Caro eleitor e cara eleitora deste país, em ano de eleições no Brasil, eu peço a sua permissão para conversarmos aqui sobre algo que nos interessa como seres humanos. Eu imagino que você está com muitos compromissos, apenas correndo e dando uma olhada nas inúmeras notificações de redes sociais a que somos chamados a atender todos os dias.
“Eu lhe prometo que a leitura desta carta será breve, e que pode ser útil para algo em que você acredita”
Nas últimas horas, nós estamos recebendo notícias sobre a nova política de imigração do governo norte-americano, em que milhares de crianças já foram separadas de seus pais, com a justificativa de ser uma coação ao ato infracional da imigração clandestina. Há áudios sendo compartilhados, são chocantes para quem assiste e consegue minimamente colocar-se no lugar de uma criança que fica órfã de pais vivos.
“O choro desesperado dessas crianças dilacera nossa esperança no humano, algo em nós se quebra”
Um lugar muito especial de nossas almas se deprime, os olhos choram com lágrimas secas de estarrecimento. Se você não consegue sentir algo desta ordem por ter acesso a estas notícias, eu lhe convido a escutar estes áudios. Busque na internet, vai encontrá-los facilmente.
Mas quero fazer um adendo, antes que você clique na lupa de busca. Quero lhe fazer um convite. Lembre-se de você com esta idade. Você aos seis, sete, oito anos. Quem era você? Que pensamentos você tinha sobre a vida? Como as suas brincadeiras definiam o que você pensava e sentia sobre a vida? Quais eram os seus heróis? Em que lugar estavam as pessoas mais importantes da sua vida?
Se você não considera ter tido pai ou mãe protetores, troque estas palavras pelo nome daquela pessoa que lhe ofertava segurança emocional. Em cujo olhar, abraço ou palavra você encontrava o retorno ao ninho em tantas aflições da vida. Em cujo colo você chorou as dores daquela época. Pense nesta pessoa ao escutar estes áudios. Imagine-se ali, você, inerte, sem poder algum para evitar o descalabro, sem forças para inventar uma história fantástica que convença a polícia a não deter seus pais.
“Assombrada pelo poder da vida real, cruel, em que parece que o mau triunfa. Como uma criança pode viver uma cena assim?”
O que pode lhe acontecer? O que você acha que passaria a achar da vida, do mundo, do ser humano? Que tipo de sentimentos passariam a habitar o seu coração? E como seria o seu desenvolvimento? Que caminho você escolheria para você na vida?
Sinta esta cena inominável como sua. Porque todas e todos nós estamos imersos neste horror – uma vez que o mundo que está sendo construído para estas crianças traumatizadas é o mesmo em que, do lado de cá do Atlântico, aparentemente, estamos salvos e liberados para comprar uma vuvuzela e torcer por alguém na Copa do Mundo.Esta cena nos pertence. Este mundo já é. Ele está acontecendo. Não importa a quantos milhares de quilômetros ele exista.
“Se existe possibilidade de algo assim acontecer, todas e todos nós somos responsáveis por construirmos juntos a sua antítese”
Um novo holocausto se apresenta diante de nossos horrores. Trump é o novo Hitler. Ele encontra justificativas (todas absurdas) para a violação absoluta da dignificação da infância, da preservação da saúde infantil e familiar, e da construção de alguma esperança na humanidade. Há tantos outros crimes contra a humanidade acontecendo, eu sei. Mas quero colocar negrito, itálico e sublinhado neste.
Por uma razão: há, entre nós, alguém que compartilha destes mesmos ideais. Há, aqui, em nossa pátria, gente nada gentil que admire o Trump como se seu Mestre fosse. Este tipo de candidato tem feito do nosso país um rastilho da pólvora do seu ódio contra o humano. Este tipo de pessoa, completamente dissociado de qualquer preocupação empática com quem precisa ser protegido, infelizmente tem conseguido visibilidade para disseminar o ódio e a aniquilação como alternativas para um povo em sofrimento.
“Enquanto você escuta os áudios das crianças imigrantes separadas de seus pais na fronteira americana, volte a quem você era aos seis anos ou um pouco mais”
É com este coração que eu lhe peço para sentir a barbárie. Sabe, muitos de nós adultos deixamos de lado a capacidade de sentir, porque nos dizem que esta é a forma de nos adaptarmos melhor ao mundo. A partir destas cenas, eu passo a defender uma coisa que pode parecer um grande espanto, mas nada menos assombroso que nossos tempos tortos:
Na hora de escolher em quem votar, temos que voltar a sentir o mundo e a vida como uma criança de seis anos que perde a mãe e o pai, diante dos seus olhos, por uma determinação política e policial. Nosso voto precisa ser sentido a partir deste lugar de existência infantil, porque só assim poderemos entender verdadeiramente o que estamos prestes a construir como nação.
Em quem você está pensando em votar para presidente? O que o seu candidato pensa sobre a forma de Donald Trump governar o país?
“Qual a sua responsabilidade, como eleitor, em contribuir para a disseminação do ódio que pode destruir crianças, famílias e toda uma geração?”
Muito obrigado por ter chegado até aqui, nesta leitura. Agora, você pode voltar a brincar, já que, aos seis anos de idade, só a fantasia pode lhe salvar do horror que se apresenta diante de seus olhos. Venha cá, me dê um abraço. Pode ser que você tenha tido pouco disso nesta vida. Pode ser que seus pais não tenham lhe ofertado o que você precisasse, porque tampouco eles tiveram para si próprios. Pode ser que você tenha tido uma história de dor e sofrimento, que foram construindo amargura e raiva. Eu consigo entender. Mas agora que você pode sentir um pouco do que estas crianças sentiram, respire e analise o seu voto. Eu tenho certeza que você não quer que o seu país seja o lugar da morte, em vida, da infância e da possibilidade de um futuro para as crianças.
Todo amor do mundo para você neste abraço aqui.
Até sempre,
Alexandre Coimbra Amaral, psicólogo