada à possibilidade do professor, a partir de um olhar empático, criatividade e capacidade de criar sem recursos, muitas vezes, ter autonomia para ser ‘autor’ na escola.
“Qualquer transformação, em termos de qualidade na educação, passa pela qualidade do trabalho do professor”
“O educador tem que estar empoderado o suficiente e ter as condições de trabalho necessárias”, disse Ítalo Dutra, chefe de Educação do Unicef (Fundo das Nações Unidas) para a Infância. O especialista aponta a autonomia como ingrediente fundamental ao bom trabalho do professor.
“O professor precisa ser autor da sua obra, autor da sua prática”
“Estamos muito acostumados a ver aideia de que o professor vai aplicar um material e tudo vai ficar bem. Se o professor não produzir de forma autoral, não adianta”, defende.
Protagonismo também para os bebês
Autonomia para pensar, pesquisar, propor, planejar e implementar mudanças no dia a dia da escola, como fez Denise Rodrigues de Oliveira, educadora da Emei – Escola Municipal de Educação Infantil Floresta Encantada, emNovo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, uma das vencedoras do Prêmio Educador Nota 10de 2017, um dos mais importantes prêmios da educação básica brasileira. E também autonomia para os bebês.
Denisereorganizou o berçário da Emeipara dar aos bebês novas possibilidades de exploração, com menos interferência dos adultos. Ofertandobrinquedos e objetos desafiadores, as crianças tiveram suas possibilidades de descobertas potencializadas.
Além disso, os berços foram tirados da sala, proporcionando aos bebês a possibilidade de adormecer e acordar no seu tempo, movimentar-se ao despertar sem depender das professoras, interagir com os amigos e com o ambiente.
“Percebi na turma do berçário uma grande vontade em movimentarem-se pela sala. Assim, reorganizei estes espaços retirando alguns móveis e materiais, colocando outros e tornando os bebês autores de suas próprias escolhas. O maior ganho para as crianças ao terem mais autonomia foi a interação com os colegas, o sentimento de pertencimento daquele espaço.
“Eles também se sentem mais seguros, felizes e dispostos a participar das propostas oferecidas, assim desenvolvem habilidades desde muito pequenos sozinhos”, contou a educadora
Autonomia para incluir e engajar culturas diferentes
Autonomia no trabalho, também, na opinião do especialista do Unicef é importante para que oeducadorpossa construir e implementar práticas mais inclusivas para todas as crianças.
“Temos a inclusão das crianças com deficiência, mas também das indígenas, temos as crianças nas fronteiras, a LGBTfobia, e também o preconceito com crianças negras na escola”, disse Ítalo.
“Precisamos,de fato, ter um currículo que seja capaz de acolher a diversidade e encarar a inclusão em um formato mais amplo”
Na cidade deCacoal, no estado de Rondônia, Elisângela DellArmelina Suruí, educadora da E.I.E.E.F.M- Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Sertanista Francisco Meireles, outra vencedora do PrêmioEducador nota 10 deste ano, criou um projeto bastante inspirador nesse sentido.Para superar a dificuldade de leitura e escrita dos alunos do 1º a 5º ano do Fundamental, ela engajou as crianças na produção de um novo material didático.
Os alunos de Elisângela são em grande parteindígenas, efalam Paiter Suruí, sua língua materna. Por conta disso,sentiam muita dificuldade tanto para escrever nesse idioma, quanto para entender os materiais didáticos em língua portuguesa adotados pela escola.
A solução encontrada pela educadora para lidar com esse desafio foi envolver as crianças na preparação de um novo caderno de atividades de escrita e leitura todo feito em sua língua materna, estabelecendo relações com a língua portuguesa e com a de sinais, já que também existem muitos surdos entre o Povo Paiter. O projeto foi batizado de“MamugKoeIxoTig”.
“Os alunos desenvolveram uma autonomia na construção do conhecimento, o que refletiu em uma aprendizagem mais significativa”
De acordo com a educadora, o material foi desenvolvido coletivamente por meio de oficinas na escola, mas também na aldeia onde moram as crianças para observar as atividades cotidianas classificadas e identificadas por meio da oralidade.
“Em outros momentos, os alunos mais velhos produziam textos e depois preparavam atividades mais simples para os mais novos”, contou.
Por meio do projeto, o processo de aprendizagem foitransformado tanto para educadora quanto para os educandos.
“Ocorreu uma ressignificação no meu modo de compreender a cultura Paiter Surui, trazendo várias outras possibilidades para desenvolver práticas político-pedagógicas na minha docência. Meus alunos também puderam se identificar dentro desse processo de aprendizagem não só como assimiladores do conhecimento, mas como conhecedores que também têm muito a ensinar”, conclui.