Você sabia que muitas áreas de atuação socialmente consideradas masculinas não seriam o que são hoje sem o trabalho das mulheres? Ou melhor: sua criança sabe disso? É o caso da ciência, da programação de computadores, da aviação, e por aí vai. Foi desse desejo de sensibilização sobre como as referências que observamos no dia a dia influenciam na construção do sujeito que nasceu o livro “ABCDELAS”, de autoria da escritora e ilustradora Janaina Tokitaka, lançamento da Companhia das Letrinhas. A literatura infantil pode ser uma janela para uma infância conectada com a diversidade, a igualdade e o respeito.
Representatividade feminina em ABCDELAS
Para apresentar pioneiras de diversas profissões, o livro compõe um abecedário ilustrado do trabalho feminino – e feminista, afinal, no diálogo sobre representatividade da mulher está pressuposta a luta pela igualdade de direitos. O resultado é um divertido acervo afetivo de mulheres que transformaram realidades ao redor do mundo, e uma forma de transmitir às crianças o valor da História que foi escrita antes de nós.
No livro, mulheres como a aviadora Anésia Pinheiro Machado, a bióloga inglesa Margaret Elizabeth Fountaine, e a chef de cozinha francesa Eugénie Brazier ganham cada uma pequena biografia em forma de conto, com linguagem poética e bem-humorada.
Uma mistura de livro informativo com literatura autobiográfica, “ABCDELAS” convida meninas e meninos a reverenciar trajetórias profissionais historicamente invisibilizadas. Se tivermos sorte, as crianças sairão do livro sem ter dúvida nenhuma de que as mulheres mudaram, mudam e ainda mudarão o mundo.
A cada letra, o leitor vai conhecer histórias raras e valiosas de mulheres que revolucionaram seus campos de atuação. Foram essas heroínas do dia a dia que contribuíram para que as mulheres de hoje pudessem trabalhar em diferentes áreas, mesmo em profissões que um dia foram consideradas “masculinas”.
Empoderamento feminino é assunto de criança?
“Empoderamento feminino é até mais assunto de criança do que de adulto, porque o poder formativo da infância é imenso. Crianças absorvem tudo ao redor delas” – Janaina Tokitaka.
Por ser indicado para o público infantil – apesar de não encantar somente às crianças – o livro preenche também uma lacuna histórica, que é a da quantidade reduzida de heroínas meninas, em comparação com a de heróis meninos. Ao mostrar mulheres transformadoras em sua área de atuação, a obra mostra às crianças que há outros jeitos de ser menina em uma história, e não só princesa ou mocinha.
Muitas vezes as personagens femininas nos livros infantis só mostram um ideal de feminilidade e eu acho que isso é muito redutor.
A autora chama as referências que os adultos oferecem aos pequenos de “pecinhas de construir identidade”, e resgata sua experiência pessoal ao escrever histórias como essa. “ABCDELAS” não é o primeiro livro de Janaina a se preocupar com a representatividade feminina. O livro “Princesas guerreiras” – leia a matéria do Lunetas sobre – também trazia esse tema. Também escrito e ilustrado por Janaina, o livro “Pode pegar“, que também já apareceu por aqui, trabalha a questão dos papéis “de menina” e “de menino”, e como eles são construídos no nosso imaginário.
“Pensei na minha infância e como teria me sentido melhor se tivesse mais personagens me incentivando a ser independente e forte”
Confira a entrevista com Janaína Tokitaka
Lunetas – Empoderamento feminino é assunto de criança? Por quê? Qual sua opinião sobre o termo em si?
Janaina Tokitaka – Acho que é até mais assunto de criança do que de adulto, porque o poder formativo da infância é imenso. Crianças absorvem tudo ao redor delas. Então acho muito importante que a gente redobre os cuidados no sentido de mostrar para as meninas que elas podem ser o que quiserem: astronautas, químicas, desenhistas. Muitas vezes as personagens femininas nos livros infantis só mostram um ideal de feminilidade e eu acho que isso é muito redutor.
Sobre a palavra “empoderamento”, eu acho a intenção do termo melhor do que o termo em si, porque relações de “poder” não são necessariamente uma utopia em que eu acredito. Acho também que é importante não usar o termo como uma hashtag sem sentido. O que eu entendo por “empoderamento” é ampliar a auto estima, o potencial e abrir os horizontes das meninas e mulheres.
Esse não é o seu primeiro livro nessa temática. No Princesas Guerreiras ele também aparece com força. Conta um pouco como esse assunto dialoga com seus interesses artísticos?
JT – Eu acho que esse interesse partiu da minha experiência com a maternidade. Depois que tive minha filha, comecei a prestar atenção redobrada em como os personagens e narrativas são levados muito a sério pelas crianças. Como tudo ao redor deles, são modelos, pecinhas que eles vão usar para montar suas próprias identidades. Pensei na minha infância e como teria me sentido melhor se tivesse mais personagens me incentivando a ser independente e forte, ou personagens asiáticas em papéis de protagonismo. Então, como escritora, comecei a me preocupar mais. Talvez seja verdade que a maternidade é um eterno “se preocupar”, mas talvez isso não seja uma coisa ruim.
Fiquei curiosa para saber qual critério você usou para escolher uma ou outra profissão. A falta de representatividade feminina em algumas áreas foi uma delas, por exemplo?
JT – Sim! Quis escolher trajetórias e áreas que a gente não imediatamente associa à mulheres, sempre buscando ser inclusiva. A programação de computadores, por exemplo, tem muitas pioneiras e pesquisadoras importantíssimas e no entanto até hoje é uma área em as mulheres sofrem muita discriminação.
“Essa educação para fazer as crianças pararem de ver área x ou y como ‘masculina’ ou ‘feminina’ é muito importante”
O que você gostaria que uma menina pensasse ao ler o “ABCDELAS” e conhecer todas essas personalidades históricas? E um menino?
JT – Gostaria que esse livro funcionasse para elas, como todo bom livro, como uma espécie de janela. Através dessa janela, a leitora vai descobrir muitas possibilidades, muitas maneiras de ser e pensar. Eu gosto muito de biografias e de História no geral porque acho que quando a gente se vê como um ponto em uma linha temporal maior do nós mesmos, isso nos acalma e dá segurança.
Gosto muito de ler as histórias de autoras e ilustradoras que produziram antes de mim, me sinto menos sozinha. E acredito, mesmo, que os meninos vão empatizar e se identificar com as histórias do “ABCDELAS”, mesmo que elas sejam protagonizadas por personagens que não tem o mesmo gênero que eles.
“Para os meninos, é importante que eles tenham várias referências do que é ser uma mulher”
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