Desde o anúncio da PEC (Proposta de emenda à Constituição) da Reforma da Previdência, por parte do Governo Temer, em dezembro, o Brasil está em clima de convulsão social.
A medida, que eleva o tempo mínimo de contribuição em carteira de 15 para 25 anos e fixa a idade mínima para requerer a aposentadoria em 65 anos, é especialmente prejudicial às trabalhadoras mulheres e têm impacto ainda maior sobre as mães, segundo as fontes que entrevistamos para esta matéria.
Para os especialistas, um dos principais argumentos de defesa do projeto, por parte do Governo, é também a sua grande incoerência: a generalização e a homogeneização da população brasileira. Ao propor uma Reforma “para todos”, o Governo não leva em conta centenas de indicadores sociais sobre a desigualdade de gênero – o estudo Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, divulgado no último dia 6 de março, aponta que as mulheres não descansam mesmo quando estão em casa: mais de 90% declararam realizar trabalho doméstico, em oposição a 50% dos homens; clique aqui para acessar a pesquisa.
Além disso, a proposta deixa de lado a diferença fundamental entre igualdade e equidade. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) – a jornada de trabalho da mulher (incluindo os afazeres domésticos) é de 55 horas, enquanto a do homem é de 50. Isso significa que as mulheres, mesmo tendo jornadas duplas e triplas, terão de trabalhar cinco anos a mais para ter o direito de se aposentar.
Além disso, há que se considerar o quanto as mulheres vivem no Brasil. Segundo a pesquisa “Retratos da Desigualdade”, do IPEA, enquanto as mulheres brancas têm a expectativa de vida em 73,8 anos, as mulheres negras têm esta expectativa reduzida para 69,5 anos.
Por esse motivo, para a pesquisadora em Antropologia Juliana Borges, em artigo publicado na revista Carta Capital, “a proposta de Reforma da Previdência poderia ser sintetizada como o fim do acesso à aposentadoria pela maioria trabalhadora, e negra, da população”.
Reforma Previdenciária x Maternidade
“Esse é um tema delicado, porque o cuidado com os filhos é entendido como responsabilidade só das mães. O Estado e o pai ainda são secundarizados no processo de educação e cuidado”, explica Nalu Faria, coordenadora da Marcha Mundial das Mulheres e da Frente Brasil Popular.
Nalu ressalta a desigualdade evidente na divisão sexual do trabalho. A conclusão, portanto, é que somente as pessoas mais estruturadas no mercado de trabalho conseguirão alcançar o direito à aposentadoria.
“Filhos influenciam muito no trabalho das mães. Demandam muitos cuidados que colocam essas mulheres em jornadas exaustivas em casa. Ou seja, quantos mais filhos a mulher tem, mais tempo ela despende com os cuidados, causando um impacto grande na sua inserção no mundo do trabalho, na sua disponibilidade, na sua mobilidade, principalmente, se considerarmos, que no Brasil existe o problema da ausência de creches”, afirma.
“Quando há creches, as mães têm uma autonomia maior. Por isso, a maternidade tem muito a ver com a reforma da previdência e trabalhista”
Nalu aponta também para a relação direta entre a maternidade com o caráter instável do trabalho, o que é levado em consideração nesta nova proposta previdenciária. “As mulheres mães têm mais intermitência em emprego, e, portanto, na contribuição. A proposta da PEC não considera que a licença-maternidade conte para a aposentadoria. O impacto é grande, considerando as condições e os direitos que as mulheres não têm assegurados pelas políticas públicas e sociais para cuidar dos filhos.
Para a professora e linguista Danyelle de Oliveira Santos, autora do blog Quartinho da Dany, uma política feita majoritariamente por homens (na comissão da proposta, há apenas duas mulheres, sendo só uma delas titular) não pode contemplar os direitos das mulheres.
“Homens não estão interessados em perder o privilégio de serem servidos e cuidados por suas mães, mulheres e até filhas. Para eles, é interessante que mulheres continuem ganhando menos, dependendo deles financeiramente e que permaneçam responsáveis pela criação das crianças. Afinal, mulher no poder e em cargos de autoridade significa homens tendo que adentrar um campo nunca habitado por eles pela falta de interesse: o campo do trabalho doméstico, de cuidar dos filhos e da casa”, explica.
“Equidade entre homens e mulheres, para eles, representa perder vantagens e controle sobre as mulheres”
Conversamos também com o advogado Caio Ferri, para entender os impactos da reforma do ponto de vista legal. “A reforma da previdência significa trabalhar mais; no caso das mulheres, a crítica levantada é que elas serão ainda mais afetadas que os homens, pois a mulher que trabalha – em regra – também cuida da casa e dos filhos (dupla jornada). É dizer: além de ter que executar serviços domésticos, as trabalhadoras verão aumentado seu tempo de contribuição para a previdência”.
Ferri faz uma ressalva também à incoerência da proposta, destacada no início desta matéria. “É interessante ressaltar que a Constituição diz que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, mas que a carta política também traz diferença no tempo de contribuição (35 para homens, 30 para mulheres) – tudo por razões definidas com base na realidade da dupla jornada da mulher”.
Outro argumento central da defesa do Governo é de ordem econômica: a Reforma teria o papel de minimizar o rombo no orçamento. Diante disso, o advogado conclui que a PEC é extremamente negativa, ainda que uma Reforma no sistema previdenciário seja fundamental para minimizar o déficit público do INSS – para 2017, ele está previsto em R$ 181,2 bilhões .
“É difícil falar em benefícios da reforma; é complicado inserir qualquer palavra positiva neste contexto. A verdade é que é preciso se estabelecer duas coisas: 1. a reforma é ruim e 2. não tem saída viável para a previdência sem que se realize a tal reforma”
O que fazer, então?
Segundo o advogado, há outras saídas para o rombo da previdência que afetariam menos as pessoas.
“Há outras formas de solucionar o problema e que não foram cogitado. Por exemplo, a instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) – previsto na Constituição e nunca lembrado por nenhum político – exceto Luciana Genro, que eu me lembre. A instituição do IGF não seria viável politicamente, por isso disse que essa reforma é a única viável, é a única que é capaz de “passar” no Congresso.
No dia 31 de março, a Frente Brasil Popular mobiliza uma manifestação geral em todo o Brasil, com o mote “Se você não lutar, sua aposentadoria vai acabar”. Clique aqui para saber mais.
Em tramitação na Câmara, a PEC estabelece um prazo máximo de seis meses para que os Estados e municípios promovam mudanças antes que a proposta seja enviada ao Congresso. Porém, Temer afirmou que não cederá a apelos para mexer nem na idade mínima para aposentadoria nem nas regras de transição.
Quanto tempo homens e mulheres com filhos gastam com tarefas domésticas?
Homens: 1h 30min
Mulheres: 4h 12min
Quanto tempo homens e mulheres em situação de extrema pobreza gastam com tarefas domésticas?
Homens: 1h 45min
Mulheres: 4h 32min
(Fonte: IBGE)