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Brasil lidera mortes por covid-19 na faixa etária de 0 a 19 anos

Foto preta e branco de um menino de costas usando uma máscara preta no rosto

Bernardo foi hospitalizado aos quatro meses de vida, em abril. “Não fosse o coronavírus, a gente não teria passado por essa experiência”, lamentam os pais, Fábio de Souza e Jéssica Mendes. A família guardava a quarentena à risca, saindo de casa apenas para ir ao mercado ou receber a entrega de comida no portão. Quando Bernardo persistiu com febre alta, contrataram uma consulta de telemedicina pelo Sabará, hospital infantil na capital paulista, para não expor o bebê à quebra do isolamento. Com suspeita de bronquiolite, o médico solicitou a presença do menino para investigar melhor e realizar os exames protocolares. Resolveram por uma internação preventiva: a respiração dele estava irregular. Bernardo testou positivo para a covid-19.

“A gente se questiona onde errou. É um choque internar um bebê por um vírus que ninguém sabe o que fazer exatamente. Ainda que o quadro dele tenha sido leve, soubemos de outras crianças que precisaram receber oxigênio por cateter e medicação direto na veia. Algumas deixam de mamar e fazer cocô”, relata Jéssica.

Segundo o casal, as enfermeiras destacaram a importância do aleitamento materno exclusivo, que teria sido fator primordial na recuperação de Bernardo. “Mas é preciso seguir a rotina de cuidados. Parece que é um vírus diferente a cada paciente”.

Para a Dra. Evelyn Eisenstein, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), crianças têm melhor prognóstico pelo pronto atendimento, e aconselha pais e responsáveis a procurarem a emergência em caso de suspeitas. “Os pediatras estão extremamente alertas e existem hospitais preparados para receber crianças ”, diz.

A Covid-19 é uma doença também de criança?

A dimensão quase invisível da pandemia ganha contornos reais com depoimentos como o da família do Bernardo. O fato é que pessoas de todas as idades podem ser infectadas pelo novo coronavírus. No entanto, como crianças têm uma probabilidade menor de complicações graves e menos risco de morte, não são consideradas um grupo vulnerável. Além disso, costumam apresentar poucos ou nenhum sintoma, o que as torna importantes vetores de circulação da doença.

Mesmo com essas ressalvas, alguns dados chamam a atenção. No Brasil, já foram registradas pelo menos 131 mortes entre crianças e adolescentes de zero a 19 anos por Covid-19, segundo os dados epidemiológicos divulgados no mais recente boletim do Ministério da Saúde, que consolida dados de 17 a 23 de maio – ou seja, ainda não traz os números atualizados dos últimos 15 dias.

Em relação aos casos confirmados da doença, crianças e adolescentes representam pouco mais de 0,26% do total (916 de 347.398). Embora a incidência da Covid-19 seja menor, o grupo representa 0,59% das 22.013 mortes registradas no país até a data do último boletim oficial. No dia de publicação desta reportagem (5/6), já eram mais de 34 mil mortes.

Se comparamos a situação com outros países, segundo o gráfico da ONU que mede população total versus pirâmide etária, o Brasil lidera o ranking de mortes nesta faixa etária, seguido pelos Estados Unidos. “Ocupamos o terceiro lugar em número total de óbitos no mundo, mas, quando falamos apenas de mortes entre 0 e 19 anos, observando a proporção de uma população um pouco menor que os EUA e uma pirâmide quase igual, estamos na frente”, comenta o Dr. Tadeu Fernando Fernandes, especialista em pediatria da SBP e da Associação Médica Brasileira.

“Não é uma mortalidade alta quando comparamos as mortes pediátricas com os números absolutos do total da população mais afetada, sobretudo adultos maiores de 60 anos e/ou portadores de comorbidades. Há poucos relatos de complicações e hospitalizações e raríssimos casos com desfechos fatais entre crianças”, comenta Tadeu. Contudo, Evelyn alerta: “Os dados no Brasil são pouco confiáveis e até vergonhosos, considerando a complexidade do nosso território”. Sua fala é confirmada por uma pesquisa da Universidade Federal de Pelotas (RS), com o apoio do Ibope, que, a partir de uma amostra nacional, concluiu que a proporção de infectados seria pelo menos sete vezes maior do que dizem os dados oficiais. O achado seria reflexo da subnotificação, mas também de pessoas que não entram para a estatística porque tiveram o vírus sem desenvolver a doença, bem como casos que sequer têm o diagnóstico confirmado por falta de testes.

