“Eu queria e consegui ter um parto natural, mas, no hospital, quando falei com a médica plantonista, ela fui super grosseira comigo. Eu disse que não queria nenhum tipo de intervenção, e ela disse que não era a minha vontade que contava, e sim a experiência dela”, diz Silvana Ribeiro Pires, mãe do Samuel, de um ano e dois meses.
Helena Gaia, que é mãe da Dora, de dois anos e dois meses, tem uma história parecida: “A plantonista me tratou super mal quando eu cheguei, falando que eu tinha ultrapassado qualquer limite do aceitável”.
As duas mães, Helena e Silvana, em seus relatos, mostram sensivelmente a falta de respeito e cuidado com que foram atendidas no hospital durante o trabalho de parto.
Fica a pergunta: num momento de fragilidade, no trabalho de parto, como a mulher pode fazer prevalecer suas vontades em relação ao parto de seu bebê? A resposta para essa pergunta é o Plano de Parto.
O que é um Plano de Parto?
Basicamente, o Plano Pessoal de Parto é um documento elaborado pela mulher gestante, no qual ela registra seus desejos e o modo como decide ter o seu bebê. Esse documento pode adquirir um caráter oficial, se protocolado no hospital onde o parto acontecerá.
“O código de ética médica proíbe que o médico faça qualquer procedimento sem a prévia autorização da mulher. Quando você tem um plano pessoal protocolado, você está avisando o que não quer que seja feito”, explica Ana Lúcia Keunecke, advogada e integrante do Colegiado da ReHuNa.
O plano de parto é uma garantia para a mulher pois, além de prevenir a execução de alguns procedimentos contra a sua vontade, ele também é uma prova legal de que algum procedimento foi realizado sem consentimento.
Que informações constarão no Plano de Parto?
No plano de parto, a mulher vai detalhar ponto por ponto o que autoriza e o que não autoriza durante o trabalho de parto e parto.
O Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) disponibilizou um modelo de Plano de Parto que pode ser baixado pela internet. Entre os itens que a mulher pode colocar em seu plano de parto estão:
- Exijo liberdade para caminhar e mudar de posição.
- Desejo um parto sem perfusão contínua de soro.
- Desejo ouvir música e um ambiente com pouca luminosidade.
- Desautorizo a raspagem dos meus pelos pubianos e a realização de lavagem intestinal.
- Desejo que medicação ou analgesia para o alívio da dor seja administrada apenas se eu solicitar.
- Desejo liberdade para beber água, sucos ou chás e comer alimentos leves.
- Desejo que os batimentos cardíacos do meu bebê sejam monitorados, mas não de forma contínua.
- Desejo usar supositório de glicerina para evitar a saída de fezes no momento do parto.
- Não autorizo o uso de ocitocina para indução ou aceleração do trabalho de parto ou de outro método, como o rompimento artificial da bolsa de água, salvo em situações em que a equipe de saúde verifique algum sinal ou sintoma que coloque em risco a minha vida, do meu bebê, ou de ambos.
- Desejo acesso para o uso de banheira e/ou chuveiro, massagens, exercícios de relaxamento e outros métodos não medicamentosos para alívio da dor.
- Exijo ter liberdade para escolher a posição do parto mais confortável para mim.
- Desejo que o ar condicionado seja desligado momentos antes do nascimento.
- A episiotomia (corte na vagina) só poderá ser realizada em caso de estrita necessidade, após as devidas explicações e o meu consentimento.
- Desautorizo qualquer manobra para forçar desnecessariamente a saída do meu bebê (empurrar minha barriga).
- Desejo que quando o meu bebê nascer seja imediatamente colocado sobre o meu corpo, em contato direto com a minha pele, antes mesmo do corte do cordão umbilical.
- Exijo que o meu bebê permaneça comigo já na saída da sala de parto e que assim permaneça até a alta hospitalar.
- Desejo que a placenta seja expelida de forma espontânea.
- O cordão umbilical só poderá ser cortado depois que parar de pulsar. Esse procedimento deverá ser feito por: Mim mesma ; Pelo companheiro(a) ; Pelo profissional de saúde ; Outros
- Exijo ser informada sobre todos os procedimentos que serão realizados no bebê.
- Quero que se evite o banho do meu bebê nas suas primeiras horas de vida.
- Meu bebê tem o direito de fazer a amamentação sob livre demanda.
- Em hipótese alguma deve ser oferecido água glicosada, fórmula láctea ou chupetas/bicos.
- Estou ciente que 75% de todos os partos podem ser normais.
- Mas sei também que, quando corretamente indicada, a cesariana pode salvar vidas. Caso durante o trabalho de parto, ou mesmo parto, a equipe de saúde verifique algum sinal ou sintoma que coloque em risco a minha vida, do meu bebê, ou de ambos, exijo que todas as explicações me sejam dadas tendo como base as evidências científicas que justificam a parto operatório (cesariana).
