Comecemos pela luneta. Se a mirássemos para as crianças, as infâncias, e nos puséssemos a contemplá-las assim, bem de perto, reparando suas sutilezas e minúcias, o que saltaria aos seus olhos? Pensou? Então, inicio nossa conversa contando o que mais me mobiliza nesse exercício de observação: a diversidade! Não existe um filho igual ao outro (nem mesmo quando são gêmeos!), cada criança é dona de uma identidade singular, rara e seguirá assim por toda a sua vida. Somos autênticos. Nesse sentido, preconceito e intolerância são herança genética?
Algumas de nossas características vieram impressas na genética que herdamos: olhos, cabelo, cor da pele, altura, comprimento dos dedos, formas das orelhas, miopia, doenças raras, daltonismo, síndrome de Down são alguns exemplos. Esses aspectos, em interação com aqueles que vamos construindo, formam nossa identidade única. É interessante perceber o movimento genuíno das crianças, especialmente nos primeiros anos de vida, de compreenderem uns aos outros a partir dessas diferenças. Eles são mestres em colocar a curiosidade a serviço da aproximação. Por isso, perguntam, e muito! Por que seu cabelo é encaracolado e o meu é liso? Por que você tem a pela clara e a minha é escura? O que aconteceu com seu pé? Por que você não anda? Como você sabe que ele quer água se ele não fala?
Cada pergunta, uma oportunidade de descoberta, uma viagem ao mistério do outro, que também ajuda a compreender quem sou. Até que… “shhhhhhh, não fala isso, menino! Não pergunta, não olha, disfarça, pede desculpa por ter falado isso”. Comportamento de adulto que aprendeu a perceber a diversidade com estranheza, como algo que deve ser negado, afastado, melhor se ficar invisível. O que será que se perde no caminho entre o guri e o homem feito?
Preconceito e intolerância não são herança genética.
São aprendizados históricos e culturais de uma sociedade que não percebe a potência da diversidade como grande professora da nossa existência, como matriz da própria vida. Por isso, os diálogos sobre a diversidade e, principalmente, sobre a inclusão, com famílias e toda a rede protetora da infância passa também por desaprender conceitos e descontinuar comportamentos. Passa por abrir espaço para as características que desafiam, por compreender as diferenças como cores que dão o tom da convivência e nos salvam da normose preto-e-branco que escraviza.
Passa, ainda, por entender que experimentar pertencimento não exige que mudemos quem somos. Ao contrário, exige que sejamos autênticos.
Entrar em contato profundo com a diversidade é acessar, sem atalhos, a vulnerabilidade – dos outros e nossas.
É difícil, põe medo, pode ser perigoso, às vezes. Mas acredito que viver a vida sem essa experiência é como não ter, de fato, estado aqui.
A boa notícia é que podemos fazer isso de maneira mais gentil se estivermos de mãos dadas com as crianças. Quando permitimos, elas nos tocam, renovam nosso olhar, e nos conduzem de volta à possibilidade de olhar o outro com empatia, quem sabe até com vontade de encontro. Quando não atrapalhamos, elas instalam um olhar generoso sobre a vida e inauguram novos tempos dentro e fora da gente.
Aqui, nesta plataforma virtual de tantas conexões, podemos exercitar nosso olhar para as múltiplas infâncias. Múltiplas. Não uma, não um padrão, não um grupo. Para mim, esta é a maior riqueza do Lunetas: poder experimentar aqui, no coletivo, a escolha da inclusão. Escolha consciente, decisão. Como caminho de construção de um mundo em que todos possamos ser. Em liberdade e afeto. Ser. Desde a primeira infância, ser. Porque sabemos que a vida encolhe ou expande na proporção de nossa coragem. E o motor da coragem é o afeto. Que as crianças nos guiem nesta revolução.