Mãe que denunciou racismo diz: ‘é preciso empoderar as crianças’

"A primeira reação da Rafa foi o choro, um choro por não compreender o fato de o amigo não gostar da pele dela por ser escura", contou a mãe

Da redação Publicado em 30.11.2016

Resumo

Rafaella, de 5 anos, foi discriminada por outras crianças, e o caso desperta a atenção para o modo como os pequenos reproduzem comportamentos dos adultos.

Rafaella Leonarda tem apenas cinco anos, e já sofreu na pele as consequências do racismo ainda tão presente na sociedade. Em um dia comum, durante o trajeto para a escola, a pequena foi impedida de brincar com seus próprios colegas. Uma das crianças que divide a van escolar com ela, disse que a pele de Rafaella era “escura demais” para tocar na bola dele, que era tão clara.

A situação – denunciada pela mãe, Renata Germano, em um post no Facebook – revela duas questões alarmantes: o racismo ainda latente nas relações sociais, e a naturalidade com que as crianças reproduzem discursos e comportamentos preconceituosos dos adultos.

Daí a importância de tratar o tema com seriedade e transparência, e enfrentar o preconceito e a intolerância sem receio de envolver as crianças no debate.

Depois de compartilhar a história nas redes, Renata recebeu centenas de manifestações de apoio, e o relato já tem mais de 150 mil reações e mais de 4o mil compartilhamentos. As duas moram em São Bernardo do Campo, região do ABC paulista, e conversam abertamente sobre manifestações de intolerância.

Em entrevista ao Lunetas, Renata falou sobre a importância de os adultos assumirem uma postura firme e consciente em relação ao racismo, e defende o diálogo aberto, tanto em família quanto na sociedade, como forma de empoderamento infantil.

“A primeira reação da Rafa foi o choro, um choro por não compreender o fato de o amigo não gostar da pele dela por ser escura. Ser desprezado é muito ruim! E a Rafa sentiu isso na pele – e pela pele, literalmente. Conversamos assim que ela saiu da van e ela reagiu de maneira super positiva. Trabalho a cabecinha dela diariamente para isso”, conta a mãe.

Renata conta que esta não é a primeira discriminação racial vivida pela filha, que hoje estuda em um colégio particular e bilíngue. “Lembro de um episódio, que numa escola de 405 crianças, Rafa era a única negra! Dentre todas, ela foi escolhida para interpretar o Saci na festinha de fim de ano. Ela chorou muito, não queria ser ‘um menino’, e eu não permiti que ela participasse, pois achei a escolha pejorativa e preconceituosa. Tantos meninos na escola e eles escolhem a única menina por ser preta?”, relembra.

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“Ela tem a pele mais linda que já vi!”, diz a mãe sobre a filha, ao defender a autoestima como ferramenta de empoderamento e defesa diante das discriminações.

Sobre o papel da família e responsáveis pela criança na tomada de consciência sobre o racismo, ela destaca a importância de empoderar as crianças para a autoaceitação e respeito por si próprias e pelo outro. “A auto-estima é transformadora. Ela te faz entender que você não depende da aprovação do outro. Minha filha ama seu cabelo, sua cor, seus traços, cada pedacinho dela. Pois eu penso que se você cresce querendo ter outro cabelo, um nariz mais fino, uma pele mais clara, você acaba não se aceitando e sendo infeliz”.

“O racismo dói. Uma criança pensante se torna um adulto mais consciente, nosso trabalho é orientar e ensinar”, defende Renata.

Leia o relato na íntegra

“19:00h. Como de costume desci meu prédio pra pegar minha filha que chega da escola junto ao transporte escolar.
A van chega, a porta abre e eu sinto um clima estranho no ar. O tio, motorista da van me pergunta: – Rafa tem reclamado de alguma coisa? Respondo que não! Mas o rosto dele e da tia que cuida das crianças trazia uma tensão que eu jamais tinha visto.
Olho pra Rafa, quietinha no canto, amuada, quase que deitada no banco, com os olhinhos marejados.
Pego no colo. O choro é quase que instantâneo… Me abraçou apertado, era um choro sentido, dolorido, diferente…
Naturalmente tímida, ela demorou a me dizer o que tinha acontecido.
Mas abriu seu coração.
Hoje ela não pôde brincar com os amigos da van, pois um deles não deixou. O motivo? A cor de sua pele… Ele disse que a pele dela era escura demais pra tocar na bola dele que era tão clara. Continuou e disse que a pele dela era muito feia e muito escura, e ele não gostava de pessoas de pele escura…sendo assim, ela deveria se sentar longe dele. E assim ela o fez.
Eu engulo meu choro, pego em seu rosto, mando olhar nos meus olhos e digo: – Repete Rafa: Eu sou linda! Eu sou maravilhosa! – Em meio às lágrimas ela repete. Digo de novo: Repete alto, filha, pra vc ouvir bem. Ela o faz.
Subimos.
Ao chegar em casa, já sem chorar, converso que ela precisa se achar linda, que ela precisa se amar e não depende da aprovação de nenhum amiguinho pra achar isso.
Ela sorri, e diz: Eu me acho linda mãe. E acho a minha pele linda tb. Fim do assunto com ela. 
Queridos amigos, ensinem seus filhos. Orientem-os. Você não consegue mudar a cabeça de um racista, mas você consegue fazer com que seu filho não seja um. A estrutura racista da nossa
sociedade causa uma separação racial paralela a social.
Na escola da Rafa temos apenas 3 crianças negras.  Empoderá-la tem sido um feito diário. Há quem diga pra mim: Rê, mas você só fala de racismo. Cada um fala sobre a sua realidade, e essa é a realidade da minha filha, da minha preta. É por ela que eu falo! O novembro é negro, e eu to aqui pra dizer, não se deixe dominar pela estrutura racista imposta pela sociedade. E só pra constar: ela tem a pele mais linda que já vi!”

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