Visualize esta cena de uma conversa entre duas mulheres grávidas:
– Oie! Que grande está essa barriga, hein?! Para quando é seu bebê?
– Para o final de julho, e o seu?
– Para o dia 28 de setembro
– E como será seu parto ?
– Escolhi um parto humanizado
A que a expressão parto humanizado pode remeter? Muita gente entende que, para se ter um parto humanizado é preciso o combo: “médico particular + parto na banheira + parto domiciliar”. Na verdade, não é bem assim.
De acordo com o obstetra Alberto Guimarães o atendimento humanizado é um desafio atualmente, pois é necessário que se desconstrua todo um modelo de assistência. Guimarães lidera o Programa Parto Sem Medo, modelo de assistência à parturiente que defende que o parto é um procedimento pelo qual a mulher e o bebê devem ser os protagonistas.
Segundo o médico, “parto humanizado”, é um termo do usado apenas no Brasil. “Talvez ele venha para fazer uma contraposição do parto visto até então como um procedimento médico. Esse parto instrumentalizado, onde basicamente as decisões da internação, jejum, soro e da própria cirurgia ficam à cargo do médico. Portanto, humanizar é inserir a mulher no contexto de assistência. Afinal, é ela quem está grávida, ela quem vai passar pela experiência, ela que vai parir”.
Uma cirurgia cesariana, se for indicada com base em evidências científicas, pode ser humanizada? Pode e deve
Existem alguns procedimentos que podem ser adotadas para tornar a cirurgia menos mecânica e mais humana e acolhedora. Na opinião do obstetra Alberto Guimarães, “a sala de cirurgia deve ter pouca luz, o médico deve ter cuidado com a temperatura do ambiente, o bebê deve ir direto para o colo mãe. Deve se esperar um tempo mínimo de ligadura do cordão. Tudo isso a gente pensando que é uma mulher que estava em trabalho de parto e que houve uma indicação de cesárea durante o trabalho de parto”.
Bebês nascidos antes do trabalho de parto espontâneo estão mais sujeitos a problemas de saúde
Estudos conduzidos nos últimos anos mostram que cada semana a mais de gestação aumenta as chances de o bebê nascer saudável, mesmo quando não há mais risco de prematuridade. As últimas semanas de gestação permitem maior ganho de peso, maturidade cerebral e pulmonar.
Segundo a pesquisa Nascer no Brasil, realizada em 2012, 35% dos bebês analisados nasceram entre a 37ª e a 38ª semana de gestação. Embora não sejam consideradas prematuras, estudos demonstram que essas crianças – aparentemente saudáveis – são mais frequentemente internadas em UTI neonatal, apresentam problemas respiratórios, maior risco de mortalidade e déficit de crescimento.
A gestora cultural Renata Amaral passou por duas cirurgias cesarianas com um atendimento humanizado e acolhedor.
“Eu estava preparada para o parto normal, mas o tratamento, humano e respeitoso me ajudou a superar esse momento”, compartilhou.
Renata é mãe dos pequenos Tarsila, de nove anos, e do Gael, de dois anos e sete meses. Os dois nasceram no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo e ela conta que todo o pré natal foi conduzido de forma acolhedora.
“Meu companheiro pode me acompanhar desde o primeiro momento. O Gael nasceu, e ficou em meus braços desde o momento que saiu da barriga. A equipe sempre atenciosa, me tratando pelo nome e me ajudando na respiração e na condução do processo. Foram equipes diferentes, com seis anos de diferença, e apesar de ter sido cesárea (e não ter sido minha primeira opção de parto), me senti muito acolhida por todos”, conta Renata.
“Sonharam um parto e aconteceu outro. Precisamos ser acolhidas”
Condições para que o parto seja considerado humanizado
- O ambiente deve permitir que a mulher participe das decisões que dizem respeito a si e a seu bebê;
- Todo o processo deve ser colaborativo, envolvendo médicos obstetras, obstetrizes, enfermeiras, doulas e outros profissionais;
- A presença de acompanhante de escolha da mulher, prevista em lei, deve ser garantida;
- Os cuidados prestados pelos profissionais de saúde devem estar baseados em evidências científicas e ser compatíveis com a cultura local, como é o caso, por exemplo, do trabalho com populações indígenas
Vale lembrar que o Brasil é o segundo país do mundo em percentual de cesarianas chegando a 85% na rede privada. A OMS – Organização Mundial de Saúde – recomenda que este número não ultrapasse o índice de 15%. Segundo o pesquisador Cesar Victora, grande parte das cesarianas é realizada em situações de baixo risco, em que a cirurgia não seria indicada. Dados do Ministério da Saúde indicam que a cesárea sem indicação médica aumenta aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte materna; A obstetra Melania Morim listou motivos reais e fictícios para indicação de uma cesariana.
Toda mulher deve conhecer seus direitos, garantidos por lei
Todos os hospitais da rede pública possuem uma ouvidoria, nos casos que a pessoa não foi atendida adequadamente ela pode procurar esse setor. E mesmo assim o obstetra Alberto Guimarães alerta: “é interessante uma antecipação de qualquer problema futuro. É legal fazer uma visita no pré-natal à maternidade, conhecer os trâmites, os caminhos, onde é o local de internação, o caminho que será percorrido neste período ajuda bastante”, orienta o médico.
Toda gestante tem o direito de fazer um documento chamado plano de parto. Nela, a mulher registra seus desejos e o modo como decide ter o seu bebê. Esse documento pode adquirir um caráter oficial, se protocolado no hospital onde o parto acontecerá. Clique aqui e saiba tudo sobre ele.