A crise climática já é uma realidade para cerca de 1 bilhão de crianças em todo o mundo: elas convivem com uma combinação mortal de exposição a múltiplos choques climáticos e ambientais com alta vulnerabilidade devido a serviços inadequados, como água e saneamento, saúde e educação.
O alerta é do Fundo da ONU para a Infância (Unicef), que divulgou a primeira análise abrangente sobre os riscos da mudança do clima para crianças e adolescentes, classificando a situação de cada país a partir da exposição de sua juventude a eventos extremos como ciclones e ondas de calor, e a condição e o acesso a serviços essenciais.
O relatório evidencia que a crise climática é uma crise dos direitos das crianças, e os dados científicos dos impactos dessa crise nas crianças mostram a urgência para a tomada de ações efetivas na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 26.
“A mudança climática não é apenas uma questão de ciência atmosférica ou conservação da vegetação, afeta também os direitos humanos“, explica Mary Robinson, autora do livro “Justiça climática – esperança, resiliência e a luta por um futuro sustentável”. Os direitos violados das nossas crianças com a crise climática envolvem o direito à vida, à saúde, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à moradia, à segurança alimentar. Por isso, processos decisórios centrados na proteção ao meio ambiente e nas pessoas, que respeitem os direitos das crianças e sejam justos, são questões de prioridade absoluta.
É urgente a conquista de uma relação sustentável entre a natureza e os seres humanos para o benefício de gerações futuras, incluindo as crianças. Como enfatizou o Secretário Geral da conferência Rio+20, Sha Lukang, “duas décadas não fizeram que o mundo estivesse mais próximo da erradicação da pobreza; pelo contrário, o mundo mergulhou na crise ambiental e na mudança climática.”
“E será essa pobreza ambiental que as gerações futuras irão herdar”
A crise climática é um dos maiores desafios de nossa civilização, afinal cada vez mais pessoas serão vítimas de falta de água, secas prolongadas, enchentes, inundações costeiras, redução na oferta alimentar, danos à saúde, surgimento de novas doenças etc. Fenômenos como chuvas extremas, ondas de calor e aumento na poluição atmosférica já representam uma ameaça global às populações mais vulneráveis, acarretando sérios prejuízos à qualidade de vida dos seres humanos em geral e, em especial, das crianças interseccionados por raça, gênero, classe e ambiente de moradia.
A COP 26, em Glasgow, é o momento para os países atualizarem seus planos de redução das emissões de gases de efeito estufa. Entretanto, os compromissos assumidos em Paris não foram suficientes para limitar o aquecimento global em 1.5ºC, e a janela para alcançar essa meta está se fechando. A década até 2030 será crucial. Assim, os países devem ir muito além para manter viva a esperança de limitar o aumento da temperatura.
“Assegurar um futuro melhor para nossos filhos e gerações futuras requer que os países adotem ações urgentes internamente e em todo o mundo a fim de alterar o curso das mudanças climáticas.” – Boris Johnson, Primeiro Ministro do Reino Unido.
A mudança climática é uma injustiça intergeracional. Como descrito pela Unicef, “embora nenhum menino ou menina seja responsável pelo aumento das temperaturas globais, eles pagarão os custos mais altos. Crianças e adolescentes dos países menos responsáveis serão os que mais sofrerão. Mas ainda há tempo para agir. […] Governos e empresas precisam ouvir as crianças e os adolescentes e priorizar ações que os protejam dos impactos, ao mesmo tempo em que devem acelerar a redução drástica das emissões de gases de efeito estufa”.
Vivemos um momento histórico em que ações e decisões terão impacto direto no futuro das gerações mais jovens que habitam a Terra, além daquelas que ainda estão por nascer. O que está em jogo é a vida humana. Eis por que a COP 26 é importante para garantir efetividade na justiça climática e na prioridade absoluta de todos os direitos das nossas crianças, para que elas possam existir no presente e no futuro.
Os representantes de cada governo são os guardiões do futuro e devem ter como foco as reivindicações do presente, tendo como obrigação frear o uso insustentável de recursos naturais que nos leva à injustiça intergeracional.
Pensar no futuro é pensar nas ações de hoje para que o direito de viver e crescer em um ambiente ecologicamente equilibrado e saudável seja assegurado a todas as crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, como proclama nossa Constituição nos artigos 225 e 227. A COP 26 precisa ser decisiva.
Se as futuras gerações olharão para os tempos atuais com admiração ou desesperança, isso dependerá totalmente da capacidade dos líderes atuais de aproveitar este momento.
* Angela Barbarulo, coordenadora do projeto Justiça Climática e Socioambiental do programa Criança e Natureza do Instituto Alana. Advogada, formada pela PUC/SP e auditora especializada em direito ambiental pelo Institute of Environmental Management & Assessment/UK. MBA em Gestão Ambiental e Mestre em Engenharia e Tecnologia Ambiental pela Universidad de León, Espanha. Membro da Comissão de Meio Ambiente e de Direitos Humanos da OAB/SP.
** Este texto é de exclusiva responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Lunetas.
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O Índice de Risco Climático das Crianças (IRCC) apresentado pela Unicef revela: