Paulo Tatit: num país desigual, uma infância plena é quase utopia

A dupla Palavra Cantada canta a infância de muitas perspectivas: o desfralde, a primeira palavra, a imaginação. Conversamos com Paulo Tatit sobre isso tudo.

Renata Penzani Publicado em 17.10.2017
Foto mostra duas pessoas, uma mulher e um homem. Ao lado esquerdo uma mulher, de cabelo encaracolado vermelho, dança usando um vestido rosa. Ao lado direito um homem, de cabelo grisalho, posa para foto vestindo uma camisa roxa, óculos de sol e blazer verde.

Resumo

O que é ser criança para a Palavra Cantada? Foi a pergunta que fizemos. Do alto da experiência adquirida por quem dedica sua criação artística a elas há mais de duas décadas, Paulo Tatit diz sem titubear: "é a melhor fase da vida".

Eles estão na estrada desde 1994, cantando e tocando para crianças de todos os tamanhos; tanto que apresentá-los é quase redundância. A dupla musical infantil Palavra Cantada, formada por Paulo Tatit e Sandra Peres, há tanto tempo é habitada pelas infâncias do Brasil todo que é impossível não querer saber o que aprenderam com as crianças, como foram afetados por todas essas poéticas de infância que estão acostumados a ver em seus shows, bate-papos e aproximações com a criança.

Conversamos com alguns artistas para conhecer de perto sua visão sobre infância, para além do que nos mostram em seu trabalho. Depois da entrevista com Tom Zé, que acaba de lançar seu primeiro álbum dedicado às crianças, agora é a vez da Palavra Cantada compartilhar seu olhar.

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Marcos Samerson

O mais novo show da dupla, “Bafafá”.

O novo show, “Bafafá”, é a consolidação de um caminho construído ao longo desses mais de 20 anos. A criança ocupa o trabalho da dupla em diversas dimensões, e as músicas são construídas para elas, com elas, por causa delas.

Por isso, no álbum novo, tem composições que nasceram de sugestões de pais e mães, observando a aflição dos pequenos para lidar com questões como desfralde, primeiras palavras e outros marcos da infância. “Sambinha da Fralda Molhada” é exemplo disso. Composição da dupla, a letra narra a vivência do desfralde a partir do olhar do bebê. “Mamãe, a fralda pesada é porque eu já enchi“.

“Sempre pedem para a gente fazer uma música com esse ou aquele tema e todos esses pedidos merecem muita consideração porque são muito autênticos. Mas esse tema da fralda veio a calhar e deu samba”, explica Tatit.

O clipe também é colaborativo, e foi feito com a ajuda de fãs do país inteiro que enviaram suas fotos e vídeos compartilhando como a coisa toda aconteceu em casa, universalizando ainda mais esse tema tão comum às famílias com crianças.

 

Além do desfralde, outros acontecimentos importantes do desenvolvimento infantil aparecem nas letras, não só da perspectiva da criança, mas também dos pais. A criação com apego, a educação afetiva, os vínculos afetivos. Uma delas, a fábula nonsense “Assim Assado” foi criada em parceria com um dos maiores nomes da literatura infantil e juvenil brasileira, a escritora Eva Furnari. Tatit nos conta um pouquinho sobre cada uma:

“Tem a canção ‘Vai e Vem das Estações’, que fala um pouco de como esse ciclo nos afeta; em a historinha da ‘Tartaruga e o Lobo’, que é uma versão desse tipo de tema clássico; Tem a ‘Passeio do Bebê’, que é dedicado à primeirinha palavra que a criança urbana diz: ‘au au’. Tem um tema sobre ETs que é a ‘Canção dos Alienígenas’. E tem a ‘Cuida com Cuidado’, que compara o cuidado que o ser humano dedica às suas crias em comparação com outros animais”, conta o músico.

Trabalhar para e com as crianças é um acordo vitalício de renovar a novidade das coisas, como conta Tatit, que relembra como a Palavra Cantada foi transformada pela tecnologia. Acostumados ao CD e às mídias analógicas, hoje eles se veem na missão de estar constantemente conectados ao digital, e muitos de seus trabalhos são produzidos especificamente para a internet.

“Antes eu achava que era melhor para a criança ouvir música sem ter que ver a música através de um clipe. Isso porque a música sem imagens é mais aberta, mais imaginativa, enquanto que um clipe já é uma interpretação e já reduz o sentido e a imaginação. Mas, não deu: ou produziríamos clipe ou morreríamos”

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“O brincar genuíno é mais social do que individual”, diz Paulo Tatit, da Palavra Cantada.

O que é ser criança para a Palavra Cantada?

Foi a pergunta que fizemos. Do alto da experiência adquirida por quem dedica sua criação artística a elas há mais de duas décadas, Paulo Tatit diz sem titubear: “é a melhor fase da vida”. Porém, a consciência de que a oportunidade de efetivamente viver essa fase não chega a todas as crianças aparece com força em sua fala.

“Para curtir plenamente essa fase, a criança precisa ser livre, conviver com pessoas amáveis, ser bem alimentada e ter paz interior. Infelizmente, no nosso pais ultraviolento e desigual, uma infância assim, plena, é quase uma utopia”, pondera.

Desde as letras e os arranjos até as gravações e a composição dos shows da Palavra Cantada, tudo é marcado por um respeito às dimensões intelectuais e socioemocionais de quem ouve, e também dizem muito sobre o que é, afinal, ser criança. O aprendizado, aqui, como Tatit, é perceber a cada dia que os pequenos têm capacidades imensas. Por isso, muito além de ser “educativo” ou didatizante, a arte produzida para elas deve considerar essas múltiplas dimensões e oferecer toda a complexidade e riqueza (sonora, poética, estética, cultural) que for possível.

“A música é uma forma muito poderosa porque contém alta dose de emotividade e por isso ela envolve a criança. É muito comum a gente pensar na força de uma letra, porque ela transmite mensagens, que podem ser mais ou menos objetivas, mas são sempre conteúdos do mundo objetivo, digamos assim”, diz o compositor.

Para ele, o encantamento vem do fato de que não é só o intelecto e a emoção que são impactadas por uma música, é também o corpo que a aprende – e apreende.

“No decorrer da experiência de criar e mostrar canções, pude perceber que o conteúdo musical é o responsável pelo envolvimento da criança com a música. As melodias emocionam, os ritmos também emocionam o corpo e assim a criança é pega integralmente e explica o fato delas gostarem de ouvir 500 vezes a mesma canção”, explica.

A percepção sobre o brincar também foi transformada pelo contato estreito com os pequenos. Para Tatit, a brincadeira pressupõe o convívio, e não acontece da mesma forma em brinquedos eletrônicos.

“O brincar genuíno é realizado plenamente quando uma criança encontra a outra e começam a brincar. É algo mais social do que individual. Ficar sozinha, horas a fio, com um tablet nas mãos chega a ser triste”, defende.

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