“Na hora de parir, as mulheres são colocadas na posição deitada, ginecológica, uma das mais difíceis para o parto. Às vezes não deixam ela andar e se alimentar. Há muitas coisas que a OMS -Organização Mundial da Saúde – recomenda que não se faça, mas que ainda são práticas comuns por preconceito, por exemplo: não precisa da raspagem ou da lavagem do intestino”, aponta Ana Lúcia, advogada especialista em direitos da mulher.
O hospital ou o médico podem não cumprir o Plano de Parto?
“A única coisa que o hospital pode fazer para não cumprir o Plano de Parto é comprovar que o procedimento realizado no corpo da mulher foi necessário para salvar a sua vida”
Episiotomia não salva vidas. Se não for possível comprovar o procedimento médico como um procedimento para salvar a vida da mulher, trata-se de um caso de violência obstétrica, e a mulher pode entrar com uma ação criminal, reclamar na Secretaria de Saúde ou entrar com processo no Ministério Público”, aponta a advogada.
Contudo, a especialista alerta para os “Planos de Parto padrão”, que muitos hospitais pedem para as mulheres assinarem no lugar de protocolarem seus planos de parto pessoais.
“O hospital não pode se recusar a aceitar o plano de parto, mas alguns fazem isso. Quando não aceitam, eles querem que a mulher assine o plano de parto modelo de adesão, que permite que se faça tudo com o corpo da mulher”, explica.
E se o hospital não quiser aceitar meu Plano de Parto?
A advogada explica que, caso a instituição de saúde se recuse a aceitar o plano de parto da mulher, o caminho possível é procurar a Defensoria Pública e fazer uma notificação.
“Para fazer isso, basta ligar e informar no momento da triagem que o hospital não aceitou o Plano de Parto, que a defensoria entrará em contato com o hospital. Assim, você terá uma prova de que o documento foi enviado e que o hospital estava ciente do plano de parto”.
É importante saber que o Plano de Parto é um documento que precisa começar a ser pensado e no começo da gestação
A importância de ter um Plano B
A Helena, mãe da Dora, planejou ter sua bebê em uma Casa de Parto, onde fez um Plano de Parto. Mas, por força das circunstâncias da vida, teve sua filha no hospital, com uma médica plantonista.
“Eu estava com 41 semanas e quatro dias de gestação e bolsa rompida há 15 horas, e eles nem quiseram olhar o meu plano de parto. Eu olhei bem para cara dela [a médica plantonista] e falei ‘eu quero que você faça um cardiotoco e se ela tiver bem, quero parto normal”.
A bebê estava bem, e Helena teve sua filha após algumas horas por um parto normal, como era o seu desejo. Apesar disso, ela reconhece que foi vítima da violência obstétrica.
“Graças à minha força eu não fui para uma cesárea”, conta Helena
Embora ela tivesse feito um plano de parto no local onde pretendia ter sua filha, ela não estava com o seu “Plano B”, devidamente estruturado, não tinha protocolado esse plano no hospital, onde, de fato, o parto aconteceu.
Então, caso a mulher opte por ter seu filho em uma casa de parto, ou até mesmo em sua casa, também é importante protocolar com antecedência o Plano de Parto no hospital para onde será levada caso seja necessário. Esse plano “B” bem planejado e resolvido pode poupar a mulher de muitos aborrecimentos.
Informação livre e esclarecida que empodera a mulher
Ao fazer o Plano de Parto, a mulher também está se apropriando do processo, entendendo o que acontecerá, o que significa cada procedimento e quais as vantagens e desvantagens dos mesmos. “Falei com a médica que sabia dos meus direitos, que sabia que a minha vontade deveria ser respeitada por lei”, relatou Silvana.
Silvana e Helena tiveram seus bebês por meio de um parto normal, como era o seu desejo anterior, e a história dessas duas mães se aproxima em mais um aspecto: ambas conheciam seus direitos, estavam devidamente informadas sobre os procedimentos médicos, as indicações reais para uma cesárea e, sabendo também que seus bebês não estavam em risco, conseguiram fazer valer sua vontade em detrimento da intenção dos médicos que as atenderam.
“O Plano de Parto deve ser feito sempre com a informação livre e esclarecida. Ninguém e nem nenhum profissional de saúde pode fazer nenhum procedimento no corpo da mulher sem a sua prévia autorização, e sem que a sua autorização venha por conta de uma informação livre e esclarecida. Ou seja, sabendo os prós e contras”, Ana Luiza.
“A mulher precisa se apropriar de cada etapa e entender exatamente como quer que seja conduzido o parto, para ser protagonista da sua história, do seu parto”, finaliza Helena.
Já tem o seu Plano de Parto? Acesse um modelo e veja como fazer.
Plano de Parto “Trata-se de um documento que garante à mulher o direito de exercer um direito que ela já tem, e lhe é tirado pela sociedade”, disse a advogada