Há muitas palavras a serem inventadas para que possamos definir com alguma precisão estes tempos novos em que estamos. Pensemos juntos numa primeira metáfora: as redes sociais, nossas maiores paixões compulsivas, por quem nutrimos uma mistura de fixação e ódio, chegaram prometendo a conexão universal entre os povos.
Para muito aquém deste objetivo magnânimo, nossas mãos sustentam, trêmulas, ataques diários entre pessoas íntimas que costumavam andar juntas, transcendendo em algum nível as diferenças. São nossos familiares, amigos e amigas da velha infância, que por qualquer deslize semântico se transformam em uma categoria ideológica odiável e bloqueável. Basta uma palavra mal dita, e nossos antigos afetos caem na vala irreparável dos malditos da pós-verdade.
Esta cena, tão cotidiana quanto universal, é uma amostra de um caleidoscópio de afetos fraturados, que temos tido que colecionar em série. Uma espécie de avesso do álbum de figurinhas da copa, em que vamos recortando as carinhas que facilmente não mais dialogam com nossas formas de estar no mundo. Você já fez uma análise afetiva de como você se sente diante destas páginas da vida, esburacadas de memórias profanas? O efeito desta facilidade que temos em bloquear, excluir e satanizar gente que fez e faz parte de quem somos?
Não aprendemos a pedir desculpas, acreditamos que a vulnerabilidade somente nos expõe
Não, a condescendência absoluta tampouco parece ser o caminho de uma vida que valha a pena ser vivida. Das maiores benesses de nossos dias está a liberdade para expressarmos o repúdio a qualquer ação abusiva, aquelas que nos deixam num mar de humilhação, vergonha e medo – mas delas eu falarei mais detalhadamente em outro texto desta coluna.
Falo dos amores que se esvaem como líquido, escorrendo por entre os dedos que se movem, frenéticos, nos teclados das redes sociais que amam odiar. Falo da facilidade com que expurgamos as pessoas que figuraram nas cenas mais importantes de nossa história. Falo da época em que os laços afetivos têm tudo para serem efêmeros. Longevizar amores é ato de transpiração, de tolerância à frustração e de abertura para a reparação de quebras nos vínculos.
A cultura autoritária de onde viemos e, infelizmente, onde ainda estamos, acredita mais no rompimento que na reparação. Não aprendemos a pedir desculpas, acreditamos que a vulnerabilidade somente nos expõe. Outra coisa que não nos ensinaram: quando nos abrimos para reparar as feridas das relações com aqueles que nos importam, estamos tirando o amor do lugar de conceito abstrato e fazendo dele a pragmática do cotidiano.
Em tempos estranhos, em que o ódio é o atalho mais fácil diante de uma tensão qualquer, poderíamos fazer uma marcha pelo desvio que escolhemos como caminho: o amor subversivo. Um amor sem pressa de acabar, insistente, que só quer aprender a romper as dicotomias e abraçar a diferença. Falar de amor, hoje, é um ato político, que desarma ao invés de armar. Amar para não armar. Amar, fundamento do humano. Amar, verbo que emoldura a função de estarmos vivos.
A cultura autoritária de onde viemos e, infelizmente, onde ainda estamos, acredita mais no rompimento que na reparação
Esta coluna será sempre este manifesto subversivo. Estas linhas lhe convidarão a falar, pensar, sentir e fazer do amor uma ação libertária. Falaremos de relacionamentos íntimos, familiares, fraternos e da nossa imensa capacidade de tomar posse da vida em primeira pessoa.
E que pessoas. As pessoas que no fundo sempre quisemos ser, operárias de um mundo novo, em que o amor não seja nunca uma palavra piegas, e garanta nas relações humanas o seu lugar de honra: o de oxigênio, marco zero e último, do nascimento à morte.