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Participação infantil: opinar também é direito das crianças

Crianças da Fundação Casa Grande - Memorial do Homem Kariri as crianças fazem a gestão do centro cultural.

Você já deve ter visto aqui no Lunetas muitas histórias e iniciativas que colocam as crianças em primeiro lugar nas tomadas de decisões e promovem o chamado protagonismo infantil. Isso porque, entendemos que é importante ouvir os pequenos nos assuntos que dizem respeito às suas vidas. Para a cientista social Mariana Koury, fomentar a participação é mais do que apenas escutar as crianças.

“É escutá-las e de fato considerar suas falas agindo em prol da efetivação dos seus desejos”

“Entende-se que a criança deve opinar sobre temas na escola – do currículo ao uso dos espaços –, participar de discussões sobre obras e planejamento urbano na sua rua, comunidade ou bairro, debater temas em espaços políticos como Conselhos de Direitos e Câmara dos Vereadores, entre outros âmbitos”, explica.

“Consideramos que as crianças são sujeitos fundamentais na construção de uma sociedade democrática”

Mariana trabalha no Projeto Criança Pequena em Foco, do CECIP (Centro de Criação de Imagem Popular), que tem o objetivo de incluir a participação das crianças na formulação de políticas públicas. Ela pontua que a criança não é soberana e a negociação entre as falas das crianças e os adultos é fundamental para uma boa promoção da participação infantil.

No Brasil, a participação das crianças está previsto, desde 1989, na Convenção dos Direitos das Crianças da ONU, do qual o Brasil é signatário, assim como no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990. Ambos documentos apontam para a necessidade de escutar a criança sobre todos os processos e ações que lhe concernem. E em 2016, o Marco Legal da Primeira Infância também aponta sobre a importância de se promover a participação das crianças.

Leia a entrevista na íntegra

Mariana Koury: A diferenciação em relação ao protagonismo é que quando falamos em “protagonista” se pressupõe que as crianças são os atores principais da ação. Quando falamos em participação entendemos que, principalmente no que diz respeito às discussões sobre contextos mais amplos como a cidade, todos têm importante papel no debate e tem o direito de incidir sobre os temas a partir das suas vivências específicas como grupos sociais.

Mariana Koury: Uma criança que participa, em qualquer nível, se sente pertencente àquele espaço, produzindo assim uma vivência que faz mais sentindo para ela, desenvolvendo sua autonomia, autoestima e habilidades sociais.

“A promoção de espaços de participação da criança também ajuda na formação de adultos mais críticos”

Partimos do entendimento de que as crianças já são cidadãs e não precisamos esperar um futuro para efetivar e garantir esse seu direito.

Mariana Koury: Ao promover um espaço de participação infantil não basta levar as crianças para espaços dos adultos, em formatos de discussão pensado para e por os adultos, pois assim a criança pode acabar ferida no seu direito mais essencial que é o de ser criança. Por isso, ao propor um momento de escuta e participação das crianças, é fundamental utilizar metodologias adequadas à faixa etária e contexto cultural do grupo com o qual se está trabalhando, utilizando ferramentas que dialoguem com o universo infantil, como brincadeiras, desenhos, faz de conta.

“O ideal é que o processo de participação das crianças seja feito em um espaço e com uma equipe que seja familiar para elas”

Em uma discussão com crianças e adultos é sempre preferível pensar que os adultos podem se adaptar à uma atividade pensada para os pequenos e não o contrário. Afinal, o que é bom para as crianças é bom para todo mundo!

A participação infantil pressupõe o direito à não-participação. Então, para evitar qualquer tipo de coerção é importante que seja respeitado o desejo de uma criança não participar do que está sendo proposto, sempre com um diálogo muito claro e sincero entre todos os envolvidos, explicando cada etapa do que vai ser realizado, pedindo sugestões sobre a atividade às crianças, os motivos pelos quais se está fazendo aquilo e deixando-as confortável para optar por não participar.

Convidá-las a avaliar um projeto ou oficina ajuda na construção de atividades que façam mais sentindo para elas.

Mariana Koury:  O principal espaço de participação das crianças nas escolas é o Grêmio e os representantes de turma. Além disso, algumas escolas e creches formam conselhos de alunos que discutem sobre o funcionamento da instituição. É fundamental que as escolas, local onde as crianças passam uma boa parte do seu dia, proporcionem espaços de escuta e participação dos alunos, dialogando com seus desejos e olhares, pois assim a escola fica mais próxima à realidade dos estudantes, fazendo com que eles se sintam pertencentes a esse espaço.

“No âmbito familiar, é essencial estabelecer momentos de diálogo sincero, sem tomar decisões por elas, mas junto com elas, negociando uma tomada de decisão democrática”

Em abril de 2015, realizamos uma escuta de crianças durante a Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e nas discussões sobre as famílias as crianças reclamaram que têm pouco tempo para brincar e conversar com os pais e gostariam de poder ficar mais tempo com eles. Essa fala é muito importante e nos faz refletir sobre como poderíamos garantir este espaço.

Mariana Koury:  O fundamental é respeitar seu tempo e suas linguagens, utilizando recursos que dialoguem com o seu universo, como as rodinhas de conversa, o brincar, o faz de conta e a contação de história. Mesmo as crianças bem pequenas têm muita coisa para dizer!

Inspiração no Brasil e no mundo

No Brasil, na Fundação Casa Grande Memorial do Homem Kariri, vencedora do Primeiro Prêmio Nacional de Projetos com Participação Infantil, no interior do Ceará, as crianças fazem a gestão de um centro cultural da cidade, que inclui, entre outras coisas, um museu arqueológico e uma rádio, da qual elas fazem a programação e a locução. Ao visitar o espaço, são as crianças que apresentam tudo o que acontece por ali.

Internacionalmente, a Índia tem um projeto chamado Humara Bachpan em que as crianças formam clubes de discussão sobre suas comunidades e pressionam o poder público local para a efetivação de melhorias.

 

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