De origem iorubá, a palavra “erê” significa brincar. No candomblé, os erês designam o intermediário entre a pessoa e o seu orixá, enquanto na umbanda, são espíritos de crianças evoluídas, próximas dos orixás, que transmitem seus conhecimentos. No curta-metragem “Olhos de Erê”, Luan Manzo filma com o celular da avó o espaço onde vive no quilombo Manzo Ngunzo Kaiango, em Belo Horizonte (MG). Gravado em 2020, quando tinha apenas seis anos de idade, Luan é responsável pela realização, som e câmera do filme.
“Dá um ‘oi’ pro meu canal gente!”, diz animado às mulheres do quilombo, entre elas, a líder da comunidade Makota Kidoiaiê, que reclama do menino estar gravando enquanto ela conversa. Entre risadas, Luan sai do cômodo e diz: “Gente, minha avó tá com raiva de mim só porque eu filmei ela”, indo filmar outros lugares do quilombo. Com pouco mais de dez minutos de filme, Luan apresenta as plantas da casa da avó, cozinha, instrumentos como búzios, chicotes e um espaço secreto. No fim, canta uma das músicas da religião, dedicada ao orixá Oxossi, e se despede do espectador.
Conhecimento ancestral além das telas
Após perceber que o vídeo de Luan apresentava ricos minutos de informação orgânica, detalhada e curiosa sobre o terreiro e o quilombo onde vivem, Makota mostrou a obra para o produtor audiovisual Bruno Vasconcelos, parceiro da comunidade quilombola, que acabou inscrevendo o filme no 6º Prêmio BDMG Cultural. O curta ganhou o primeiro lugar na categoria “Curta-Metragem de Baixo Orçamento”, com a temática “Instante Suspenso: narrativas de um tempo de isolamento”. Exibido em vários festivais durante a pandemia, o prêmio recebido por “Olhos de Erê” também possibilitou que Luan realizasse sua iniciação no candomblé.
Se o celular já é um amigo próximo do minicineasta, foi o aparelho que também proporcionou a alfabetização do pequeno: sem acesso à educação formal durante a pandemia, a alfabetização de Luan aconteceu de maneira autodidata, com utilização do celular, enquanto o projeto “Edukação de Kilombu – Afrobetização”, se encarregou de transmitir conhecimentos ancestrais às crianças do quilombo. Com consultoria de Luan, o projeto possui uma videossérie de três episódios, além de podcast e conversas no canal do YouTube da iniciativa.
“É importante a gente aprender a ler o que não foi escrito, porque aí a gente aprende a escutar e a valorizar também a oralidade” – Makota Kidolaiê, no segundo episódio da série
Com conhecimento, rigor e frescor infantil, Luan compartilha sua percepção de mundo no terreiro em seu filme e na série de afrobetização. A naturalidade com que descreve os espaços da sua vida mostra como a organização, o coletivo, a ancestralidade e a circularidade do povo preto, presentes no quilombo, vêm de berço.
* Com informações da Associação Filmes de Quintal e Alma Preta Jornalismo.
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