Na mesma semana em que a conduta de uma juíza dificultou o acesso ao aborto legal a uma criança de 11 anos violentada sexualmente, chegou a conhecimento público a gestação da atriz Klara Castanho, 21, que teve sua privacidade violada por influenciadores, equipe médica e profissionais de comunicação. Também vítima de violência sexual, Klara optou por entregar para a adoção a criança gerada do estupro. O procedimento é legal e está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), porém não impediu a atriz de sofrer ameaças e julgamentos dos envolvidos no caso.
A possibilidade legal de entregar uma criança para a adoção é conhecida como “Lei da entrega voluntária”, um processo totalmente assistido pela Vara da Infância e da Juventude. O ato não incide em abandono de recém-nascido, que possui pena prevista de 1 a 6 anos.
Apesar do mecanismo visar evitar práticas proibidas, como aborto fora dos casos previstos na lei, abandono de bebês e adoção irregular, a legalidade do procedimento ainda é desconhecida por muitos, sendo adicionado ao ECA apenas em novembro de 2017.
O ato é também uma forma de proteger a criança e garantir seus direitos, como afirma Pedro Hartung, advogado e diretor de políticas e direitos das crianças do Instituto Alana, em manifestação nas suas redes sociais. “Comparar entrega voluntária com abandono de incapaz é, no mínimo, falta de conhecimento com requintes de perversidade; quem entrega para adoção, reconhecendo seus próprios limites e capacidades de cuidado, permite que a criança seja cuidada adequadamente por uma família adotiva.”
ENTREGA VOLUNTÁRIA LEGAL não é crime; é previsão no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para garantir que a criança, se não pode (por qualquer motivo) ser cuidada pela família biológica, possa ser cuidada por uma família adotiva. E mais,👇🧶 https://t.co/YrG65WEZoM
— Pedro Hartung (@HartungPedro) June 26, 2022
Escolher ter ou não um filho é um direito
O caso envolvendo Klara Castanho expõe um profundo desconhecimento do público sobre direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Segundo o Ministério da Saúde, os direitos reprodutivos incidem no poder da decisão, livre e responsável, de querer ou não ter filhos, somada ao direito de acesso à informações, meios, métodos e técnicas para ter ou não crianças. Também é direito exercer a sexualidade e a reprodução livre de discriminação, imposição e violência.
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O que diz o ECA?
Art. 19-A. A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, deve ser encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude (incluído pela Lei nº 13.509, de 2017), sem constrangimento, ou seja, sem pressão ou julgamento de valor negativo por parte dos profissionais envolvidos.
Nos parágrafos subsequentes, destaca-se a garantia do direito ao sigilo do nascimento (parágrafo 9), fazendo com que o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) tenha começado a apurar a violação de sigilo profissional envolvendo a enfermeira que vazou dados da atriz.