Sobre o aumento da mortalidade entre os mais jovens, principalmente prematuros, Tadeu reflete que “a maior incidência da Covid-19 nas periferias atinge uma população com deficiências nutricionais, sem um sistema imune responsivo, vivendo em condições precárias e com doenças de base associadas sem tratamento”.

De fato, as desigualdades sociais marcam o Nordeste nesta pandemia. Pernambuco é o Estado com o maior número de casos de morte em crianças, 25 (dados publicados no dia 31 de maio). Para a Dra. Maria Angela Wanderley Rocha, infectologista pediátrica da SBP responsável pela coordenação do Hospital Universitário Oswaldo Cruz de Pernambuco, a preocupação maior está dirigida a crianças com comorbidades devido à baixa imunidade (pacientes oncológicos, cardiopatas, transplantados, entre outras condições). Outro agravante da região seria atribuído ao período de chuvas e à mudança de clima, que aumenta os quadros respiratórios virais que se assemelham ao novo coronavírus neste grupo.

Para saber mais sobre a situação de crianças com o coronavírus no Brasil, indicamos a live de Paulo Focchi, colunista do Lunetas, em conversa com Sabrina Pinheiro, enfermeira da UTI Pediátrica do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (RS).

Por que a Covid-19 afeta menos as crianças?

Embora possam desempenhar papel importante na disseminação do novo coronavírus, crianças sem comorbidades são menos vulneráveis à doença. Há uma explicação médica para a menor chance de infecção: como o sistema imunológico das crianças ainda não está completamente formado, ela apresenta menos receptores e lhes falta um específico chamado ACE2 (enzima conversora da angiotensina-2) para que o vírus acesse as células facilmente e consiga se proliferar.

Outras doenças relacionadas
Possivelmente associados à Covid-19, foram identificados casos de síndrome inflamatória multissistêmica em crianças e adolescentes hospitalizados por manifestações clínicas e alterações de exames laboratoriais compatíveis com síndrome de Kawasaki (que ataca rins, fígado e outros órgãos, sem afetar sistema respiratório). O alerta foi feito pelo Reino Unido, seguido de Espanha, França e Estados Unidos. “Embora indiquem a relação desta pandemia e a infecção pelo SARS-CoV-2 com a alta incidência de uma forma grave da síndrome de resposta inflamatória multissistêmica na faixa etária pediátrica, até o presente momento, as evidências fisiopatológicas são inconclusivas, e não foi possível estabelecer uma relação causa-efeito”, comenta Tadeu.

É hora de voltar à “normalidade”?

O isolamento social segue sendo a medida preventiva mais indicada por unanimidade entre os especialistas consultados. “Com as crianças em casa as chances de infecções respiratórias são menores. Elas ficam mais protegidas”, pondera Evelyn.

Apesar da gravidade da crise sanitária, inclusive afetando crianças, existe uma pressão em curso para voltar às aulas presenciais ainda durante a presença do novo coronavírus em nosso meio. Evelyn desaconselha fortemente o retorno até pelo menos final de agosto ou até que acabe o inverno.

Tadeu lembra que a suspensão das aulas é parte da estratégia restritiva de controle, pois “o distanciamento social tem sido ferramenta crucial na redução da transmissão do vírus na comunidade”. Para ele, “a volta às aulas deve ser gradual, de forma cautelosa, incluindo todas as precauções possíveis para minimizar a disseminação da infecção pelo SARS-CoV-2 nas escolas”.

Segundo recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria, o relaxamento das medidas de distanciamento deve ser avaliado em cada município ou estado, em função de dados epidemiológicos e recursos de saúde disponíveis para o atendimento de novos casos, podendo ser restabelecidas as medidas restritivas se necessário.

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